quinta-feira, 16 de abril de 2015

Gênesis e o homem primitivo: o entendimento patrístico Ortodoxo Padre Serafim Rose - parte 2

Exegese patrística

            No que escrevi sobre Adão e Eva, você notará que citei santos Padres que interpretam o texto do Gênesis de um jeito que pode antes ser chamado “literal”. Estou correto em supôr que você gostaria de interpretar o texto mais “alegoricamente”, quando você diz que acreditar na imediata criação de Adão por Deus é “uma concepção muito restrita das Sagradas Escrituras”? Este é um ponto extremamente importante, e estou verdadeiramente espantado de descobrir que “evolucionistas Ortodoxos” absolutamente não sabem como os santos Padres interpretam o livro do Gênesis. Estou certo de que você concordará comigo que não somos livres para interpretar as Santas Escrituras como nos agrada, mas devemos interpretá-las como os santos Padres nos ensinam. Receio que nem todos que falam sobre Gênesis e evolução prestem atenção nesse princípio. Algumas pessoas estão tão preocupadas em combater o Fundamentalismo Protestante que vão a medidas extremas para refutar qualquer um que deseja interpretar o sagrado texto do Gênesis “literalmente”; mas ao assim fazer elas nunca se referem a São Basílio ou outros comentadores do livro do Gênesis, que estabelecem muito claramente os princípios que devemos seguir ao interpretar o texto sagrado. Eu receio que muitos de nós que professamos seguir a tradição patrística sejamos às vezes descuidados, e facilmente caiamos em aceitar nossa própria “sabedoria” no lugar do ensinamento dos santos Padres. Eu firmemente acredito que visão de mundo e filosofia inteiras para um Cristão Ortodoxo podem ser encontradas nos santos Padres; se escutarmos seu ensinamento em vez de pensarmos que somos sábios o suficiente para ensinar os outros a partir de nossa própria “sabedoria”, não nos perderemos.
            E agora eu lhe peço que examine comigo a mais importante e fundamental questão: como os santos Padres nos ensinam a interpretar o livro do Gênesis? Ponhamos de lado nossas preconcepções sobre interpretações “literais” ou “alegóricas”, e vejamos o que os santos Padres nos ensinam sobre ler o texto do Gênesis.

Não podemos fazer melhor do que começar com o próprio São Basílio, que escreveu tão inspiradamente dos Seis Dias da Criação. No Hexaemeron, ele escreve:
Aqueles que não admitem o comum significado das Escrituras dizem que água não é água, mas alguma outra natureza, e eles explicam uma planta e um peixe de acordo com sua opinião. Eles descrevem também a produção de répteis e animais selvagens, modificando-a segundo suas próprias noções, exatamente como os interpretadores de sonhos, que interpretam para seus próprios fins as aparições vistas em seus sonhos. Quando eu ouço grama, eu penso em grama, e da mesma maneira eu entendo tudo como é dito, uma planta, um peixe, um animal selvagem, e um boi. Certamente, não estou envergonhado do Evangelho. (...) Já que Moisés não deixou ditas, como inúteis para nós, coisas de modo nenhum pertinentes a nós, devemos por essa razão acreditar que as palavras do Espírito são de menor valor que a tola sabedoria (daqueles que escreveram sobre o mundo)? Ou devo eu antes dar glória a Ele Que não manteve nossa mente ocupada com futilidades, mas ordenou que todas as coisas fossem escritas para a edificação e orientação de nossas almas? Essa é uma coisa da qual eles me parecem ter estado inconscientes, quem tentou por falsos argumentos e interpretações alegóricas conferir à Escritura uma dignidade de sua própria imaginação. Mas a deles é a atitude de alguém que se considera mais sábio que as revelações do Espírito e introduz suas próprias idéias na pretensão de uma explicação. Portanto, que Ela seja entendida como foi escrita. (Hexaemeron, IX, 1).

            Claramente, São Basílio está nos alertando para guardarmo-nos de “justificar” coisas no Gênesis as quais são difíceis para nosso senso comum entender; é muito fácil para o “esclarecido” homem moderno fazer isso, mesmo se ele é um Cristão Ortodoxo. Tentemos, por isso, ao máximo entender a sagrada Escritura como os Padres a entendem, e não de acordo com nossa “sabedoria” moderna. E não fiquemos satisfeitos com as visões de um santo Padre; examinemos as visões de outros santos Padres também.
            Um dos comentários patrísticos padrão sobre o livro do Gênesis é aquele de Santo Efrém o Sírio. Suas visões são todas as mais importantes para nós, já que ele foi um “Oriental” e conhecia bem a língua hebraica. Modernos eruditos dizem-nos que “Orientais” são dados a interpretações “alegóricas”, e que o livro do Gênesis do mesmo modo deve ser entendido desse jeito. Mas vejamos o que Santo Efrém diz em seu comentário sobre o Gênesis:
Ninguém devia pensar que a Criação de Seis Dias é uma alegoria; é do mesmo modo impermissível dizer que o que parece, segundo o relato, ter sido criado no curso de seis dias, foi criado num único instante, e também que certos nomes apresentados nesse relato ou significam nada, ou significam alguma outra coisa. Pelo contrário, deve-se saber que bem como o céu e a terra os quais foram criados no princípio são de fato o céu e a terra e não alguma outra coisa entendida sob os nomes de céu e terra, assim também tudo o mais do que é dito ser criado e trazido em ordem após a criação de céu e terra não são nomes vazios, mas a própria essência das naturezas criadas corresponde à força desses nomes. (Comentário sobre o Gênesis, cap. I).
            Esses são ainda, é claro, princípios gerais; olhemos agora as muitas aplicações específicas desses princípios por Santo Efrém.
Embora tanto a luz como as nuvens tenham sido criadas no piscar de um olho, ainda tanto o dia quanto a noite do primeiro dia continuaram por 12 horas cada. (Ibid.)
            Novamente:
Quando no piscar de um olho a costela (de Adão) foi tirada e do mesmo modo num instante a carne tomou seu lugar, e a costela descoberta tomou a completa forma e toda a beleza de uma mulher, então Deus levou-a e apresentou-a a Adão. (Ibid.)
            Está bastante claro que Santo Efrém lê o livro do Gênesis “como está escrito”; quando ele ouve “a costela de Adão”, entende “a costela de Adão”, e não entende isso como um modo alegórico de dizer alguma coisa juntamente. Do mesmo modo, ele bem explicitamente entende os Seis Dias da Criação como sendo apenas seis dias, cada um com 24 horas, que ele divide numa “tarde” e “manhã” de 12 horas cada.
            Você escreve: “Desde que Deus criou o tempo, criar algo ‘instantaneamente’ seria um ato contrário a Sua própria decisão e vontade. (...) Quando falamos sobre a criação de estrelas, plantas, animais e homem, não falamos sobre milagres – não falamos sobre as intervenções extraordinárias de Deus na criação, mas sobre o curso ‘natural’ da criação”. Eu me pergunto se você não está substituindo aqui alguma “sabedoria moderna” pelo ensinamento dos santos Padres? O que é o princípio de todas as coisas além de um milagre? Eu já lhe mostrei que São Gregório de Nissa, São Cirilo de Jerusalém, São Gregório o Teólogo, e São João Damasceno (e de fato todos os Padres) ensinam que o primeiro homem Adão apareceu de um jeito diferente da natural geração de todos os outros homens; assim também as primeiras criaturas, segundo o texto sagrado do Gênesis, apareceram de um jeito diferente de todos os seus descendentes: apareceram, não por natural geração, mas pela palavra de Deus. A moderna teoria da evolução nega isso, porque a teoria da evolução foi inventada por descrentes que desejavam negar a ação de Deus na criação e explicar a criação por meios “naturais” sozinhos. Você não vê qual filosofia está por trás da teoria da evolução?
            O que os santos Padres dizem sobre isso? Eu já citei Santo Efrém o Sírio, cujo comentário inteiro do Gênesis descreve como todos os atos criativos de Deus são feitos num instante, ainda que os “Dias” completos da criação durem 24 horas cada. Vejamos agora o que São Basílio o Grande diz sobre os atos criativos de Deus nos Seis Dias. Falando do Terceiro Dia da Criação, São Basílio diz:
A essa fala todos os densos bosques apareceram; todas as árvores brotaram. (...) Do mesmo modo, todos os arbustos ficaram imediatamente cheios de folhas e frondosos; e as assim chamadas plantas de guirlandas (...) tudo veio à existência num momento do tempo, embora não estivessem previamente sobre a terra. (Hexaemeron, V, 6).
            Novamente, ele diz:
“Que a terra traga à luz”. Este breve comando era imediatamente poderosa natureza e um elaborado sistema que trouxe à perfeição mais velozmente que nosso pensamento as incontáveis propriedades das plantas. (Hexaemeron, V, 10).
            Novamente, no Quinto Dia:
O comando veio. Imediatamente rios foram produtivos e lagos pantanosos foram férteis de espécies próprias e naturais para cada. (Hexaemeron, VH, 1).
            Do mesmo modo, São João Crisóstomo, em seu comentário do Gênesis, ensina:
Hoje Deus passa pelas águas e nos mostra que delas, por Sua palavra e comando, procederam criaturas animadas. Qual mente, diga-me, pode entender esse milagre? Qual língua será capaz de merecidamente glorificar o Criador? Ele disse apenas: Que a terra traga à luz – e imediatamente Ele a despertou para carregar fruto. (...) Como da terra Ele disse apenas: Que traga à luz – e lá apareceu uma grande variedade de flores, gramas, e sementes, e tudo ocorreu por sua palavra sozinha; então também aqui Ele disse: Que as águas tragam à luz (...) e subitamente apareceram tantos tipos de coisas rastejantes, uma tal variedade de aves, que é impossível até enumerá-las com palavras. (Homilias sobre o GênesisVII, 3).
            E novamente São Crisóstomo escreve:
Deus tomou uma única costela, é dito: mas como dessa única costela formou Ele uma criatura inteira? Diga-me, como ocorreu a tomada da costela? Como Adão não sentiu essa tomada? Você nada pode dizer sobre isso; isso é conhecido somente por Ele Quem criou. (...) Deus não produziu uma nova criação, mas tomando de uma criação já existente uma certa pequena parte, dessa parte Ele fez uma criatura inteira. Que poder o Altíssimo Artista Deus tem, de produzir dessa pequena parte (uma costela) a composição de tantos membros, fazer tantos órgãos do sentido, e formar um inteiro, perfeito e completo ser. (Homilias sobre o Gênesis, XV, 2-3).
            Se você quiser, posso citar muitas outras passagens dessa obra, mostrando que São João Crisóstomo – não é ele o principal interpretador Ortodoxo da Sagrada Escritura – em todo lugar interpreta o sagrado texto do Gênesis como está escrito, acreditando que foi nada mais que uma real serpente (através de quem o diabo falava) que tentou nossos primeiros pais no Paraíso, que Deus de fato trouxe todos os animais perante Adão para ele nomear, e “os nomes que Adão lhes deu permanecem mesmo até agora”. (Homilia XIV, 5). [Mas de acordo com a doutrina evolucionária, muitos animais estavam extintos pelo tempo de Adão – devemos então acreditar que Adão não nomeou “todas as feras selvagens” (Gn 2, 19) mas somente as restantes delas?] São João Crisóstomo diz, quando falando dos rios do Paraíso:
Talvez um que ame falar a partir de sua própria sabedoria aqui também não vá admitir que os rios sejam de fato rios, nem que as águas sejam precisamente águas, mas vá instilar naqueles que se permitem escutá-los, que aqueles (sob os nomes de rios e águas) representavam alguma outra coisa. Mas eu lhes suplico, não prestemos atenção a essas pessoas, cerremos nossa audição contra elas, e acreditemos na Divina Escritura, e, seguindo o que nela está escrito, esforcemo-nos por preservar em nossas almas sólidos dogmas. (Homilias sobre o Gênesis, XIII, 4).

            Há necessidade de citar mais deste divino Padre? Como São Basílio e Santo Efrém, ele nos adverte:
Não acreditar no que está contido na Divina Escritura, mas introduzir alguma outra coisa de sua própria mente – isso, eu creio, sujeita aqueles que arriscam uma tal coisa a grande perigo. (Homilias sobre o Gênesis, XIII, 3).
           
Antes de continuar eu vou brevemente responder uma objeção que ouvi daqueles que defendem a evolução: eles dizem que se alguém lê toda a Escritura “como está escrita”, somente vai fazer-se ridículo. Eles dizem que se devemos crer que Adão foi de fato feito do pó, e Eva da costela de Adão, então não devemos crer que Deus tem “mãos”, que Ele “anda” no Paraíso, e tais absurdidades? Uma tal objeção não poderia ser feita por ninguém que tenha lido mesmo um único comentário dos santos Padres sobre o livro do Gênesis. Todos os santos Padres distinguem entre o que é dito sobre a criação, o que deve ser tomado “como está escrito” (a menos que seja uma óbvia metáfora ou outra figura de discurso, como “o sol conhece seu pôr” dos Salmos; mas isso seguramente não precisa ser explicado a ninguém, senão crianças), e o que é dito sobre Deus, o que deve ser entendido, como São João Crisóstomo diz repetidamente, “numa maneira conveniente a Deus”. Por exemplo, São Crisóstomo escreve:
Quando ouvirem, amados, que Deus plantou o Paraíso no Éden no leste, entendam a palavra “plantou” adequadamente a Deus: isto é, que ele comandou; mas concernindo as palavras que seguem, acreditem precisamente que o paraíso foi criado e naquele mesmo lugar onde a Escritura o determinou. (Homilias sobre o Gênesis, XIII, 3).
            São João de Damasco explicitamente descreve as interpretações alegóricas do paraíso como sendo parte de uma heresia, aquela dos Origenianos:
Eles explicam paraíso, céu e tudo mais num sentido alegórico. (Das Heresias, 64).
            Mas o que, então, vamos entender daqueles santos Padres de profunda vida espiritual que interpretam o livro do Gênesis e outras Santas Escrituras num sentido espiritual ou místico? Se nós mesmos não tivéssemos ido tão longe da compreensão patrística da Escritura, isso não apresentaria qualquer problema que fosse para nós. O mesmo texto da Santa Escritura é verdadeiro “como está escrito” e também tem uma interpretação espiritual. Observe o que o grande Padre do deserto, São Macário o Grande, um clarividente santo que levantava os mortos, diz:
Que o Paraíso foi fechado e que um Querubim foi mandado impedir o homem de entrar nele por uma espada flamejante: disso nós cremos que de modo visível foi de fato exatamente como está escrito, e ao mesmo tempo encontramos que isso ocorre misticamente em toda alma. (Sete Homilias, IV, 5).
            Nossos modernos “estudiosos patrísticos”, que se aproximam dos santos Padres não como fontes vivas da tradição mas somente como mortas “fontes acadêmicas”, invariavelmente mal-entendem este muito importante ponto. Qualquer Cristão Ortodoxo que viva na tradição dos santos Padres sabe que quando um santo Padre interpreta uma passagem da Santa Escritura espiritualmente ou alegoricamente, ele não está com isso negando seu significado literal, o qual supõe que o leitor conheça suficientemente para aceitar. Darei um claro exemplo disso.
            O divino Gregório o Teólogo, em sua Homilia sobre a Teofania, escreve concernindo a Árvore do Conhecimento:
A árvore era, segundo minha visão, a Contemplação, na qual é somente seguro àqueles que atingiram a maturidade do hábito entrar. (Homilia sobre a Teofania, XII).
            Essa é uma profunda interpretação espiritual, e eu não sei de nenhuma passagem nos escritos desse Padre onde ele diga explicitamente que essa árvore fosse também uma árvore literal, “como está escrito”. É esta portanto uma “questão aberta”, como nossos eruditos acadêmicos podem nos dizer, se ele completamente “alegorizou” a história de Adão e o Paraíso?
            Decerto, sabemos de outros escritos de São Gregório que ele não alegorizou Adão e o Paraíso. Mas ainda mais importante, temos o direto testemunho de um outro grande Padre concernindo a própria questão de interpretação de São Gregório da Árvore do Conhecimento.
            Mas antes que eu dê esse testemunho, devo estar certo de que você concorda comigo num princípio básico da interpretação dos escritos dos santos Padres. Quando eles estão dando o ensinamento da Igreja, os santos Padres (se ao menos eles são genuínos santos Padres e não meramente escritores eclesiásticos de autoridade incerta) não se contradizem um ao outro, mesmo se para nosso fraco entendimento parece haver contradições entre eles. É o racionalismo acadêmico que põe um Padre contra o outro, traça sua “influência” um no outro, divide-os em “escolas” e “facções”, e acha “contradições” entre eles. Tudo isso é estranho à compreensão Cristã Ortodoxa dos santos Padres. Para nós o ensinamento Ortodoxo dos santos Padres é um único todo, e já que o todo do ensinamento Ortodoxo não está, obviamente, contido em nenhum único Padre (pois todos os Padres são humanos e assim limitados), encontramos partes dele num Padre e outras partes num outro Padre, e um Padre explica o que é obscuro num outro Padre; e não é nem de primária importância para nós quem disse o quê, contanto que seja Ortodoxo e em harmonia com o ensinamento patrístico inteiro. Estou certo de que você concorda comigo neste princípio e de que você não ficará surpreso que agora eu vá apresentar uma interpretação das palavras de São Gregório o Teólogo por um grande santo Padre que viveu mil anos depois dele: São Gregório Palamás, Arcebispo de Tessalônica.
            Contra São Gregório Palamás e os outros Padres hesicastas, que ensinavam a verdadeira doutrina Ortodoxa da “Luz Incriada” de Monte Tabor, levantou-se o racionalista Ocidental Barlaam. Tomando vantagem do fato de que São Máximo o Confessor em uma passagem tinha chamado essa Luz da Transfiguração um “símbolo da teologia”, Barlaam ensinava que essa Luz não era uma manifestação da Divindade, mas somente algo corporal, não “literalmente” Divina Luz, mas somente um “símbolo” disso. Isso levou São Gregório Palamás a fazer uma réplica que ilumina para nós a relação entre a interpretação “simbólica” e “literal” da Santa Escritura, particularmente com relação à passagem de São
Gregório o Teólogo que citei acima. Ele escreve que Barlaam e outros
Não vêem que Máximo, sábio em matérias Divinas, chamou à Luz da Transfiguração do Senhor um símbolo da teologia apenas por analogia e num sentido espiritual. De fato, num teologia que é analógica e disposta a elevar-nos, objetos que têm uma existência deles próprios tornam-se, em fato e em palavras, símbolos por homonímia; é neste sentido que Máximo chama essa Luz de símbolo. (...) Similarmente, Gregório o Teólogo chamou à árvore do conhecimento do bem e do mal contemplação, tendo em sua contemplação a considerado como um símbolo dessa contemplação que tem a intenção de elevar-nos; mas daí não segue que o que esteja envolvido seja uma ilusão ou um símbolo sem existência própria. Pois o divino Máximo também faz Moisés o símbolo do julgamento, e Elias o símbolo da previsão! São eles também então supostos de não ter realmente existido, mas de terem sido inventados simbolicamente? E não poderia Pedro, para um que desejasse elevar-se em contemplação, tornar-se um símbolo da fé, Tiago da esperança, e João do amor? (Defesa dos Santos Hesicastas, tríade II, 3: 21-22)
            Seria possível multiplicar tais citações que mostram o que os santos Padres na verdade ensinavam sobre a interpretação da Santa Escritura, e em particular do livro do Gênesis; mas já apresentei o suficiente para mostrar que o genuíno ensinamento patrístico neste assunto apresenta graves dificuldades para um que queira interpretar o livro do Gênesis de acordo com idéias e “sabedoria” modernas, e de fato a interpretação patrística faz de todo impossível harmonizar o relato do Gênesis com a teoria da evolução, a qual requer uma interpretação inteiramente “alegórica” do texto em muitos lugares onde a interpretação patrística não o permitirá. A doutrina de que Adão foi criado, não do pó, mas por desenvolvimento de alguma outra criatura, é um ensinamento inédito que é inteiramente estranho ao Cristianismo Ortodoxo.
            A esse ponto, o “evolucionista Ortodoxo” deve tentar salvar sua posição (de acreditar tanto na moderna teoria da evolução quanto no ensinamento dos santos Padres) por um de dois caminhos.

A. Ele pode tentar dizer que nós agora sabemos mais que os santos Padres sobre a natureza e, portanto, realmente podemos interpretar o livro do Gênesis melhor que eles. Mas até o “evolucionista Ortodoxo” sabe que o livro do Gênesis não é um tratado científico, mas uma obra Divinamente inspirada de cosmogonia e teologia. A interpretação da Divinamente inspirada Escritura é claramente o trabalho de teólogos comprometidos com Deus, não de cientistas naturais, que ordinariamente não conhecem nem os primeiros princípios de tal interpretação. É verdadeiro que no livro do Gênesis muitos “fatos” da natureza são apresentados. Mas deve ser cuidadosamente notado que esses fatos não são fatos como podemos observar agora, mas um tipo inteiramente especial de fatos: a criação do céu e da terra, de todos os animais e plantas, do primeiro homem. Eu já apontei que os santos Padres ensinam muito claramente que a criação do primeiro homem Adão, por exemplo, é muito diferente da geração dos homens hoje; é somente esta que a ciência pode observar, e acerca da criação de Adão ela oferece apenas especulações filosóficas, não conhecimento científico. De acordo com os santos Padres, é possível para nós saber algo deste mundo criado primeiro, mas esse conhecimento não é acessível à ciência natural. Discutirei essa questão mais além abaixo.


B. Ou novamente, o “evolucionista Ortodoxo”, a fim de preservar a inquestionada interpretação patrística de ao menos alguns dos fatos descritos no Gênesis, pode começar a fazer modificações arbitrárias da própria teoria da evolução, a fim de fazê-la “ajustar-se” ao texto do Gênesis. Assim, um “evolucionista Ortodoxo” pode decidir que a criação do primeiro homem deve ser uma “criação especial” que não se encaixa no padrão geral do resto da criação, e assim ele pode acreditar no relato Escritural da criação de Adão mais ou menos “como está escrito”, enquanto acredita no resto da Criação de Seis Dias de acordo com a “ciência evolucionária”; enquanto um outro “evolucionista Ortodoxo” pode aceitar a “evolução” do próprio homem a partir de criaturas mais baixas, enquanto especifica que Adão, o “homem evoluído primeiro”, apareceu somente em tempos muito recentes (na escala temporal evolucionária de “milhões de anos”), assim preservando pelo menos a realidade histórica de Adão e dos outros Patriarcas, bem como a universalmente mantida opinião patrística (sobre a qual posso falar numa outra carta, se você quiser) de que Adão foi criado cerca de 7500 anos atrás. Estou seguro de que você concordará comigo que tais truques racionalistas são bastante tolos e fúteis. Se o universo “evolui”, como a moderna filosofia ensina, então o homem “evolui” com ele, e devemos aceitar o que quer que a onissapiente “ciência” nos diga acerca da idade do homem; mas se o ensinamento patrístico é correto, é correto a respeito tanto do homem quanto do resto da criação. Se você puder me explicar como alguém pode aceitar a interpretação patrística do livro do Gênesis e ainda acreditar em evolução, ficarei feliz em escutá-lo; mas você também terá que me dar melhor evidência científica para a evolução do que aquela que por enquanto existe, pois, para o observador objetivo e desapaixonado, a “evidência científica” para a evolução é extremamente fraca.

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