sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

São Cirilo e os soldados sarracenos


Em um acampamento sarraceno [muçulmano] perguntaram a São Cirilo [o iluminador dos eslavos]: "Como podem os cristãos guerrearem e ao mesmo tempo manterem o mandamento de Cristo de orar a Deus por seus inimigos?"
 Para isso, São Cirilo respondeu: "Se dois mandamentos foram escritos em uma lei e dados ao homem para serem cumpridos, qual homem seria o melhor seguidor da lei?" 

Os sarracenos responderam: "Sem dúvida, aquele que cumpre ambos os mandamentos.' 

São Cirilo continuou: "Cristo nosso Deus nos mandou orar a Deus por aqueles que nos perseguem e até mesmo fazer o bem a eles, mas Ele também nos disse que 'Ninguém possui amor maior que este, que é um homem dar a vida pelos seus amigos' (Jo 15:13). É por isso que nós suportamos os insultos que os nossos inimigos lançam até nós individualmente e o motivo de orarmos a Deus por eles. No entanto, como uma sociedade, nós defendemos uns aos outros e damos nossas vidas, para que o inimigo não possa escravizar nossos irmãos, não possa escravizar suas almas com seus corpos, e não possam destruí-los tanto no corpo como na alma"

Do "Prólogo de Ohrid" de São Nicolau Velimirovic

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

A Dormição da Mãe de Deus


Capítulo 1

Dentre as muitas coisas que a mãe perguntou ao seu filho durante aquele tempo que precedeu a paixão do Senhor, figura a referente à sua passagem, sobre a qual começou a perguntar-lhe nestes termos: "O caríssimo filho, rogo à tua Santidade que, quando chegue o momento que minha alma tenha de sair do corpo, me faças saber com três dias de antecedência; e então Tu, querido filho, encarrega-te dela na companhia de teus anjos."

Capítulo 2

Ele, de sua parte, acolheu a súplica de sua querida mãe e disse-lhe: "O habitação e templo de Deus vivo, ó mãe bendita, O rainha de todos os santos e bendita entre todas as mulheres, como sabes, antes de me carregares em teu seio guardei-te continuamente e te alimentei com meu manjar angélico. Como irei abandonar-te depois de me haveres gestado e alimentado, depois de me haveres levado na fuga ao Egito e haveres sofrido por mim tantas angústias? Fica sabendo, então, que meus anjos sempre te guardaram e te seguirão guardando até o momento da tua passagem. Mas, após ter sofrido pelos homens conforme o que está escrito e depois de haver ressuscitado ao terceiro dia e subido ao céu ao final dos quarenta dias, quando me vires vir ao teu encontro na companhia dos anjos e dos arcanjos, dos santos, das virgens e de meus discípulos, podes estar certa então de que chegou o momento em que tua alma será separada de teu corpo e transportada por mim ao céu, onde nunca experimentarás a mínima atribulação ou angústia".

Capítulo 3

Então ela viu-se inundada de gozo e de glória, beijou os pés de seu filho e abençoou o Criador do céu e da terra, por haver-lhe destinado semelhante dom através de Jesus Cristo, seu Filho.

Capítulo 4

Durante o segundo ano a partir da Ascensão de Nosso Senhor Jesus Cristo, a beatíssima Virgem Maria costumava entregar-se assídua e constantemente à oração de noite e de dia. Na antevéspera de sua morte recebeu a visita de um anjo do Senhor, o qual saudou-a dizendo: "Deus te salve, Maria; és cheia de graça; o Senhor é contigo". Ela, por sua vez, respondeu: "Graças sejam dadas a Deus". Ele tomou novamente a palavra para dizer-lhe: "Recebe esta palma que te foi prometida pelo Senhor". Ela, então, transbordante de gozo e de gratidão para com Deus, tomou das mãos do anjo a palma que lhe havia sido enviada. E o anjo do Senhor disse-lhe: "Daqui a três dias terá lugar a tua Ascensão". Ao que ela replicou: "Graças sejam dadas a Deus".

Capítulo 5

Chamou então José de Arimatéia e os outros discípulos do Senhor. E quando eles estavam reunidos, assim como seus próprios conhecimentos e mais chegados, anunciou a todos a sua iminente passagem. Depois a bem-aventurada Maria asseou-se e enfeitou-se como uma rainha e ficou esperando a chegada do seu Filho, conforme Ele lhe havia prometido. E rogou a todos os seus parentes que zelassem por ela e lhe proporcionassem (alguma) distração. Tinha ao seu lado três virgens: Séfora, Abigail e Zael. Mas os discípulos de Nosso Senhor Jesus Cristo estavam já nessa época dispersos pelo mundo inteiro para evangelizar o povo de Deus.

Capítulo 6

Naquele momento (era então a hora terceira), enquanto a rainha Maria estava em seus aposentos, produziram-se grandes trovões, chuvas, relâmpagos, perturbações e terremotos. O apóstolo e evangelista João foi transportado de Éfeso; entrou no quarto onde se encontrava a bem-aventurada Virgem Maria e saudou-a com estas palavras: "Deus te salve, Maria; és cheia de graça; o Senhor é contigo". Ela por sua vez respondeu: "Graças sejam dadas a Deus". E, levantando-se, deu um beijo em João. Depois disse-lhe: "O queridíssimo filho, por que. me abandonaste durante tanto tempo e não te importaste com o encargo que te deu o teu Mestre com relação à minha custódia, como te ordenou enquanto estava dependurado na cruz?" Ele, então, caindo de joelhos, pôs-se a pedir-lhe perdão. E a bem-aventurada Virgem Maria abençoou-o e beijou-o novamente.

Capítulo 7

E, quando se dispunha a perguntar-lhe de onde vinha e por que razão se havia apresentado em Jerusalém, eis que (de repente) todos os discípulos do Senhor, exceto Tomé, o chamado Dídimo, foram levados numa nuvem até a porta dos aposentos onde estava a bem-aventurada Virgem Maria. Então, pararam e depois entraram e adoraram a rainha, saudando-a com estas palavras: "Deus te salve, Maria; és cheia de graça; o         Senhor é contigo". Ela então levantou-se, solícita e, inclinando-se, foi beijando-os e deu graças a Deus.
Eis aqui os nomes dos discípulos do Senhor que foram levados até lá numa nuvem: João o Evangelista e seu irmão Tiago; Pedro e Paulo; André, Felipe, Lucas, Barnabé; Bartolomeu e Mateus; Matias, apelidado o Justo; Simão Cananeu; Judas e seu irmão; Nicodemus e Maximiano e, finalmente, muitos outros que não é possível contar.

Capítulo 8

Então a bem-aventurada Virgem Maria disse aos seus irmãos: "A que se deve terem todos vindo a Jerusalém?" Pedro assim respondeu: "Tu nos perguntas, sendo que era a ti nós deveríamos perguntar? Por mim tenho certeza que nenhum de nós conhece a razão pela qual apresentamo-nos aqui tão velozmente. Estava em Antioquia e agora encontro-me aqui".
E todos foram indicando o lugar onde haviam estado naquele dia, ficando surpreendidos e cheios de admiração por se verem ali presentes ao escutar tais relatos.

Capítulo 9

A bem-aventurada Virgem Maria disse-lhes: "Antes de meu filho sofrer a paixão, eu roguei que tanto Ele quanto vós todos assistísseis a minha morte, e essa graça foi-me outorgada. Por isso sabereis que amanhã terá lugar a minha passagem. Vigiai e orai comigo para que, quando o Senhor venha encarregar-se da minha alma, vos encontre velando", Então empenharam sua palavra de que permaneceriam vigilantes. E passaram toda a noite em vigília e em adoração, entoando salmos e cantando hinos, acompanhados de grandes luzes.
Chegando o domingo, e a hora terceira, Cristo desceu acompanhado de uma multidão de anjos, da mesma maneira que havia descido o Espírito Santo sobre os apóstolos numa nuvem, e recebeu a alma de sua querida mãe, E enquanto os anjos entoavam aquela passagem do Cântico dos Cânticos na qual o Senhor diz: "Como o lírio ente espinhos, assim minha amiga entre as filhas", sobreveio tal resplendor e um perfume tão suave, que todos os presentes caíram sobre seus rostos (da mesma maneira que os apóstolos caíram quando Cristo transfigurou-se na presença deles em Tabor), e durante hora e meia ninguém foi capaz de levantar-se.

Capítulo 10

No momento, porém, em que o resplendor começou a afastar-se, iniciou-se a assunção ao céu da alma da bem aventurada virgem Maria entre salmodias, hinos e os ecos do Cântico dos Cântico. E, quando a nuvem começou a elevar-se, a terra inteira sofreu um estremecimento e no mesmo instante todos os habitantes de Jerusalém puderam aperceber-se claramente da morte da Santa Maria.

Capítulo 11

Mas foi naquele mesmo instante que Satã penetrou no seu interior, e então os demônios puseram-se a pensar o que fariam com o corpo de Maria. Apetrecharam-se armas para atear fogo ao cadáver e matar os apóstolos, pois pensavam que ela havia sido a causa da dispersão de Israel, que sobreviera pelos seus próprios pecados e pela conspiração dos gentios. Mas foram atacados de cegueira e vieram a dar com a cabeça contra os muros e entre si.

Capítulo 12

Então os apóstolos, atraídos pela enorme claridade, levantaram-se ao compasso da salmodia e iniciou-se a passagem do santo cadáver do monte de Sião até o vale de Josafá. Porém, ao chegar à metade do caminho, eis que certo judeu de nome Ruben veio ter com eles, pretendendo jogar o féretro ao chão, juntamente com o cadáver da bem-aventurada Virgem Maria. Imediatamente suas mãos tomaram-se secas até o cotovelo, e, por bem ou por mal, teve de ir até o vale de Josafá chorando e soluçando ao ver que suas mãos se haviam tomado rígidas e coladas ao féretro e que não era capaz de atraí-las de novo para junto de si.

Capítulo 13

Depois rogou aos apóstolos que através de suas orações obtivessem de volta a sua saúde e ele far-se-ia cristão. Então eles puseram-no de joelhos e rogaram ao Senhor que o libertasse. No mesmo instante, deu-se a sua cura e ele pôs-se a dar graças a Deus e beijar os pés da Rainha e de todos os santos e apóstolos. Foi imediatamente batizado naquele lugar e começou a pregar em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Capítulo 14

Depois os apóstolos depositaram o cadáver no sepulcro com todas as honras e puseram-se a chorar e a cantar, dado o.excessivo amor e doçura que sentiam. De imediato viram-se circundados por uma luz celestial e caíram prostrados, enquanto o santo cadáver era levado aos céus pelas mãos dos anjos.

Capítulo 15

Então o afortunadíssimo Tomé sentiu-se repentinamente transportado até o monte das Oliveiras, e, ao ver que o bem-aventurado corpo dirigia-se aos céus, começou a gritar dizendo: "O santa mãe, mãe bendita, mãe imaculada, se aos teus olhos encontrei a graça, já que me é dado o privilégio de contemplar-te, alegra o teu servo, pois estás a caminho do céu" E no mesmo instante a faixa com que os apóstolos haviam cingido o corpo santíssimo foi arremessada do alto ao bem-aventurado Tomé, que, ao recebê-la entre suas mãos, beijou-a e, dando graças a Deus, retomou ao vale de Josafá.

Capítulo 16

E encontrou todos os apóstolos e uma grande multidão em atitude de golpear-se os peitos, surpreendidos como estavam pelo resplendor que haviam visto. E, depois de haverem cumprimentado e dado um beijo de paz entre si, o bem-aventurado Pedro dirigiu-se a ele nestes termos: "Na verdade sempre foste teimoso e incrédulo e talvez pela tua incredulidade o Senhor achou por bem conceder-te a graça de assistires conosco ao enterro da mãe do Salvador". Ele respondeu golpeando-se o peito: "Eu o sei e estou firmemente convencido disto; sempre fui um homem perverso e incrédulo; peço, pois, perdão a todos pela minha contumácia e incredulidade". E todos puseram-se a orar por ele.

Capítulo 17

O bem-aventurado Tomé perguntou então: "Onde colocastes o seu corpo?" Eles indicaram o sepulcro com o dedo. Mas ele replicou: "Não, ali não está esse corpo que é chamado santíssimo". Ao que replicou o bem-aventurado Pedro: "Numa outra vez já nos negaste crédito sobre a ressurreição de nosso Mestre e Senhor, se não te fosse dada a oportunidade de ver e apalpar com teus dedos. Como irás crer agora que o santo cadáver encontra-se ali"? Ele, por sua vez, insistia dizendo: "Não está aqui". Então, encolerizados, aproximaram-se do sepulcro, que havia sido recém-escavado na rocha, e afastaram a pedra; mas não encontraram o cadáver, fato que os deixou sem saber o que dizerem ao ver-se vencidos pelas palavras de Tomé.

Capítulo 18

Depois o bem-aventurado Tomé pôs-se a contar-lhes como se encontrava celebrando a missa na Índia. Estava ainda vestido com os paramentos sacerdotais, quando, ignorando a palavra de Deus, viu-se transportado ao monte das Oliveiras e teve a oportunidade de ver o corpo santíssimo da bem-aventurada virgem Maria que subia ao céu; e rogou-lhe que lhe outorgasse uma bênção. Ela escutou sua prece e atirou-lhe a faixa com a qual estava cingida. Então ele mostrou a faixa a todos.

Capítulo 19

Os apóstolos, ao verem a faixa que eles mesmos haviam colocado, deram glória a Deus e pediram perdão ao bem-aventurado Tomé, movidos pela bênção que lhe havia sido dada pela bem-aventurada Virgem Maria e pelo privilégio de ter contemplado seu santíssimo corpo subir aos céus, Então o bem-aventurado Tomé abençoou-os dizendo: "Sintais que bom e agradável é o fato de os irmãos poderem viver unidos entre si".

Capítulo 20

E a mesma nuvem que os havia trazido levou cada um de volta ao seu respectivo lugar, de forma análoga ao que havia acontecido com Felipe quando batizou o eunuco, como se lê nos Atos dos Apóstolos, e com o profeta Habacuque, quando levou comida a Daniel, que se encontrava na cova dos leões, e no mesmo instante retomou à Judéia, De idêntica maneira também os apóstolos foram rapidamente devolvidos ao lugar onde se encontravam antes para evangelizar o povo de Deus.

Capítulo 21

E não há nada de estranho que opere tais maravilhas quem entrou e saiu de uma virgem deixando seu signo em seu seio, quem penetrou no lugar onde estavam os apóstolos através de portas fechadas, quem fez os surdos ouvirem, quem ressuscitou os mortos, quem purificou os leprosos, quem deu visão aos cegos e fez enfim, muitos outros milagres. Não há nenhuma razão para duvidar desta crença.
Eu sou José, aquele que depositou o corpo do Senhor no seu sepulcro e O viu ressuscitar; que guardou continuamente seu sacrossanto templo, a bem-aventurada sempre Virgem Maria, antes e depois da Ascensão do Senhor; que, finalmente, escreveu no papel e no coração as palavras que saíram da boca de Deus e o modo como chegaram a realizar-se os acontecimento acima consignados. E deu a conhecer a todos, judeus ou gentios, o que seus olhos viram e seus ouvidos ouviram, e não deixará de pregar enquanto viver.
Roguemos insistentemente àquela cuja Assunção é hoje venerada e honrada por todo o mundo que se lembre de nós nos céus diante de seu piedosíssimo Filho. A quem são devidos louvores e glória pelos séculos dos séculos. Amém.


Fim

Proto-evangelho de Tiago

Capítulo 1

1 Segundo narram as memórias das doze tribos de Israel, havia um homem muito rico, de nome Joaquim, que fazia suas oferendas em quantidade dobrada, dizendo: "O que sobra ofereço para todo o povoado, e o devido na expiação de meus pecados será para o Senhor a fim de ganhar-lhe as boas graças."
2 Chegou a grande festa do Senhor, na qual os filhos de Israel devem oferecer seus donativos, e Ruben se pôs à frente de Joaquim dizendo-lhe: "Não te é lícito oferecer tuas dádivas, enquanto não tiveres gerado um rebento em Israel."
3 Joaquim mortificou-se tanto que se dirigiu aos arquivos de Israel com intenção de consultar o censo genealógico e verificar se, porventura, teria sido ele o único que não havia tido posteridade em seu povoado. E, examinando os pergaminhos, constatou que todos os justos haviam gerado descendentes. Lembrou-se, por exemplo, de como ao patriarca Abraão lhe deu o Senhor, em seus derradeiros anos de vida, a Isaac por filho.
4 Joaquim ficou muito atormentado, e não procurou sua mulher e se retirou para o deserto. Ali armou sua tenda e jejuou por quarenta dias e quarenta noites, dizendo a si mesmo: "Não sairei daqui (para minha casa), nem sequer para comer ou beber, até que não me visite o Senhor meu Deus; que minhas preces me sirvam de comida e de bebida."

Capítulo 2

1 E Ana, sua mulher, se lamentava e gemia dolorosamente dizendo: "Chorarei minha viuvez e minha esterilidade."
2 Mas chegou a grande festa do Senhor e lhe disse Judite, sua criada: "Até quando vais humilhar tua alma? Já é chegada a festa maior e não te é lícito entristecer-te. Toma este lenço de cabeça que me foi dado pela dona da tecelagem, já que não posso cingir-me com ele por ser eu de condição servil e levar ele o selo real."
3 E disse Ana: "Afasta-te de mim, pois que não fiz tal coisa e, além do mais, o Senhor já me humilhou em demasia para que eu o use; a não ser que algum malfeitor to haja dado, e tenhas vindo para fazer-me a mim também cúmplice do pecado." Replicou Judite: "Que motivo tenho eu para maldizer-te, se o Senhor já te amaldiçoou não te dando fruto em Israel?"
4 E Ana, ainda que profundamente triste, despiu suas vestes de luto, cingiu-se com o toucado, vestiu suas roupas de bodas e desceu, na hora nona, ao jardim para passear. Ali viu um loureiro, assentou-se à sua sombra e orou ao Senhor, dizendo: "O Deus de nossos pais! Ouve-me e bendize-me da maneira que bendisseste o ventre de Sara, dando-lhe como filho Isaac."

Capítulo 3

1 E, tendo elevado seus olhos aos céus, viu um ninho de passarinhos no loureiro e novamente lamentou-se dizendo: "Ai de mim! Por que nasci e em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser como terra maldita entre os filhos de Israel; estes me cumularam de injúrias e me escorraçaram do templo de Deus.
2 "Ai de mim! A quem me assemelho eu? Não às aves do céu, pois que elas são fecundas em tua presença, Senhor.
"Ai de mim! A quem me pareço eu? Não às bestas da terra, pois que até estes animais irracionais são prolíficos ante teus olhos, Senhor.
3 "Ai de mim! A quem me posso comparar? Nem sequer a estas águas, porque até elas são férteis diante de ti, Senhor.
"Ai de mim A quem me igualo eu? Nem sequer a esta terra, porque ela também é fecunda, dando seus frutos na ocasião própria, e te bendiz a ti, Senhor."

Capítulo 4

1 E eis que se lhe apresentou um anjo de Deus, dizendo-lhe: "Ana, Ana, o Senhor escutou teus rogos: conceberás e darás à luz e de tua prole se falará em todo o mundo." Ana respondeu: "Viva o Senhor meu Deus, que, se chegar a ter algum fruto de bênção, seja menino ou menina, leva-lo-ei como oferenda ao Senhor, e estará a seu serviço todos os dias de sua vida."
2 Então, vieram dois mensageiros com este recado para ela: "Joaquim, teu marido, está de volta com seus rebanhos, pois que um anjo de Deus desceu até ele e lhe disse: 'Joaquim, Joaquim, o Senhor escutou teus rogos; volta, pois, que Ana, tua mulher, vai conceber em seu ventre'."
3 E, tendo saído Joaquim, mandou que seus pastores lhe trouxessem dez ovelhas sem mancha: "E estas, disse, serão para o Senhor"; e doze novilhas de leite: "E estas, disse, serão para os sacerdotes e para o sinédrio"; e, finalmente, cem cabritos para todo o povoado.
4 E, ao chegar Joaquim com seus rebanhos, estava Ana à porta e, ao vê-lo chegar, pôs-se a correr e atirou-se ao seu pescoço dizendo: "Agora vejo que Deus me bendisse copiosa-mente, pois, sendo viúva, deixo de sê-lo e, sendo estéril, vou conceber em meu ventre". E Joaquim repousou naquele primeiro dia em sua casa.

Capítulo 5

1 No dia seguinte, ao ir oferecer suas dádivas ao Senhor, dizia para consigo mesmo: "Saberei se Deus me vai ser favorável se eu chegar a ver o éfode do sacerdote". E, ao oferecer o sacrifício, observou o éfode do sacerdote, quando este se acercava do altar de Deus, e, não encontrando pecado algum em sua consciência, disse: Agora vejo que o Senhor houve por bem perdoar todos os meus pecados". E desceu Joaquim justificado do templo e foi para casa.
2 E o tempo de Ana cumpriu-se, e no nono mês deu à luz. E perguntou à parteira: "A quem dei à luz?" E a parteira respondeu: "Uma menina". Então Ana exclamou: "Minha alma foi enaltecida". E reclinou a menina no berço. Ao fim do tempo marcado pela lei, Ana purificou-se, deu o peito à menina e lhe pôs o nome de Maria.

Capítulo 6

1 Dia a dia a menina se ia robustecendo. Ao chegar aos seis meses, sua mãe deixou-a só no chão, para ver se se sustentava de pé, e ela, depois de andar sete passos, voltou ao regaço de sua mãe. Esta levantou-a, dizendo: "Salve o Senhor! Não andarás mais por este solo, até que te leve ao templo do Senhor". E lhe fez um oratório em sua casa e não consentiu que nenhuma coisa vulgar ou impura passasse por suas mãos. Chamou, além disso, umas donzelas hebréias, todas virgens, para que a entretivessem.
2 Quando a menina completou um ano, Joaquim deu um grande banquete, para o qual convidou os sacerdotes, os escribas, o sinédrio e todo o povo de Israel. E apresentou a menina aos sacerdotes, que a abençoaram com estas palavras: "ó Deus de nossos pais, bendiz esta menina e dá-lhe um nome glorioso e eterno por todas as gerações." Ao que todo o povo respondeu: "Assim seja, assim seja. Amém." Apresentou-a também Joaquim aos príncipes e aos sacerdotes, e estes a abençoaram assim: "ó Deus Altíssimo, põe teus olhos nesta menina e outorga-lhe uma bênção perfeita, dessas que excluem as ulteriores."
3 Sua mãe levou-a ao oratório de sua casa e deu-lhe o peito. Compôs, então, um hino ao Senhor Deus, dizendo: "Entoa-rei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitaste, afastaste de mim o opróbrio de meus inimigos e me deste um fruto santo, que é único e múltiplo a seus olhos. Quem dará aos filhos de Ruben a notícia de que Ana está amamentando? Ouvi, ouvi, ó Doze Tribos de Israel: 'Ana está amamentando'."
4 E tendo deixado a menina para que repousasse na câmara onde havia o oratório, saiu e pôs-se a servir os comensais. Estes, uma vez terminada a ceia, saíram regozijando-se e louvando a Deus de Israel.

Capítulo 7

1 Entretanto, os meses iam-se passando para a menina. E, ao fazer ela dois anos, disse Joaquim a Ana: "Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir a promessa que fizemos, para que o Senhor não a reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos." Ana respondeu: "Esperemos, todavia, até que complete três anos, para que a menina não tenha saudades de nós." E Joaquim respondeu: "Esperaremos."
2 Ao chegar aos três anos, disse Joaquim: "Chama as donzelas hebréias que não têm mancha, e que tomem, duas a duas, uma candeia acesa (para que a acompanhem) para que a menina não olhe para trás e seu coração seja cativado por alguma coisa fora do templo de Deus". E assim fizeram enquanto iam subindo ao templo do Senhor. E lá recebeu-a o sacerdote, o qual, depois de tê-la beijado, abençoou-a e exclamou: "O Senhor engrandeceu teu nome diante de todas as gerações, pois que no final dos tempos manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel".
3 Então fê-la sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor derramou graças sobre amenina, que dançou, cativando toda a casa de Israel.

Capítulo 8

1 Saíram, então, seus pais, cheios de admiração, louvando ao Senhor Deus porque a menina não havia olhado para trás. E Maria permaneceu no templo como uma pombinha, recebendo alimento pelas mãos de um anjo.
2 Mas, ao completar doze anos, os sacerdotes reuniram-se para deliberar, dizendo: "Eis que Maria cumpriu doze anos no templo do Senhor. Que faremos para que ela não chegue a manchar ao santuário?" E disseram ao sumo sacerdote: "Tu que tens o altar a teu cargo, entra e ora por ela, e o que o Senhor te disser, isso será o que haveremos de fazer."
3 E o sumo sacerdote, cingindo-se com o manto das doze sinetas, entrou no "santo dos santos" e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor apareceu, dizendo-lhe: "Zacarias, Zacarias, sai e reúne a todos os viúvos do povoado. Que cada um venha com um bastão, e o daquele em que o Senhor fizer um sinal singular, deste será ela esposa." Saíram os arautos por toda a região da Judéia e, ao soar a trombeta do Senhor, todos acudiram.

Capítulo 9

1 José, deixando de lado sua acha, uniu-se a eles e, uma vez que se juntaram todos, tomaram cada qual seu bastão e puseram-se a caminho à procura do sumo sacerdote. Este tomou todos os bastões, entrou no templo e se pôs a orar. Terminadas as suas preces tomou de novo o... bastões e os entregou, mas em nenhum deles apareceu sinal algum. Porém, ao pegar José o último, eis que uma pomba saiu dele e se pôs a voar sobre sua cabeça. Então o sacerdote disse: "A ti coube a sorte de receber sob tua custódia a Virgem do Senhor."
2 José replicou: "Tenho filhos e sou velho, enquanto que ela é uma menina; não gosta-ria de ser objeto de zombarias por parte dos filhos do Israel." Então tornou o sacerdote: "Teme ao Senhor teu Deus e tem presente o que fez Ele com Datan, Abiron e Corê; de como abriu-se a terra e foram sepultados por sua rebelião. E teme agora tu também, José, para que não aconteça o mesmo à tua casa."
3 E ele, cheio de temor, recebeu-a sob sua proteção. Depois, disse-lhe: "Tomei-te do templo; deixo-te agora em minha casa e vou continuar minhas construções. Logo volta-rei. O Senhor te guardará."

Capítulo 10

1 Os sacerdotes, então, reuniram-se e concordaram em fazer um véu para o templo do Senhor. E o sacerdote disse: "Chama algumas donzelas sem mancha da tribo de Davi." Os ministros se foram, e, depois de terem procurado, encontraram sete virgens. Então o sacerdote lembrou-se de Maria (aquela jovenzinha que, sendo de estirpe davídica, se conservava imaculada aos olhos de Deus) e os emissários a foram buscar.
2 Depois de as terem introduzido no templo, disse o sacerdote: "Vejamos qual há de bordar o ouro, o amianto, o linho, a seda, o zircão, o escarlate e a verdadeira púrpura." E o escarlate e a verdadeira púrpura couberam a Maria que, tomando-as, se foi para casa. Naquela época, Zacarias ficou mudo, sendo substituído por Samuel até quando pôde falar novamente. Maria tomou em suas mãos o escarlate e se pôs a tecê-lo.

Capítulo 11

1 Certo dia pegou Maria um cântaro e foi enchê-lo de água. Mas eis que ouviu uma voz que lhe dizia: "Deus te salve, cheia de graça, o Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres." E ela olhou à sua volta, à direita, à esquerda, para ver de onde vinha aquela voz. E, tremendo, voltou para casa, deixou a ânfora, pegou a púrpura, sentou-se no divã e se pôs a tecê-la.
2 Mas logo um anjo do Senhor apresentou-se diante dela dizendo: "Não temas, Maria, pois alcançaste graça ante o Senhor onipotente e vais conceber por sua palavra." Mas ela, ao ouvi-lo, ficou perplexa e disse consigo mesma: "Deverei eu conceber por virtude de Deus vivo e haverei de dar à luz come as demais mulheres?"
3 Ao que lhe respondeu o anjo: "Não será assim, Maria, pois que a virtude do Senhor te cobrirá com sua sombra; depois, o fruto santo que deverá nascer de ti será chamado Filho do Altíssimo. Chamar-lhe-ás Jesus, pois Ele salvará seu povo de suas iniqüidades." Então, disse Maria: "Eis aqui a escrava do Senhor em sua presença; que isto aconteça a mim conforme sua palavra".

Capítulo 12

1 E, concluído seu trabalho com a púrpura e o escarlate, levou-o ao sacerdote. Este a abençoou dizendo: "Maria, o Senhor enalteceu teu nome e serás bendita entre todas as gerações da terra".
2 Cheia de alegria, Maria foi à casa de sua parenta Isabel. Chamou-a da porta e ao ouvi-la Isabel largou o escarlate, correu para a porta, abriu-a e, ao ver Maria, louvou-a dizendo: "Que fiz eu para que a mãe do meu Senhor venha a minha casa? Pois saiba que o fruto que carrego em meu ventre se pôs a pular dentro de mim, como que para bendizer-te." Mas Maria se havia esquecido dos mistérios que o anjo Gabriel comunicara, e elevou os olhos aos céus e disse: "Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?"
3 E passou três meses em casa de Isabel. E dia a dia seu ventre aumentava e, cheia de temor, pôs-se a caminho de casa e escondia-se dos filhos de Israel. Quando sucederam essas coisas, ela contava dezesseis anos.

Capítulo 13

1 Ao chegar Maria ao sexto mês de gravidez, voltou José de suas construções e, ao entrar em casa, deu-se conta de que ela estava grávida. Então, feriu seu próprio rosto, jogou-se no chão sobre uma manta e chorou amargamente, dizendo: "Como é que me vou apresentar agora diante de meu Senhor? E que oração direi eu agora por esta donzela, pois que a recebi virgem do templo do Senhor e não a soube guardar? Será que a história de Adão se repetiu comigo? Assim como no instante em que ele estava glorificando a Deus veio a serpente e, ao encontrar Eva sozinha, a enganou, o mesmo me aconteceu."
2 E, levantando-se, José chamou Maria e lhe disse: "Predileta como eras de Deus, como foste capaz de fazer isso? Acaso te esqueceste do Senhor teu Deus? Como pudeste vilipendiar tua alma, tu que te criaste no santo dos santos e recebeste ali-mento das mãos de um anjo?"
3 E ela chorou amargamente dizendo: "Sou pura e não conheço varão algum." "De onde, pois, provém, replicou José, o que carregas no seio?" Ao que Maria respondeu: "Pelo Senhor, meu Deus, eu juro que não sei" como aconteceu.

Capítulo 14

1 José, então, encheu-se de temor e retirou-se da presença de Maria e pôs-se a pensar sobre o que faria com ela. Dizia consigo próprio: "Se escondo seu erro, contrario a lei do Senhor; se a denuncio ao povo de Israel, temo que o que aconteceu a ela se deva a uma intervenção dos anjos, e venha eu a entregar à morte uma inocente. Como deverei proceder, pois? Manda-la-ei embora às escondidas." E nisto caiu a noite.
2 Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu em sonhos dizendo-lhe: "Não temas por esta donzela, pois o que ela carrega em suas entranhas é o fruto do Espírito Santo. Dará à luz um filho e lhe porás o nome de Jesus, pois que ele há de salvar seu povo dos seus pecados." E, ao despertar, José levantou-se e glorificou a Deus de Israel por haver-lhe concedido tal graça, e continuou guardando Maria.

Capítulo 15

1 Mas, por essa ocasião, veio à casa de José Anás, o escriba, que lhe disse: "Por que não compareceste à nossa reunião?" Respondeu-lhe José: "Estava cansado da caminhada e decidi repousar este primeiro dia." Mas, ao voltar-se, Anás deu-se conta da gravidez de Maria.
2 Então, correu ao sacerdote dizendo-lhe: "Este José, por quem respondes, cometeu uma falta grave." "Que queres dizer com isso?", perguntou o sacerdote. Ao que respondeu Anás: "Pois violou aquela virgem que recebeu do templo de Deus, com fraude de seu casamento e sem manifestá-lo ao povo de Israel." Disse o sacerdote: "E estás certo de que foi José que fez tal coisa?" Replicou Anás: "Envia uma comissão e te certificarás de que a donzela está realmente grávida". Saíram os emissários e a encontraram tal qual havia dito Anás, e por isso a levaram juntamente com José ante o tribunal.
3 E o sacerdote iniciou dizendo: "Maria, como fizeste tal coisa? Que te levou a vilipendiar tua alma e esquecer-te do Senhor teu Deus? Tu que te criaste no santo dos santos, que recebias alimento das mãos de um anjo, que escutaste os hinos e que dançavas na presença de Deus? Como fizeste isso?" E ela se pôs a chorar amarga-mente dizendo: "Juro pelo Senhor meu Deus que estou pura em sua presença e que não conheci varão".
4 Então, o sacerdote dirigiu-se a José dizendo-lhe: "Por que fizeste isso?" Replicou José: "Juro pelo Senhor meu Deus, que me encontro puro com relação a ela." Acrescentou o sacerdote: "Não jures em falso, dize a verdade. Usaste fraudulentamente o matrimônio e não o deste a conhecer ao povo de Israel, e não abaixaste tua cabeça sob a mão poderosa de Deus, por quem sua descendência havia sido bendita." José guardou silêncio.

Capítulo 16

1 "Devolve, pois, continuou o sacerdote, a virgem que recebeste do templo do Senhor." José ficou com os olhos marejados de lágrimas. Mas acrescentou o sacerdote: "Farei com que bebais da água da prova do Senhor e ela vos mostrará, diante de vossos próprios olhos, vossos pecados".
2 E, tomando da água, fez José bebê-la, enviando-o em seguida à montanha; mas voltou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, também enviando-a à montanha; mas ela voltou sã e salva. E toda a cidade encheu-se de admiração ao ver que não havia pecado neles.
3 E replicou o sacerdote: "Posto que o Senhor não declarou vosso pecado, tampouco irei condenar-vos". Então despediu-os. E, tomando Maria, José voltou para casa cheio de alegria e louvando a Deus de Israel.

Capítulo 17

1 E veio uma ordem do imperador Augusto para que se fizesse o censo de todos os habitantes de Belém da Judéia. E disse José: "A meus filhos posso recensear, mas que farei desta donzela? Como vou incluí-la no censo? Como minha esposa? Envergonho-me. Como minha filha? Mas já sabem todos os filhos de Israel que não é! Este é o dia do Senhor, que se faça sua vontade."
2 E, selando sua asna, fez com que Maria se acomodasse sobre ela, enquanto um de seus filhos ia à frente puxando o animal pelo cabresto. José os acompanhava. Quando estavam a três milhas de distância (de Belém), José virou-se para Maria e viu que ela estava triste; e disse consigo mesmo: "Deve ser a gravidez que lhe causa incômodo". Mas, ao voltar-se novamente, encontrou-a sorrindo, e lhe disse: "Maria, que acontece, pois que algumas vezes te vejo sorridente e outras triste?" E ela lhe disse: "E que se apresentam dois povos diante de meus olhos; um que chora e se aflige e outro que se alegra e se regozija."
3 E, ao chegar à metade do caminho, disse Maria a José: "Desça-me, porque o fruto de minhas entranhas luta por vir à luz." E ele ajudou-a a apear da asna, dizendo-lhe: "Aonde poderia eu levar-te para resguardar teu pudor, já que estamos em campo aberto?"

Capítulo 18

1 E, encontrando uma caverna, levou-a para dentro e, havendo deixado os seus filhos com ela, foi buscar uma parteira hebréia na região de Belém.
2 E eu, José, encontrei-me andando, mas não podia avançar; ao levantar meus olhos para o espaço, pareceu-me ver como se o ar estivesse estremecido de assombro; e quando fixei a vista no firmamento, o encontrei estático e os pássaros do céu imóveis; ao dirigir meu olhar à terra, vi um recipiente no solo e uns trabalhadores sentados em atitude de comer, com suas mãos na vasilha. Mas os que pareciam comer, na realidade não mastigavam; e os que estavam em atitude de pegar a comida, tampouco a tiravam do prato; e, finalmente, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam, ao contrário, tinham seus rostos voltados para cima. Também havia umas ovelhas que estavam sendo tangidas, mas não davam um passo (ao contrário, estavam paradas), e o pastor levantou sua destra para bater-lhes (com o cajado), mas parou sua mão no ar. E, ao dirigir meu olhar à corrente do rio, vi como uns cabritinhos punham nela seus focinhos, mas não bebiam. Em uma palavra, todas as coisas estavam afastadas, por uns instantes, de seu curso normal.

Capítulo 19

1 E então uma mulher que descia da montanha me disse: "Aonde vais?" Ao que respondi: "Ando procurando uma parteira hebréia." Ela replicou: "Mas és de Israel?" E respondi: "Sim." "E quem é, acrescentou, a que está dando à luz na caverna?" "E minha esposa", lhe disse eu. Ao que ela replicou: "Então, não é tua mulher?" E eu lhe respondi: "E Maria, a que se criou no templo do Senhor, e ainda que me tivesse sido dada por mulher, não o é, pois que concebeu por virtude do Espírito Santo." E interrogou-lhe (1) a parteira: "Isto é verdade?" José respondeu: "Vem e verás." Então a parteira se pôs a caminho junto com ele.
2 Ao chegar à gruta, pararam, e eis que esta estava sombreada por uma nuvem luminosa. E exclamou a parteira: "Minh'alma foi engrandecida,porque meus olhos viram coisas incríveis, pois que nasceu a salvação para Israel." De repente, a nuvem começou a sair da gruta, e dentro brilhou uma luz tão grande que nossos olhos não podiam resistir. Esta, por um momento, começou a diminuir tanto que deu para ver o menino que estava tomando o peito de sua mãe, Maria. A parteira então deu um grito dizendo: "Grande é para mim o dia de hoje, já que pude ver com meus próprios olhos um novo milagre".
3 E, ao sair a parteira da gruta, veio a seu encontro Salomé. "Salomé, Salomé, exclamou, tenho de te contar uma maravilha nunca vista, e é que uma virgem deu à luz; coisa que, como sabes, não permite a natureza humana." Mas Salomé replicou: "Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei em tal coisa, se não me for dado tocar com os dedos e examinar sua natureza".

Capítulo 20

1 E, havendo entrado a parteira, disse a Maria: "Prepara-te, porque há entre nós uma grande querela em relação a ti." Salomé, pois, introduziu seu dedo em sua natureza, mas, de repente, deu um grito dizendo: "Ai de mim, minha maldade e minha incredulidade é que têm a culpa! Por tentar ao Deus vivo desprende-se de meu corpo minha mão carbonizada."
2 E dobrou os joelhos diante do Senhor, dizendo: "Oh Deus de nossos pais! Lembra-te de mim porque sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó, não faças de mim um exemplo para os filhos de Israel; devolve-me curada, porém, aos pobres, pois que tu sabes, Senhor, que em teu nome exercia minhas curas, recebendo de ti meu salário".
3 E apareceu um anjo do céu, dizendo-lhe: "Salomé, Salomé, Deus escutou-te. Aproxima tua mão do menino, toma-o, e haverá para ti alegria e prazer".
4 E acercou-se Salomé e o tomou, dizendo: "Adorar-te-ei porque nasceste para ser o grande Rei de Israel". Então, de repente, sentiu-se curada e saiu em paz da gruta. Nisso ouviu uma voz que dizia: "Salomé, Salomé, não contes as maravilhas que viste até estar o menino em Jerusalém".
Capítulo 21
1 E José dispôs-se a partir para a Judéia. Por essa ocasião sobreveio um grande tumulto em Belém, pois vieram uns magos dizendo: "Aonde está o recém-nascido Rei dos Judeus, pois vimos sua estrela no Oriente e viemos para adorá-lo?"
2 Herodes, ao ouvir isto, perturbou-se, enviou seus emissários aos magos e convocou os príncipes e os sacerdotes fazendo-lhes esta pergunta: "Que está escrito em relação ao Messias? Aonde ele vai nascer?" E eles responderam: "Em Belém da Judéia, segundo rezam as escrituras". Com isto, despachou-os e interrogou os magos com estas palavras: "Qual o sinal que vistes em relação ao nascimento desse rei?" Responderam-lhe os magos: "Vimos um astro muito grande que brilhava entre as demais estrelas e as eclipsava, fazendo-as desaparecer. Nisto soubemos que a Israel havia nascido um rei, e viemos com a intenção de adorá-lo." Então replicou Herodes: "Ide e buscai-o para que também possa eu ir adorá-lo."
3 Naquele instante aquela estrela, que haviam visto no Oriente, voltou novamente a guiá-los até que chegaram à caverna e pousou sobre a entrada dela. Vieram, então, os magos a ter com o Menino e sua Mãe, Maria, e tiraram oferendas de seus cofres: ouro, incenso e mirra.
4 Mas, avisados por um anjo para que não entrassem na Judéia, voltaram a suas terras por outro caminho.

Capítulo 22

1 Ao dar-se conta Herodes de que havia sido enganado pelos magos, encolerizou-se e enviou seus sicários, dando-lhes a missão de assassinar a todos os meninos de menos de dois anos.
2 E quando chegou até Maria a notícia da matança das crianças, encheu-se de temor e, envolvendo seu filho em fraldas, colocou-o numa manje-doura.
3 E quando Isabel inteirou-se de que também buscavam a seu filho João, pegou-o e levou-o a uma montanha e pôs-se a ver onde o haveria de esconder; mas não havia um lugar bom para isso. E, entre soluços, exclamou em voz alta: "O Montanha de Deus, recebe em teu seio a mãe com seu filho" (pois que não podia subir mais alto).
4 E nesse instante abriu a montanha suas entranhas para recebê-los. Acompanhou-os uma grande luz, pois estava com eles um anjo de Deus para guardá-los.

Capítulo 23

1 Mas Herodes prosseguia na busca de João, e enviou seus emissários a Zacarias para que lhe dissessem: "Aonde escondeste teu filho?" Mas ele respondeu desta maneira: "Eu me ocupo do serviço de Deus e me encontro sempre no templo. Não sei onde está meu filho."
2 Os emissários informaram a Herodes tudo o que se passara, e ele encolerizou-se muito, dizendo consigo mesmo: "Deve ser seu filho que vai reinar em Israel". E enviou um outro recado dizendo-lhe: "Diga-nos a verdade sobre onde está teu filho, porque do contrário bem sabes que teu sangue está sob minhas mãos".
3 Mas Zacarias respondeu: "Serei mártir do Senhor" te atreveres a derramar meu sangue, porque minh'alma será recolhida pelo Senhor ao ser segada uma vida inocente no vestíbulo do santuário." E ao romper da aurora foi assassinado Zacarias, sem que os filhos de Israel se dessem conta desse crime.

Capítulo 24

1 E os sacerdotes se reuniram à hora da saudação; mas Zacarias não saiu a seu encontro, como de costume, para abençoá-los. E se puseram a esperá-lo para o saudar na oração e para glorificar o Altíssimo.
2 Ante sua demora, começaram a ter medo; e, tomando ânimo, um deles entrou e viu ao lado do altar sangue coagulado e ouviu uma voz que dizia: "Zacarias foi morto e não se limpará o seu sangue até que chegue o vingador". E, ao ouvir a voz, encheu-se de temor e saiu para informar os sacerdotes.
3 Estes, tomando coragem, entraram e testemunharam o ocorrido. Então, os frisos do templo rangeram e eles rasgaram suas vestes de alto a baixo. Mas não encontraram seu corpo, somente uma poça de sangue coagulado; e, cheios de temor, saíram para informar a todo o povo que Zacarias havia sido assassinado. E correu a notícia em todas as tribos de Israel, que o choraram e guardaram luto por três dias e três noites.
4 E, concluído esse tempo, reuniram-se os sacerdotes para deliberar sobre quem iriam pôr em seu lugar. Recaiu a sorte sobre Simeão, pois, pelo Espírito Santo, havia sido assegurado de que não veria a morte até que lhe fosse dado contemplar o Messias Encarnado.

Capítulo 25

1 E eu, Tiago, que escrevi esta história, ao levantar-se um grande tumulto em Jerusalém por ocasião da morte de Herodes, retirei-me ao deserto até que cessasse o motim, glorificando ao Senhor meu Deus,que me concedeu a graça e a sabedoria necessárias para compor esta narração.
2 Que a graça esteja com todos aqueles que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, para quem deve ser a glória por todos os séculos dos séculos. Amém. 

Fim