sábado, 29 de novembro de 2014

Documentário Mosteiro Valaam - Rússia

Documentário sobre o Mosteiro de Vaalam na Rússia em francês com legendas em inglês.

A ilha de Valaam (russo: Валаам or Валаамский архипелаг), também conhecida historicamente pelo nome finlandês de Valamo, é um arquipélago na porção norte do Lago Ladoga, dentro da República da Carélia, na Federação Russa. A área total das suas mais de 50 ilhas é de 36 km². A maior delas também é chamada de Valaam. É conhecida por ser o local do Mosteiro de Valaam que remonta ao séc. XIV, e por sua beleza natural. No séc. XII, as ilhas formaram parte da República de Novgorod. No séc. XVII, foram capturadas pela Suécia durante o Tempo de Dificuldades, mas a Rússia a reconquistou menos de um século depois. Quando o Grão-Ducado da Finlândia foi estabelecido, no princípio do séc. XIX, como parte integrante do Império Russo, Alexandre I da Rússia fez Valaam parte da Finlândia. Em 1917, Valaam se tornou parte da Finlândia independente, mas foi readquirida pela União Soviética durante a Guerra de Inverno e a Guerra de Continuação.
O nome da ilha vem da palavra ugro-fínica valamo, que quer dizer lugar alto, montanha. O clima e a história natural da ilha são únicos devido à sua posição no lago Ladoga. A primavera começa no começo de março e um verão típico em Valaam consiste em 30-35 dias ensolarados, o que já é mais do que em terra firme. A temperatura média em julho é de 17 °C. O inverno e a neve chegam no começo de dezembro. No começo de fevereiro a estrada de gelo para a cidade mais próxima, Sortavala (42 km) fica transitável. A temperatura média em fevereiro é menos 8 °C.
Mais de 480 espécies de plantas crescem na ilha, muitas das quais cultivadas pelos monges. A ilha é coberta por árvores coníferas, cerca de 65% das quais são pinheiros. A ilha foi visitada repetidamente pelos imperadores Alexandre I, Alexandre II, e outros membros da família imperial. Outros visitantes famosos incluem Tchaikovsky e Dmitri Mendeleiev.
A ilha é permanentemente habitada por monges e famílias. Em 1999, havia cerca de 600 residentes na ilha principal; inclusive pessoal do Exército, trabalhadores de restauração, guias turísticos e monges. Há um jardim da infância, um ginásia de artes e esportes, uma escola e um centro médico. A comunidade de Valaam, no momento, não apresenta qualquer status administrativo.
Durante o verão, a ilha principal pode ser alcançada por barcos de passeio que deixam S. Petersburgo à noite, e chegam na ilha na manhã seguinte.
O presidente da Rússia tem uma dacha em uma das ilhas do arquipélago, mas a sua localização precisa não é oficialmente divulgada.

fonte: Wikipédia

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Entrevista com o Rev. Arcipreste Alexis Peña-Alfaro - parte 2


Arcipreste Alexis 
Nesta segunda parte da Entrevista com o Arcipreste Alexis Peña-Alfaro, ficaremos por dentro de elementos da atualidade da vida da Igreja Ortodoxa em geral através do prisma de um sacerdote ortodoxo e profissional do ensino.

AuroraOrtodoxia: Segundo as informações que dispomos, a Igreja Sérvia realizou uma de suas Assembleias (Sábor) para as Dioceses das Américas do Norte e do Sul nos dias 05-07 de agosto 2014, em Alhambra na Califórnia. Este tipo de evento é muito comum nos E.U.A, país que apesar de não-ortodoxo tem uma grande experiência de encontros pan-ortodoxos e um caráter missionário bem apurado. O que o senhor poderia nos dizer sobre estes encontros. Na sua opinião, o Brasil poderia fazer uso desta mesma experiência?

Arcipreste Alexis: De fato, os Estados Unidos pela sua própria história, foram fundados por colonos ingleses que buscavam liberdade de culto e eles tem uma cultura onde apesar de tudo o trabalho religioso faz parte da sua cultura nacional e da sua vida social.

Devemos lembrar que a presença da Ortodoxia começou com um trabalho missionário de São Germano (Herman) do Alasca, primeiro Santo ortodoxo canonizado nas Américas. A presença ortodoxa nos E.U.A é muito forte e muitas jurisdições canônicas foram estabelecidas no seu território: sérvios, russos, gregos, antioquenos, ucranianos, romenos, búlgaros entre outras. Estas migrações principalmente de fundo econômico e em virtude das duas Grandes Guerras Mundiais que levaram grandes contingentes de ortodoxos a esta terra.

Nos E.U.A existem muitas paróquias, seminários e toda uma estrutura que oferece suporte a Igreja e tem desenvolvido um trabalho firme e sustentável que permitiu um grande crescimento e sobretudo um fenômeno bastante notável, a adesão de grandes contingentes de diversas igrejas protestantes, de católicos, de episcopais, de judeus e até de pessoas não cristãos [budistas, hindus e muçulmanos].

Por outro lado, as Igrejas Ortodoxas têm realizado esforços para unificar o trabalho das várias jurisdições através de órgãos como o SCOBA que é um órgão de consultas das igrejas e de reuniões e trabalhos conjuntos. Ao mesmo tempo, a relação entre as igrejas é muito intensa e estreita, pois com frequência os hierarcas são convidados a participar dos eventos locais com a presença das igrejas irmãs.

Arcipreste Alexis (Peña) em companhia de Arcipreste Rafael (Queiroz)
e outros clérigos no Sábor deste ano em Alhambra

No último Sábor, ao qual tivemos a graça de participar, os convidados de honra foram o Arcebispo Dimitrios do Patriarcado Ecumênico e outro Bispo grego. Portanto, a experiência da Ortodoxia na América é bastante rica nos relacionamentos eclesiásticos, sejam no nível da hierarquia, dos clérigos, dos organismos eclesiais como dos fiéis.


Consideramos que esta experiência pode sim ser bastante estimulante para o nosso trabalho na América do Sul.

AuroraOrtodoxia: Sabemos que o senhor é professor universitário em Instituições de Ensino tanto Católicas como Protestantes, em cadeias como a Patrologia, por exemplo. Como o brasileiro concebe a espiritualidade dos Santos Padres através do prisma cristão ortodoxo?

Arcipreste Alexis: Tive a graça de ser convidado a ministrar algumas disciplinas em escolas de teologia tanto católicas quanto protestantes desde 2005, quando iniciei esta experiência pedagógica e pude enriquecer a minha perspectiva teológica sobre o valor e profundidade da Tradição ortodoxa que se sacia principalmente das fontes patrísticas.

É bastante curioso comprovar que aprende-se muito com isto, não apenas com os conteúdos dos ensinamentos dos Santos Padres da Igreja, mas com a descoberta desta perspectiva para aqueles que não a conhecem ou não aceitam [no caso protestante].

Explico melhor isto. No caso dos católico-romanos iniciei no Seminário Franciscano de Olinda para turmas de seminaristas que se preparavam para o sacerdócio. Entre eles a Patrologia é bastante desconhecida, pouco usada. Considero que a teologia romana quanto a protestante, vivem uma crise de identidade justamente por falta das raízes históricas e espirituais do esquecimento dos ensinamentos dos Santos Padres e da perda da Santa Tradição.

Os ensinamentos dos Santos Padres são vistos em geral como um passado histórico, pois estão, na minha modesta opinião, muito presos a ideia de modernização que tanto seduz os contemporâneos. A perspectiva racionalista retira espaço para espiritualidade e transcendência que encontramos nos sábios ensinamentos que os Santos Padres nos legaram.

Os teólogos modernos caíram na armadilha de serem os “sujeitos” da sua teologia e não aceitam ser ensinados pelos antigos mestres. Outro aspecto grave desta teologia é sua perspectiva historicista e imanentista; ou seja, acreditar num Jesus puramente histórico e humano, onde a fé perde as suas raízes e sua perspectiva transcendente. O resultado é uma crise de fé, perdidos nos diversos caminhos humanistas por causa da troca que fizeram, deixaram a fé e se apoiaram nas ciências humanas.

De outro lado, para os protestantes é difícil aceitar a Tradição, pois esta fora dos seus ensinamentos, a ignoram e desconhecem. Na minha experiência num seminário protestante que me convidou para ensinar a perspectiva ortodoxa, que este grupo em particular reconhece como autêntica e legitima teologia ortodoxa. Pois bem, aqui o desafio é outro, provar que o fundamento patrístico tem como base a Escritura Sagrada. A ênfase é mostrar a fragmentação doutrinal, a insuficiência da escritura e a perspectiva espiritual acima da letra que mata.

Sagrada Liturgia em Aldeia (Recife)
Clérigos brasileiros da Eparquia Ortodoxa do Patriarcado Sérvio

Em ambos os casos, considero que o desafio da Tradição é superado com louvor, pois estes descobrem algo que desconhecem e sobretudo, a comprovação de que os fundamentos da Tradição Ortodoxa são também bíblicos. Portanto, é enriquecedor aprender com as dificuldades deles, entender sua perspectiva, mostrar-lhes os modelos e paradigmas teológicos que eles utilizam e ai descobrem as limitações de seu modo de pensar a teologia, o texto sagrado, e a espiritualidade.

Como resultado sabemos que os Santos Padres fizeram a experiência do Espírito Santo na Igreja e que esta guarda essa experiência com a qual nos aprendemos e nos desenvolvemos para um dia sermos cristão de verdade. Por tudo isto, o valor da Tradição como realidade viva é inestimável. Sou grato a todos eles, católicos e protestantes pela oportunidade que me deram de aprender junto com eles o valor da Tradição e que não somos donos da Verdade, mas suas testemunhas, apenas isso, graças a Deus que nos confiou esta oportunidade.


AuroraOrtodoxia: Fale-nos um pouco sobre suas obras e sobre o projeto das Edições ‘São Tiago d´Alfeu e Santo Estevão, Déspota Sérvio’.

Arcipreste Alexis: O meu primeiro livro foi publicado em 1993, com o título de “Os Seguidores de Baco” pela Editora Mercurio de São Paulo. Trata-se de Dissertação de Mestrado que fiz na UFPB na área de Alcoología em Psicologia Social. Mesmo sendo um trabalho na área da Psicologia a proposta deste trabalho foi investigar o conteúdo religioso do tratamento dos Alcoólicos Anônimos [AA] através da análise do mito de Dionísio que para os gregos era o deus da bebida. A loucura da embriaguez para os gregos era um castigo de Hera e somente foi curada por um rito religioso.

O segundo livro foi a minha Tese de Doutorado, publicado em 2006 realizado na UFPE com estadia na Universitat Pompeu Fabra de Barcelona, na área de Linguística e particularmente da Análise do Discurso no curso de Letras. O título da Tese é “Estratégias de Persuasão da Teologia da Prosperidade da Igreja Universal”, no entanto, o título do livro foi: “Ou dá o Dízimo ou desce ao Inferno” Trata-se de uma análise não teológica mas linguística sobre o uso da linguagem e de como se manipulam as pessoas para conseguir que elas acreditem na prosperidade e nas curas pelas quais gastam muito dinheiro nos cultos da Igreja Universal.

Arcipreste Alexis com Metropolita Amfilohije e outros clérigos
set. 2012 - Recife

O terceiro livro foi escrito em 2007, em parceria com o Pe. Jairo e o Prof. Diego Carrero em comemoração dos 1600 anos do falecimento de São João Crisóstomo e tem como título “Vida e Obra de São João Crisóstomo”. Nele apresentamos uma perspectiva da vida do Santo e um resumo da sua bibliografia. Alguns textos foram comentados, sua interpretação da oração do Pai Nosso, o Sacerdócio, a importância dos Santos Padres da Igreja entre outros artigos.

O quarto livro foi uma tradução da obra Theosis, publicada em 2009, do recém-falecido Arquimandrita Georgios (Kapsanis), Abade do Sagrado Monastério de São Gregoriou de Monte Athos quem me conferiu a benção para traduzir esta obra ao público brasileiro em português [foi usada uma versão espanhola] O tema deste livro é sobre o propósito da vida cristã: a deificação e santificação do cristão. A teologia bizantina aprecia bastante este tema e usa como referencia São Gregório Palamas com sua doutrina das “energias incriadas” que fundamentam toda a possibilidade da graça operar na vida concreta do cristão.

Arc. Alexis Peña-Alfaro, Arc. Vasily Gelevan e Monja Rebeca
Lançamento do livro 'São Savas da Sérvia'
RJ 2012

O quinto livro tem como título: “Cristo o Amigo do Homem” publicado em 2011, e tem como tema uma compreensão dogmática e doutrinal de porque Cristo é amigo da humanidade. A teologia ortodoxa sérvia dá uma ênfase toda especial ao tema do Deus-Homem e explica a relação misericordiosa de Deus pelo homem apesar do pecado e que Deus jamais retira sua amizade. Cristo encarnaria mesmo sem que o homem tivesse pecado, ou seja, a visão jurídica da salvação perde seu sentido legal e ganha uma perspectiva da Filantropia divina. Este trabalho é a primeira parte de uma trilogia dedicada ao tema da Filantropia divina.

O sexto livro “Amigos de Deus”, a segunda parte da trilogia, foi publicado em 2012, e tem como tema um estudo dos personagens bíblicos que conheceram a amizade divina, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Vemos concretamente esta relação de amizade que nos serve de modelo real e efetivo da proposta divina de amizade pelos homens.

O sétimo livro é “O Homem Interior”, a terceira parte da trilogia sobre a amizade divina, Foi concebido durante uma visita no mês de julho de 2013 ao Monte Athos e especificamente no Sagrado Monastério de Simonos Petras. Publicado em dezembro do mesmo ano. Tem como tema uma referência bíblica da Epístola aos Romanos e a I Carta de São Pedro onde se faz menção ao homem interior ou oculto, tal como São Pedro o chama. Ao mesmo, tempo usamos uma interpretação de Orígenes da sua obra “Comentários sobre Gênesis”, onde o autor fala da criação do homem interior como sendo a parte espiritual do homem.

Pe. Sérgio Silva (Igreja Ortodoxa Russa), Presbitéria Maria (esposa Arc. Alexis),
Presbitéria Cláudia Fróes e Arcipreste Alexis
no lançamento do livro 'São Savas da Sérvia', no Pátio Paroquial
Paróquia Ortodoxa Russa Sta. Mártir Zenáide - RJ (2012)

Quanto ao projeto do selo editorial 'São Tiago d´Alfeu e Santo Estevão, Déspota Sérvio' foi uma iniciativa do Metropolita Amfilohije com o objetivo de divulgar a Fé Ortodoxa e oferecer ao público brasileiro o acesso a algumas obras. Nossa primeira iniciativa foi publicar a Vida de São Savas, com tradução da Monja Rebeca, publicado no ano de 2012.

Fiquei como responsável para o Brasil desta iniciativa editorial e os dois últimos livros meus foram publicados com a benção e estímulo do nosso Metropolita o que nos permite dizer que já temos três livros publicados por este sêlo. Confiamos que no futuro possamos realizar outras publicações de maior envergadura e mais importantes para continuar divulgando a Fé Ortodoxa.
 

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Entrevista com o Rev. Arcipreste Alexis Peña-Alfaro - parte 1

Arcipreste Alexis na Catedral de São Savas
Vratchar, Belgrado


A equipe do Blog Aurora Ortodoxia tem a grande honra de entrevistar o Rev. Arcipreste Alexis Peña-Alfaro, Vigário-Geral para o Brasil da Diocese das Américas do Sul e Central do Patriarcado Ortodoxo Sérvio. Casado com Maria, pai de Antônio e Natália, Arcipreste Alexis é psicólogo e professor universitário no nordeste brasileiro. Natural de El Salvador, vive no Brasil desde há muito tempo, dedicando-se ao trabalho missionário e catequético tanto em sua paróquia como em novas missões da Igreja Sérvia espalhadas pela América Latina. Autor de algumas obras, ele coordena igualmente o sêlo editorial das Edições ‘São Tiago d´Alfeu e Santo Estevão, Déspota Sérvio’ da referida Eparquia.



AuroraOrtodoxia: Primeiramente, Arcipreste Alexis, a sua bênção! Muito obrigado por esta oportunidade. Por favor, vamos começar por falar de Nordeste Ortodoxo. Desde quando e como tudo começou nesta região no que concerne a fé ortodoxa?
Arcipreste Alexis: Em primeiro lugar, agradeço a Deus por conhecer a Igreja Ortodoxa e dela fazer parte como fiel e como clérigo, um servo indigno e inútil. Ao mesmo tempo, agradeço também pela oportunidade desta entrevista. Que Deus abençoe o vosso trabalho.

Em relação a presença da Ortodoxia no nordeste brasileiro devemos lembrar que pouco antes do fim do século XIX começou com a imigração de comunidades ortodoxas antioquenas, gregas, russas e ucranianas, mas a Igreja era voltada apenas a estas comunidades, não existia um trabalho missionário para os não ortodoxos, até porque os serviços litúrgicos eram celebrados nas suas línguas de origem, o árabe, o grego, o russo e o ucraniano pelo que dificilmente um brasileiro poderia participar e mais ainda ser um membro efetivo da Igreja. Esta imigração se deu principalmente no sul e sudeste do Brasil.

Arcipreste Alexis
Sagrada Liturgia em Aldeia
Quanto ao nordeste, sabemos que no início do século XX começou um movimento de imigração vinda da Palestina, especialmente de Belém (da Palestina) para o Ceará e Piauí, posteriormente para outros estados e depois Pernambuco. Muitos destes palestinos que aqui chegaram eram ortodoxos e em Recife nunca conseguiram instalar uma Igreja. Assim, a maioria foi se integrando na Igreja Romana, mas também agora a grupos evangélicos. [Somente em Pernambuco existem em torno de oito mil descendentes de árabes palestinos, sírios e libaneses, segundo informações não oficiais de amigos destas comunidades em Recife].

Portanto, pelo menos aqui em Recife não havia até a década de oitenta nenhuma Igreja Ortodoxa. A história da missão ortodoxa brasileira em linhas gerais começou com um grupo de pessoas interessados no estudo das antigas tradições espirituais, as doutrinas orientais sobre cosmologia, metafísica, mitologia e outras disciplinas que compunham o que se denominava de “esoterismo”, o que era na verdade fruto do desencanto para com a falta de sentido e significado do que hoje se denomina de modernidade ou pós-modernidade que vê o mundo apenas como uma realidade puramente materialista.

Com isto, a redescoberta que o a criação era “sagrada” nos deu um caminho para buscar uma tradição espiritual verdadeira. Isto nos conduziu a descobrir a Ortodoxia por meio de um padre ortodoxo português Monsenhor Atanásio, jornalista tradutor de um dos autores que nos utilizávamos nessa época. Depois de uma visita ao Brasil em 1985, articulamos uma visita ao Metropolita Gabriel de Lisboa em Portugal onde conhecemos a Igreja Ortodoxa no Mosteiro de Mafra, em junho de 1986.


Arcipreste Alexis sendo crismado pelo Metropolita Gabriel de bem-aventurada memória
Santo Mosteiro de Mafra - Portugal, 1986

Desta visita resultou a ordenação de dois sacerdotes [Paulo e Alexis] e em agosto de 1986 iniciamos a missão brasileira em Recife e Rio de Janeiro. Posteriormente a Igreja Ortodoxa de Portugal foi recebida pela Igreja Autocéfala da Polônia no ano de 1990. No ano de 1992 foi criada a Diocese do Rio de Janeiro e Olinda-Recife com um prelado local. Durante este período foram criadas diversas missões e foram ordenados presbíteros e diáconos brasileiros.

No entanto, no ano 2000, após uma peregrinação à Terra Santa surgiram diversos problemas nesta diocese brasileira com os prelados o que obrigou aos sacerdotes do nordeste a buscarem outra jurisdição canônica, encontrando abrigo na Igreja Ortodoxa Sérvia nos Estados Unidos, da Diocese do Leste da América, de S.E Dom Mitrofan.

A Diocese de Buenos Aires e América do Sul e Central do Patriarcado Sérvio, a qual pertencemos, foi criada em 2010. Atualmente ela está sob os cuidados do Metropolita Amfilohije de Montenegro e Litoral, Hierarca-Administrador.


Arcipreste Alexis e Sacerdote Jairo
Recife

AuroraOrtodoxia: Sabemos que o senhor tem grande experiência enquanto sacerdote ortodoxo, fale-nos de sua Paróquia. A que Jurisdição Eclesiástica pertence? Onde se localiza? Como se organiza, ora e vive?

Arcipreste Alexis: Sobre a minha experiência na Igreja Ortodoxa, fui ordenando ha mais de 28 anos e se Deus ajudar um dia serei ortodoxo, pois estamos sempre aprendendo e nunca estamos prontos. A Ortodoxia não é uma religião, mas uma forma de vida. Sempre agradeço a Deus que me chamou ao serviço na Igreja, apesar de indigno e inútil e dentro das minhas limitações e pobreza sou muito grato por tudo que a Igreja me deu.

Antes de tudo, a minha jurisdição é da Igreja Ortodoxa Sérvia. No ano de 2010, o Santo Sínodo reunido em Belgrado decidiu criar a Diocese de Buenos Aires e das Américas do Sul e Central cujo Administrador Episcopal é o Metropolita Amfilohije de Montenegro e Litoral, uma das grandes referências atuais da Igreja Servia e filho espiritual de São Justin Popovich, o penúltimo Santo sérvio canonizado.

Sobre a minha Paróquia a Dormição da Mãe de Deus foi fundada com a benção do Bispo Dr. Dom Mitrofan [Bispo anterior] inicialmente em Olinda em 2006 e a partir de janeiro de 2007 em Recife. Em virtude de necessidades missionárias passamos para a cidade, onde o acesso é bem mais facilitado do que em Aldeia (local de nossa primeira paróquia). Aldeia está situada na região metropolitana de Recife, em Camaragibe. Isto dificulta o acesso das pessoas que não tem carro, vindo o fato das dificuldades nos transporte público também influenciar.

Assim, a Paróquia da Dormição da Mãe de Deus é, na pratica, a única Paróquia Ortodoxa na cidade de Recife, por enquanto. Está localizada à Rua do Sossego n° 253, Bairro da Boa Vista. É uma sala alugada num pequeno centro empresarial, adaptada para os serviços de culto, com iconostase de madeira; bastante funcional e atende as necessidades dos serviços.

Os membros participantes, na sua grande maioria, são convertidos brasileiros e alguns poucos frequentadores ortodoxos de origem eslava. O culto é celebrado em português com o uso do Kyrie Eleison e Gospodi Pomilui alternados e fazemos algumas vezes litanias em espanhol. Regularmente temos ofícios de Vésperas aos Sábados e Sagradas Liturgias aos Domingos. Celebram comigo o Arcipreste Rafael (Queiroz) e temos três acólitos: Cipriano, José e Nikolai. Retomamos um trabalho de canto com o coro e temos o ‘Centro de Estudos Ortodoxos São Máximo, o Confessor’, fundado com a benção do então bispo D. Mitrofan. Através deste Centro de Estudos, publicamos alguns livros, lecionamos pequenos cursos e palestras e pretendemos ser um dia um instrumento de divulgação da fé ortodoxa, traduzindo textos e continuando com a publicação de livros. Para isto contamos com um site: www.igrejaortodoxaservia.blogspot.com


AuroraOrtodoxia: O Patriarcado Ortodoxo da Sérvia formou, recentemente, uma Eparquia destinada às Américas do Sul e Central. O senhor, enquanto Vigário para o Brasil podia nos falar um pouco da presença da espiritualidade sérvia por aqui.

Arcipreste Alexis: Sobre a espiritualidade sérvia somente posso dizer que foi a maior benção depois de ter conhecido a Igreja Ortodoxa conhecer a Igreja Sérvia e sua rica espiritualidade. Recém entrado na Igreja Ortodoxa de Portugal meu primeiro, Bispo o Metropolita Dom Gabriel comentou um dia comigo, os melhores teólogos ortodoxos são os sérvios...para quem estava chegando e apenas começando essa informação era irrelevante pois não sabia diferenciar as nuances da teologia ortodoxa em geral, nem sabia quem eram os sérvios no contexto religioso.



Visita Episcopal do Hierarca-Administrador, o Metropolita Amfilohije
à Paróquia de Dormição da Mãe de Deus em Recife
set. 2012

Mas posso dizer hoje com absoluta tranquilidade que a melhor definição para a teologia sérvia seria é “pura poesia e beleza”, um canto profundo a Deus e aqui descobri e aprendi o significado de “Cristo Amigo do Homem”, ideia que me acompanhou desde os primeiros momentos e contatos com o Metropolita Gabriel, a ideia que (todos) conhecemos de um Cristo Encarnado feito homem, mas um homem em tudo diferente. Deus criou o homem para ser seu amigo e esta noção teológica na Igreja Sérvia pude percebê-la e saboreá-la.

Celebrar a uma Liturgia com os Bispos sérvios e estar na Igreja com eles, nos comunica uma presença Crística ao mesmo tempo serena e amistosa, uma confiança que afasta o temor. Aproximemo-nos aos fundamentos da espiritualidade sérvia. Podemos falar em fundamentos? Quais seriam estes? É necessário conhecer primeiro a fundação histórica da Igreja Sérvia, inicialmente dependia canonicamente de Constantinopla e começa com o fundador São Savas no sec. XIII, a história de um príncipe que deixa e abandona este mundo para renunciar a tudo e ser apenas um monge. Seu exemplo leva o velho rei, seu pai, também a abandonar o trono para ser um humilde monge e assim inaugura uma santa dinastia única e singular na cristandade: a família Nemanjitch do rei e pai de São Savas gerou dezesseis santos e inspirou a nação sérvia a servir a Deus como serve até hoje. [ler a Vida de São Savas de São Nikolai Velomirovitch para conhecer melhor os detalhes].

Uma grande linhagem de Santos e Santas iniciou com São Savas. O que não para de gerar santidade, a vida monástica é uma das grandes conquistas do povo sérvio que se dedica a construir monastérios e a enchê-los de monges e monjas ao longo da sua história na Igreja.

A Santa Sérvia possui grandes Monastérios, Hilandar na Santa Montanha do Athos é um modelo exemplar que inspirou tantos e tantos outros ao longo dos séculos, Studenitsa, Tsetinje, O santuário de Ostrog, as terras de Kosovo - seu coração espiritual e sua terra santa.  
a entrevista continua ...

Santo Rei Stefan Detchanski



Rei Stefan Detchanski (1321-1331) é a personalidade mais trágica na Vinha dos regentes Nemanjići. É castigado por seu próprio pai que o torna cego e toma-lhe o poder. Deposto e emprisionado, é por fim assassinado por ordem de seu filho (em Zvecane, 1336), recebendo com razão, o nome de Rei Mártir. Como fruto de ação de graças por ter sido curado de sua cegueira por São Nicolau (de Mira), faz erigir o belíssimo Monastério Visoki Detchani e por isto é chamado Detchanski. Comemorado no calendário da Igreja aos 11 (24) de Novembro, juntamente com o Santo monge Stefan (Urosh IV, filho do Rei Dragutin), que adormece no ano de 1316 (11 Novembro no antigo calendário).

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

PROCISSÃO: um Cortejo Pagão ou a Nova Vida em Cristo?



Poucas realidades no seio da Igreja são tão importantes para compreendermos a nossa caminhada em Cristo como as Santas Procissões. Elas não são algo desvinculado da Santa Liturgia, mas acontecem dentro dela, simbolizando a mais vívida experiência do genuíno povo de Deus.
Para exemplificar, uma das procissões feitas durante a Divina Liturgia diz respeito à entrada dos anjos de Deus no santuário juntamente com os sacerdotes. Ela acontece, curiosamente, enquanto as Bem-aventuranças do Evangelho são solenemente melodiadas, evidenciando assim o acesso propiciado pelo Evangelho de Cristo, devidamente acompanhado de Sua Santa Doutrina, ao altar do santuário celeste, uma entrada triunfal ao Trono da Graça, diante do qual o Cordeiro, de eternidade a eternidade, é oferecido ao Pai pelo Espírito Eterno.
Que privilégio temos nós de participar desta ação litúrgica que, iniciando na eternidade a ela nos conduz em meio à atropelada caminhada da existência!
As procissões, de acordo com a Ortodoxia da Igreja, são portanto uma espécie de oportunidade franqueada a todos indistintamente de caminhar com Cristo em Sua obra redentora. Eis a razão porque nelas somos, ao mesmo tempo, responsáveis e portadores das promessas de vida do Evangelho com todas as bem-aventuranças que isso implica.
Sim! Responsáveis, pois, só participam dignamente de uma procissão aqueles que verdadeiramente se consideram pobres de espírito e por isso choram sua situação, adquirindo assim as virtudes da mansidão, da pureza de coração, da misericórdia, etc, colocando-se assim na caminhada da vida virtuosa, liturgicamente simbolizada pelas procissões da Igreja.
Sobretudo, porém, somos portadores da graça a caminho das promessas do Evangelho aos perseguidos e injuriados por causa da justiça de Deus, à semelhança dos santos profetas, os quais, não mais do que nós, exultaram e se alegraram com o Dia da recompensa quando nos será dado o galardão no Reino dos Céus.
Sem dúvida, as procissões da Igreja não são resquícios das antigas procissões pagãs do mesmo modo como não é o sacrifício de Cristo resquício dos antigos sacrifícios oferecidos pelo paganismo. Tanto quanto o sacrifício do "Cordeiro que tira o pecado do mundo" é o cumprimento escatológico dos sacrifícios da antiga aliança, as procissões da Igreja são a mais pura antecipação histórica daquela plenitude escatológica anelada pelo salmista ao melodiar: "Quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus? Dentro de mim derramo a minha alma, pois eu havia ido com a multidão, fui com eles à casa de Deus, com voz de alegria e louvor, com a multidão que festejava..." e isso não com aquela multidão que festeja, clamando: "Hosana nas alturas! Bendito aquele que vem em nome do Senhor!", mas com a grande multidão de todos os povos, raças, línguas e nações que, no seio da Divina Liturgia da Igreja, canta o Sanctus ('Agios) na qualidade de representantes sobre a terra do coro dos santos e anjos a melodiar: Santo, Santo, Santo é o Senhor...". Eis, uma multidão que constantemente cresce vinda de grande tribulação?
Em verdade, a procissão é uma das mais nítidas evidências de nossa retirada da causticante caminhada da vida e de nossa participação responsável na Pátria Trinitária na qualidade de portadores de Espírito Eterno a caminho da Vida Eterna na Divina Procissão gerada e procedente unicamente do Pai Eterno, a quem seja toda glória, honra e adoração, juntamente com o Seu Filho Unigênito e o bom e vivificante Espírito, agora e sempre, e pelos séculos dos séculos. Amém.

Pe. Jairo
Paróquia São João Crisóstomo
Caruaru - PE

Patriarca Kirill recebe o título de Doutor Honoris Causa da Universidade de Belgrado, Sérvia.

Patriarca Kirill ao lado do Patriarca Irinej e nosso bispo o Metropolita Amphilóquio.

sexta-feira, 14 de novembro de 2014

A Criação e a Queda - Santo Atanásio




Esta pequena obra foi escrita por volta do ano 350 e demonstra o conhecimento exegético de Santo Atanásio sobre a criação e queda do gênero humano.

Em nosso Livro anterior tratamos suficientemente sobre alguns dos principais pontos do culto pagão dos ídolos, e como estes falsos deuses surgiram originalmente. Nós também, pela graça de Deus, indicamos brevemente que o Verbo do Pai é Ele mesmo divino, que todas as coisas que existem devem seu próprio ser à sua vontade e poder e que é através dEle que o Pai dá ordem à criação, por Ele que todas as coisas são movidas e através dEle que recebem o seu ser. Agora, Macário, verdadeiro amante de Cristo, devemos dar um passo a mais na fé de nossa sagrada religião e considerar também como o Verbo se fez homem e surgiu entre nós.

Para tratar destes assuntos é necessário primeiro que nos lembremos do que já foi dito. Deves entender por que o Verbo do Pai, tão grande e tão elevado, se manifestou em forma corporal. Ele não assumiu um corpo como algo condizente com a sua própria natureza, mas, muito ao contrário, na medida em que Ele é Verbo, Ele é sem corpo. Manifestou-se em um corpo humano por esta única razão, por causa do amor e da bondade de seu Pai, pela salvação de nós homens. Começaremos, portanto, com a criação do mundo e com Deus seu Criador, pois o primeiro fato que deves entender é este: a renovação da Criação foi levada a efeito pelo mesmo Verbo que a criou em seu início.

Em relação à criação do Universo e à criação de todas as coisas têm havido uma diversidade de opiniões, e cada pessoa tem proposto a teoria que bem lhe apraz. Por exemplo, alguns dizem que todas as coisas são auto originadas e, por assim dizer, totalmente ao acaso. Entre estes estão os Epicúreos, os quais negam terminantemente que haja alguma Inteligência anterior ao Universo.

Outros fazem seu o ponto de vista expressado por Platão, aquele gigante entre os Gregos. Ele disse que Deus fêz todas as coisas da matéria pré-existente e incriada, assim como o carpinteiro faz as suas obras da madeira que já existe. Mas os que sustentam esta opinião não se dão conta que negar que Deus seja Ele próprio a causa da matéria significa atribuir-Lhe uma limitação, assim como é indubitavelmente uma limitação por parte do carpinteiro que ele não possa fazer nada a não ser que lhe esteja disponível a madeira.

Então, finalmente, temos a teoria dos Gnósticos, que inventaram para si mesmos um Artífice de todas as coisas, outro que não o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Estes simplesmente fecham os seus olhos para o sentido óbvio das Sagradas Escrituras.

Tais são as noções que os homens têm elaborado. Mas pelo divino ensinamento da fé cristã nós sabemos que, pelo fato de haver uma Inteligência anterior ao Universo, este não se originou a si mesmo; por ser Deus infinito, e não finito, o Universo não foi feito de uma matéria pré-existente, mas do nada e da absoluta e total não existência, de onde Deus o trouxe ao ser através do Verbo. Ele diz, neste sentido, no Gênesis:

"No início Deus criou o Céu e a Terra" [Gen. 1,1].

E novamente, através daquele valiosíssimo livro ao qual chamamos "O Pastor":
"Crede primeiro e antes de tudo o mais que há apenas um só Deus o qual criou e ordenou a todas as coisas trazendo-as da não existência ao ser".  

Paulo também indica a mesma coisa quando nos diz:

"Pela fé conhecemos que o mundo foi formado pela Palavra de Deus, de tal modo que as coisas visíveis provieram das coisas invisíveis" [Heb. 11, 3].

Pois Deus é bom, ou antes, Ele é a fonte de toda a bondade, e é impossível por isso que Ele deva algo a alguém. Não devendo a existência a ninguém, Ele criou a todas as coisas do nada mediante seu próprio Verbo, nosso Senhor Jesus Cristo, e de todas as suas criaturas terrenas ele reservou um cuidado especial para a raça humana. A eles que, como animais, eram essencialmente impermanentes, Deus concedeu uma graça de que as demais criaturas estavam privadas, isto é, a marca de sua própria Imagem, uma participação no ser racional do próprio Verbo, de tal modo que, refletindo-O, eles mesmos se tornariam racionais expressando a Inteligência de Deus tanto quanto o próprio Verbo, embora em grau limitado. Deste modo, os homens poderiam continuar para sempre na bem aventurada e única verdadeira vida dos santos no paraíso. Como a vontade do homem poderia, porém, voltar-se para vários caminhos, Deus assegurou-lhes esta graça que lhes havia concedido condicionando-a desde o início a duas coisas. Se eles guardassem a graça e retivessem o amor de sua inocência original, então a vida do paraíso seria sua, sem tristeza, dor ou cuidados, e após ela haveria a certeza da imortalidade no céu. Mas se eles se desviassem do caminho e se tornassem vis, desprezando seu direito natal à beleza, então viriam a cair sob a lei natural da morte e viveriam não mais no paraíso, mas, morrendo fora dele, continuariam na morte e <na corrupção. Isto é o que a Sagrada Escritura nos ensina, ao proclamar a ordem de Deus:

"De todas as árvores que estão no jardim vós certamente comereis, mas da árvore do conhecimento do bem e do mal não havereis de comer, pois certamente havereis de morrer" [Gen. 2].

"Certamente havereis de morrer", isto é, não apenas morrereis, mas permanecereis no estado de morte e corrupção.

Estarás talvez a divagar por que motivo estamos discutindo a origem do homem se nos propusemos a falar sobre o Verbo que se fez homem. O primeiro assunto é de importância para o último por este motivo: foi justamente o nosso lamentável estado que fez com que o Verbo se rebaixasse, foi nossa transgressão que tocou o seu amor por nós. Pois Deus havia feito o homem daquela maneira e havia querido que ele permanecesse na incorrupção. Os homens, porém, tendo voltado da contemplação de Deus para o mal que eles próprios inventaram, caíram inevitavelmente sob a lei da morte. Em vez de permanecerem no estado em que Deus os havia criado, entraram em um processo de uma completa degeneração e a morte os tomou inteiramente sob o seu domínio. Pois a transgressão do mandamento os estava fazendo retornarem ao que eles eram segundo a sua natureza, e assim como no início eles haviam sido trazidos ao ser a partir da não existência, passaram a trilhar, pela degeneração, o caminho de volta para a não existência. A presença e o amor do Verbo os havia chamado ao ser; inevitavelmente, então, quando eles perderam o conhecimento de Deus, juntamente com este eles perderam também a sua existência. Pois é somente Deus que existe, o mal é o não-ser, a negação e a antítese do bem. Pela natureza, de fato, o homem é mortal, já que ele foi feito do nada; mas ele traz também consigo a Semelhança dAquele Que É, e se ele preservar esta Semelhança através da contemplação constante, então sua natureza seria despojada de seu poder e ele permaneceria indegenerescente. De fato, é isto o que vemos escrito no Livro da Sabedoria:

"A observância de Suas Leis é a garantia da imortalidade" [Sab. 6, 18].

E, incorrompido, o homem seria como Deus, conforme o diz a própria Escritura, onde afirma:

"Eu disse: `Sois deuses, e todos filhos do Altíssimo. Mas vós como homens morrereis, caireis como um príncipe qualquer'" [Sal. 81, 6].

Esta, portanto, era a condição do homem. Deus não apenas o havia feito do nada, mas também lhe tinha graciosamente concedido a Sua própria vida pela graça do Verbo. Os homens, porém, voltando-se das coisas eternas para as coisas corruptíveis, pelo conselho do demônio, se tornaram a causa de sua própria degeneração para a morte, porque, conforme dissemos antes, embora eles fossem por natureza sujeitos à corrupção, a graça de sua união com o Verbo os tornava capazes de escapar na lei natural, desde que eles retivessem a beleza da inocência com a qual haviam sido criados. Isto é o mesmo que dizer que a presença do Verbo junto a eles lhes fazia de escudo, protegendo-os até mesmo da degeneração natural, conforme também o diz o Livro da Sabedoria:

"Deus criou o homem para a imortalidade e como uma imagem de sua própria eternidade; mas pela inveja do demônio entrou no mundo a morte" [Sab. 2, 23].

Quando isto aconteceu os homens começaram a morrer e a corrupção correu solta entre eles, tomou poder sobre os mesmos até mais do que seria de se esperar pela natureza, sendo esta a penalidade sobre a qual Deus os havia avisado prevenindo-os acerca da transgressão do mandamento. Na verdade, em seus pecados os homens superaram todos os limites. No início inventaram a maldade; envolvendo-se desta maneira na morte e na corrupção, passaram a caminhar gradualmente de mal a pior, não se detendo em nenhum grau de malícia, mas, como se estivessem dominados por uma insaciável apetite, continuamente inventando novo tipos de pecados. Os adultérios e os roubos se espalharam por todos os lugares, os assassinatos e as rapinas encheram a terra, a lei foi desrespeitada para dar lugar à corrupção e à injustiça, todos os tipos de iniqüidades foram praticados por todos, tanto individualmente como em comum. Cidades fizeram guerra contra cidades, nações se levantaram contra nações, e toda a terra se viu repleta de divisões e lutas, enquanto cada um porfiava em superar o outro em malícia. Até os crimes contrários à natureza não foram desconhecidos, conforme no-lo diz o Apóstolo mártir de Cristo:

"Suas próprias mulheres mudaram o uso natural em outro uso, que é contra a natureza; e os homens também, deixando o uso natural da mulher, arderam nos seus desejos um para com o outro, cometendo atos vergonhosos com o seu próprio sexo, e recebendo em suas próprias pessoas a recompensa devida pela sua perversidade" [Rom. 1, 26-7].

(Fonte: Agnus Dei)