terça-feira, 29 de maio de 2018

Você não está indo melhor.

"Estou indo melhor". Através dos anos eu certamente ouvi isso muitas vezes na confissão. Ouvia também, "Eu não estou indo tão bem". Estas são intuições oportunas, medidas pessoais e informações sobre o estado da vida espiritual. E isso está errado.

Você não está indo melhor. Você não está indo pior.

Na verdade, nós não sabemos como estamos indo. Somente Deus sabe. Mas, nós internalizamos uma narrativa cultural e feita dessa a história de nossas almas. Esta narrativa é a história do progresso (ou decadência).  Esta é a história que o mundo moderno diz sobre si mesmo e a história pela qual ele justifica frequentemente suas ações. Em nome do progresso nós temos "asfaltado o paraíso e esguido um estacionamento".

Progresso descreve movimento e direção. Presume que o movimento e a direção são bons. Evidentemente, também presume que é possível saber qual a direção mais desejável. No geral nós pensamos que grande riqueza, boas escolhas, grande liberdade, boa saúde, boa educação e tais coisas são cheias de progresso. Quão mais provido dessas coisas, maior nosso progresso.

Na filosofia tudo isso é conhecido como Utilitarismo - classicamente estabelecido como "o maior bem para o maior número". Há também falhas clássicas em tal pensamento. Como mediremos o maior bem? O que constitui o maior número? O prejuízo do menor número justifica o objetivo do maior número? Essas mesmas questões quando aplicadas ao nosso cálculo moral pessoal revela os mesmos problemas. Nossas vidas cristãs não são um projeto moral. Vale a pena pensar nisso muito cuidadosamente. Então vou dizer mais uma vez:

Nossas vidas cristãs não são um projeto moral.

O aprimoramento (ou progresso) de nossas vidas não é o objetivo da vida cristã. Sequer estão no mesmo barco. Nós imaginamos que se falarmos menos mentiras, menos luxuriosos, jejuássemos com mais zelo e engolíssemos nossas palavras raivosas completamente, estaríamos melhores e teríamos "feito progresso". Mas, não é assim.

São Gregório de Nissa disse certa vez, "o homem é lama que Deus comandou ser como um deus". Isso não é a história do progresso. Nós não somos a lama que de alguma forma aperfeiçoou a si mesma alcançando a divindade. Não há nada que a lama possa fazer para ser divina. E se formos honestos conosco, não temos como ser uma lama melhor.

Tenho sido padre por 34 anos (15 como um ortodoxo). No geral as pessoas não melhoram. Muitas pessoas, que começam a disciplina da confissão tornam-se frustrados com a percepção de que confessam o mesmo pecado dia após dia. Frequentemente nos envergonhamos por este fato e tentamos nos desculpar com o padre. "Eu sinto como se não pudesse progredir em nada" não é uma declaração incomum. Eu falo para esses penitentes não esperem fazer progresso. Não digo que não devem resistir ao pecado, apenas que eles descobriram que lutaram consistentemente com as mesmas tentações e terão sucesso e falharam ora mais ora menos ao longo de tempo. É como a vida realmente é.

Então, que lama devemos ser? E quanto as nossas batalhas?

"Eu me unirei a Cristo" é a declaração dos candidatos ao Santo Batismo. Essas são as palavras  da fala da lama ao mais maravilhoso presente possível. O fato de que devemos nos tornar deuses é um presente de Cristo para nós, não nossa conquista. É uma realidade nascida em nossas almas enlameadas no Batismo. E o que nasceu em nós é uma nova criação não é realmente um homem de lama em tudo.

A vida em Cristo não é nada sobre aprimoramento. É mais sobre falha.  Não tem nada haver com aprimoramento.

Nossas santas falhas são descritas repetidamente nas Escrituras:

Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perde-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, acha-la-á. 
(Mateus 16:25)

E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim habite o poder de Cristo.
(II Coríntios 12:9)

De sorte que haja em vós o mesmo sentimento que houve também em Cristo Jesus,
Que, sendo em forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus,
Mas esvaziou-se a si mesmo, tomando a forma de servo, fazendo-se semelhante aos homens;
E, achado na forma de homem, humilhou-se a si mesmo, sendo obediente até à morte, e morte de cruz.
(Filipenses 2:5-8)

Muito mais poderia ser acrescentado. Mas, a motivação desses versos nada tem com aprimoramento, muito menos um aprimoramento moral. O que acontece em nossas vidas espirituais não é o aperfeiçoamento de um melhor "eu". É como uma comparação entre lama e luz. A melhor lama, verdadeiramente excepcional, somente pode ser lama. Nunca se torna "como luz".

Porém, estes versos apontam o caminho a seguir. Ele consiste de derrotas, fraqueza e vazio. A vida espiritual não é um aprimoramento da moral pessoal, mas a descoberta e a vida no verdadeiro eu (o Novo Homem), nascido em nós através de Cristo. Nós perdemos nossa própria moral afim de encontrar o verdadeiro eu. Nós confessamos nossa fraqueza e encontramos a força do Novo Homem. Nós esvaziamos nossa moral pessoal e entendemos que até mesmo seu melhor esforço e desempenho são "madeira, feno, palha," (I Coríntios 3:12).

O Ancião Sofrônio oferece esta máxima: "O caminho para cima é o caminho para baixo". É para as profundezas do nosso vazio moral (e existencial) que nós iremos buscando as alturas da união com Cristo. Isso é, afinal, a prática mais apropriada de confissão.

Confissão é o reconhecimento de minha falha, minha fraqueza e o vazio na presença de Deus (e sua testemunha sacerdotal). o Santo Isaías nos fala:

Mas todos nós somos como o imundo, e todas as nossas justiças como trapo da imundícia; (Isaías 64:6)

Mesmo nossa justiça, nossa melhor e mais bem sucedida performance moral são como inúteis trapos imundos! Se entendermos isso corretamente, reconheceríamos que muitas coisas que temos em mente quando dizermos, "estou progredindo..." são tão vazia e inúteis quanto as coisas que nos envergonhamos.

E é essa vergonha que nos abriria o portão do paraíso. Somente um santo pode encarar o vazio completo deste ponto, mas, todos nós podemos suportar "uma pequena vergonha" (nas palavras do Arquimandrita Zacarias). Pois, é em nossa fraqueza e falhas de nossa vida que nos tornamos "pobres em espírito".

Este mesmo vazio e fraqueza também são o lugar onde descobriremos que nos tornamos generosos e corajosos. A generosidade da moral pessoal é sempre um esforço do rico. Nós lutamos para compartilhar e nos admiramos quando conseguimos. Eu sempre tenho observado uma dinâmica muito diferente quando um pobre ajuda outro. Vejo um pobre dando metade de tudo que ele tem (e mais), como se fosse nada. E isso é extremamente comum. A maior generosidade do mundo está entre os pobres. Eu lembro um bispo anglicano me dizendo, quando ele visitou um vilarejo pobre na Índia, como ele ficou desconcertado em perceber quantas pessoas que não haviam comido nada naquele dia com a intenção de lhe oferecer uma refeição decente. E fazem isso com alegria. Essa mesma generosa alegria muitas vezes permeia as áreas mais pobres do mundo que carregam o resto de nós a tanta pena. Nós devemos ter pena de nós mesmos!

O sacramento da confissão não é um lugar para se tornar melhor ou para informar sobre nosso progresso. É o lugar para se tornar pobre, fraco e vazio e para abraçar a vergonha como uma querida amiga nossa. Pois é somente neste lugar que encontraremos Cristo. Este é o Hades no qual Ele desceu e onde Ele nos espera (para que Ele possa nos erguer).

A sabedoria das orações da Igreja está repleta desse conhecimento. São João Crisóstomo oferece estas palavras de ouro:

Ó Senhor meu Deus, eu sei que não sou digno suficientemente para que entres no meu teto na morada da minha alma, pois tudo está deserto e em ruínas, e Tu não tens em mim um lugar apropriado para por a cabeça. Mas, das Alturas da Tua glória, Te humilhaste, então agora me carregue em minha humildade, Como Te dignaste em entrar numa manjedoura numa caverna, então, digna-Te agora também entrar na manjedoura da minha alma muda e corpo corrupto. Como Tu não te abstivesse de entrar na casa de Simão, o leproso, nem de comer com os pecadores, entra também  na casa da minha pobre alma, toda leprosa e cheia de pecado. Tu não rejeitaste a mulher pecadora que se aventurou a aproximar-se para tocá-lo, assim também tenha piedade de mim, um pecador quando me aproximo. E conceda que eu possa participar do teu Santíssimo Corpo e teu Sangue Precioso.

Amém.

por Padre Stephen Freeman
fonte: https://blogs.ancientfaith.com/glory2godforallthings/2014/12/05/youre-not-better/