Capítulo 1
Dentre as muitas coisas que a mãe perguntou ao seu
filho durante aquele tempo que precedeu a paixão do Senhor, figura a referente
à sua passagem, sobre a qual começou a perguntar-lhe nestes termos: "O
caríssimo filho, rogo à tua Santidade que, quando chegue o momento que minha alma
tenha de sair do corpo, me faças saber com três dias de antecedência; e então
Tu, querido filho, encarrega-te dela na companhia de teus anjos."
Capítulo 2
Ele, de sua parte, acolheu a súplica de sua querida
mãe e disse-lhe: "O habitação e templo de Deus vivo, ó mãe bendita, O
rainha de todos os santos e bendita entre todas as mulheres, como sabes, antes
de me carregares em teu seio guardei-te continuamente e te alimentei com meu
manjar angélico. Como irei abandonar-te depois de me haveres gestado e
alimentado, depois de me haveres levado na fuga ao Egito e haveres sofrido por
mim tantas angústias? Fica sabendo, então, que meus anjos sempre te guardaram e
te seguirão guardando até o momento da tua passagem. Mas, após ter sofrido
pelos homens conforme o que está escrito e depois de haver ressuscitado ao
terceiro dia e subido ao céu ao final dos quarenta dias, quando me vires vir ao
teu encontro na companhia dos anjos e dos arcanjos, dos santos, das virgens e
de meus discípulos, podes estar certa então de que chegou o momento em que tua
alma será separada de teu corpo e transportada por mim ao céu, onde nunca
experimentarás a mínima atribulação ou angústia".
Capítulo 3
Então ela viu-se inundada de gozo e de glória, beijou
os pés de seu filho e abençoou o Criador do céu e da terra, por haver-lhe
destinado semelhante dom através de Jesus Cristo, seu Filho.
Capítulo 4
Durante o segundo ano a partir da Ascensão de Nosso
Senhor Jesus Cristo, a beatíssima Virgem Maria costumava entregar-se assídua e
constantemente à oração de noite e de dia. Na antevéspera de sua morte recebeu
a visita de um anjo do Senhor, o qual saudou-a dizendo: "Deus te salve,
Maria; és cheia de graça; o Senhor é contigo". Ela, por sua vez,
respondeu: "Graças sejam dadas a Deus". Ele tomou novamente a palavra
para dizer-lhe: "Recebe esta palma que te foi prometida pelo Senhor".
Ela, então, transbordante de gozo e de gratidão para com Deus, tomou das mãos
do anjo a palma que lhe havia sido enviada. E o anjo do Senhor disse-lhe:
"Daqui a três dias terá lugar a tua Ascensão". Ao que ela replicou:
"Graças sejam dadas a Deus".
Capítulo 5
Chamou então José de Arimatéia e os outros discípulos
do Senhor. E quando eles estavam reunidos, assim como seus próprios
conhecimentos e mais chegados, anunciou a todos a sua iminente passagem. Depois
a bem-aventurada Maria asseou-se e enfeitou-se como uma rainha e ficou
esperando a chegada do seu Filho, conforme Ele lhe havia prometido. E rogou a
todos os seus parentes que zelassem por ela e lhe proporcionassem (alguma) distração.
Tinha ao seu lado três virgens: Séfora, Abigail e Zael. Mas os discípulos de
Nosso Senhor Jesus Cristo estavam já nessa época dispersos pelo mundo inteiro
para evangelizar o povo de Deus.
Capítulo 6
Naquele momento (era então a hora terceira), enquanto
a rainha Maria estava em seus aposentos, produziram-se grandes trovões, chuvas,
relâmpagos, perturbações e terremotos. O apóstolo e evangelista João foi
transportado de Éfeso; entrou no quarto onde se encontrava a bem-aventurada
Virgem Maria e saudou-a com estas palavras: "Deus te salve, Maria; és
cheia de graça; o Senhor é contigo". Ela por sua vez respondeu:
"Graças sejam dadas a Deus". E, levantando-se, deu um beijo em João.
Depois disse-lhe: "O queridíssimo filho, por que. me abandonaste durante
tanto tempo e não te importaste com o encargo que te deu o teu Mestre com
relação à minha custódia, como te ordenou enquanto estava dependurado na
cruz?" Ele, então, caindo de joelhos, pôs-se a pedir-lhe perdão. E a
bem-aventurada Virgem Maria abençoou-o e beijou-o novamente.
Capítulo 7
E, quando se dispunha a perguntar-lhe de onde vinha e
por que razão se havia apresentado em Jerusalém, eis que (de repente) todos os
discípulos do Senhor, exceto Tomé, o chamado Dídimo, foram levados numa nuvem
até a porta dos aposentos onde estava a bem-aventurada Virgem Maria. Então,
pararam e depois entraram e adoraram a rainha, saudando-a com estas palavras:
"Deus te salve, Maria; és cheia de graça; o Senhor é contigo". Ela então levantou-se, solícita e,
inclinando-se, foi beijando-os e deu graças a Deus.
Eis aqui os nomes dos discípulos do Senhor que foram
levados até lá numa nuvem: João o Evangelista e seu irmão Tiago; Pedro e Paulo;
André, Felipe, Lucas, Barnabé; Bartolomeu e Mateus; Matias, apelidado o Justo;
Simão Cananeu; Judas e seu irmão; Nicodemus e Maximiano e, finalmente, muitos
outros que não é possível contar.
Capítulo 8
Então a bem-aventurada Virgem Maria disse aos seus irmãos:
"A que se deve terem todos vindo a Jerusalém?" Pedro assim respondeu:
"Tu nos perguntas, sendo que era a ti nós deveríamos perguntar? Por mim
tenho certeza que nenhum de nós conhece a razão pela qual apresentamo-nos aqui
tão velozmente. Estava em Antioquia e agora encontro-me aqui".
E todos foram indicando o lugar onde haviam estado
naquele dia, ficando surpreendidos e cheios de admiração por se verem ali
presentes ao escutar tais relatos.
Capítulo 9
A bem-aventurada Virgem Maria disse-lhes: "Antes
de meu filho sofrer a paixão, eu roguei que tanto Ele quanto vós todos
assistísseis a minha morte, e essa graça foi-me outorgada. Por isso sabereis
que amanhã terá lugar a minha passagem. Vigiai e orai comigo para que, quando o
Senhor venha encarregar-se da minha alma, vos encontre velando", Então
empenharam sua palavra de que permaneceriam vigilantes. E passaram toda a noite
em vigília e em adoração, entoando salmos e cantando hinos, acompanhados de
grandes luzes.
Chegando o domingo, e a hora terceira, Cristo desceu
acompanhado de uma multidão de anjos, da mesma maneira que havia descido o
Espírito Santo sobre os apóstolos numa nuvem, e recebeu a alma de sua querida
mãe, E enquanto os anjos entoavam aquela passagem do Cântico dos Cânticos na
qual o Senhor diz: "Como o lírio ente espinhos, assim minha amiga entre as
filhas", sobreveio tal resplendor e um perfume tão suave, que todos os
presentes caíram sobre seus rostos (da mesma maneira que os apóstolos caíram
quando Cristo transfigurou-se na presença deles em Tabor), e durante hora e
meia ninguém foi capaz de levantar-se.
Capítulo 10
No momento, porém, em que o resplendor começou a
afastar-se, iniciou-se a assunção ao céu da alma da bem aventurada virgem Maria
entre salmodias, hinos e os ecos do Cântico dos Cântico. E, quando a nuvem
começou a elevar-se, a terra inteira sofreu um estremecimento e no mesmo
instante todos os habitantes de Jerusalém puderam aperceber-se claramente da
morte da Santa Maria.
Capítulo 11
Mas foi naquele mesmo instante que Satã penetrou no
seu interior, e então os demônios puseram-se a pensar o que fariam com o corpo
de Maria. Apetrecharam-se armas para atear fogo ao cadáver e matar os
apóstolos, pois pensavam que ela havia sido a causa da dispersão de Israel, que
sobreviera pelos seus próprios pecados e pela conspiração dos gentios. Mas
foram atacados de cegueira e vieram a dar com a cabeça contra os muros e entre
si.
Capítulo 12
Então os apóstolos, atraídos pela enorme claridade,
levantaram-se ao compasso da salmodia e iniciou-se a passagem do santo cadáver
do monte de Sião até o vale de Josafá. Porém, ao chegar à metade do caminho,
eis que certo judeu de nome Ruben veio ter com eles, pretendendo jogar o
féretro ao chão, juntamente com o cadáver da bem-aventurada Virgem Maria.
Imediatamente suas mãos tomaram-se secas até o cotovelo, e, por bem ou por mal,
teve de ir até o vale de Josafá chorando e soluçando ao ver que suas mãos se
haviam tomado rígidas e coladas ao féretro e que não era capaz de atraí-las de
novo para junto de si.
Capítulo 13
Depois rogou aos apóstolos que através de suas orações
obtivessem de volta a sua saúde e ele far-se-ia cristão. Então eles puseram-no
de joelhos e rogaram ao Senhor que o libertasse. No mesmo instante, deu-se a
sua cura e ele pôs-se a dar graças a Deus e beijar os pés da Rainha e de todos
os santos e apóstolos. Foi imediatamente batizado naquele lugar e começou a
pregar em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Capítulo 14
Depois os apóstolos depositaram o cadáver no sepulcro
com todas as honras e puseram-se a chorar e a cantar, dado o.excessivo amor e
doçura que sentiam. De imediato viram-se circundados por uma luz celestial e
caíram prostrados, enquanto o santo cadáver era levado aos céus pelas mãos dos
anjos.
Capítulo 15
Então o afortunadíssimo Tomé sentiu-se repentinamente
transportado até o monte das Oliveiras, e, ao ver que o bem-aventurado corpo
dirigia-se aos céus, começou a gritar dizendo: "O santa mãe, mãe bendita,
mãe imaculada, se aos teus olhos encontrei a graça, já que me é dado o
privilégio de contemplar-te, alegra o teu servo, pois estás a caminho do
céu" E no mesmo instante a faixa com que os apóstolos haviam cingido o
corpo santíssimo foi arremessada do alto ao bem-aventurado Tomé, que, ao
recebê-la entre suas mãos, beijou-a e, dando graças a Deus, retomou ao vale de
Josafá.
Capítulo 16
E encontrou todos os apóstolos e uma grande multidão
em atitude de golpear-se os peitos, surpreendidos como estavam pelo resplendor
que haviam visto. E, depois de haverem cumprimentado e dado um beijo de paz
entre si, o bem-aventurado Pedro dirigiu-se a ele nestes termos: "Na
verdade sempre foste teimoso e incrédulo e talvez pela tua incredulidade o
Senhor achou por bem conceder-te a graça de assistires conosco ao enterro da
mãe do Salvador". Ele respondeu golpeando-se o peito: "Eu o sei e
estou firmemente convencido disto; sempre fui um homem perverso e incrédulo;
peço, pois, perdão a todos pela minha contumácia e incredulidade". E todos
puseram-se a orar por ele.
Capítulo 17
O bem-aventurado Tomé perguntou então: "Onde
colocastes o seu corpo?" Eles indicaram o sepulcro com o dedo. Mas ele
replicou: "Não, ali não está esse corpo que é chamado santíssimo". Ao
que replicou o bem-aventurado Pedro: "Numa outra vez já nos negaste
crédito sobre a ressurreição de nosso Mestre e Senhor, se não te fosse dada a
oportunidade de ver e apalpar com teus dedos. Como irás crer agora que o santo
cadáver encontra-se ali"? Ele, por sua vez, insistia dizendo: "Não
está aqui". Então, encolerizados, aproximaram-se do sepulcro, que havia
sido recém-escavado na rocha, e afastaram a pedra; mas não encontraram o
cadáver, fato que os deixou sem saber o que dizerem ao ver-se vencidos pelas
palavras de Tomé.
Capítulo 18
Depois o bem-aventurado Tomé pôs-se a contar-lhes como
se encontrava celebrando a missa na Índia. Estava ainda vestido com os
paramentos sacerdotais, quando, ignorando a palavra de Deus, viu-se
transportado ao monte das Oliveiras e teve a oportunidade de ver o corpo
santíssimo da bem-aventurada virgem Maria que subia ao céu; e rogou-lhe que lhe
outorgasse uma bênção. Ela escutou sua prece e atirou-lhe a faixa com a qual
estava cingida. Então ele mostrou a faixa a todos.
Capítulo 19
Os apóstolos, ao verem a faixa que eles mesmos haviam
colocado, deram glória a Deus e pediram perdão ao bem-aventurado Tomé, movidos
pela bênção que lhe havia sido dada pela bem-aventurada Virgem Maria e pelo
privilégio de ter contemplado seu santíssimo corpo subir aos céus, Então o
bem-aventurado Tomé abençoou-os dizendo: "Sintais que bom e agradável é o
fato de os irmãos poderem viver unidos entre si".
Capítulo 20
E a mesma nuvem que os havia trazido levou cada um de
volta ao seu respectivo lugar, de forma análoga ao que havia acontecido com
Felipe quando batizou o eunuco, como se lê nos Atos dos Apóstolos, e com o
profeta Habacuque, quando levou comida a Daniel, que se encontrava na cova dos
leões, e no mesmo instante retomou à Judéia, De idêntica maneira também os
apóstolos foram rapidamente devolvidos ao lugar onde se encontravam antes para
evangelizar o povo de Deus.
Capítulo 21
E não há nada de estranho que opere tais maravilhas
quem entrou e saiu de uma virgem deixando seu signo em seu seio, quem penetrou
no lugar onde estavam os apóstolos através de portas fechadas, quem fez os
surdos ouvirem, quem ressuscitou os mortos, quem purificou os leprosos, quem
deu visão aos cegos e fez enfim, muitos outros milagres. Não há nenhuma razão
para duvidar desta crença.
Eu sou José, aquele que depositou o corpo do Senhor no
seu sepulcro e O viu ressuscitar; que guardou continuamente seu sacrossanto
templo, a bem-aventurada sempre Virgem Maria, antes e depois da Ascensão do
Senhor; que, finalmente, escreveu no papel e no coração as palavras que saíram
da boca de Deus e o modo como chegaram a realizar-se os acontecimento acima
consignados. E deu a conhecer a todos, judeus ou gentios, o que seus olhos viram
e seus ouvidos ouviram, e não deixará de pregar enquanto viver.
Roguemos insistentemente àquela cuja Assunção é hoje
venerada e honrada por todo o mundo que se lembre de nós nos céus diante de seu piedosíssimo Filho. A quem são devidos louvores e glória pelos séculos dos
séculos. Amém.
Fim
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