quarta-feira, 15 de abril de 2015

Gênesis e o homem primitivo: o entendimento patrístico Ortodoxo Padre Serafim Rose - parte 1

Esta é uma resposta ao Dr. Alexander Kalomiros pelo padre Serafim Rose:


            Finalmente estou escrevendo minha réplica à sua carta sobre evolução.
            A questão da evolução é uma extremamente importante para Cristãos Ortodoxos, pois nela estão envolvidas muitas questões que afetam diretamente nossa doutrina e perspectiva Ortodoxas: o valor relativo de ciência e teologia, de filosofia moderna e ensinamento patrístico; a doutrina do homem (antropologia); nossa atitude frente aos escritos dos santos Padres (nós realmente levamos a sério seus escritos e tentamos viver por eles, ou acreditamos antes de tudo na moderna “sabedoria”, a sabedoria do mundo, e aceitamos o ensinamento dos santos Padres apenas se harmoniza com essa “sabedoria”?); nossa interpretação das Santas Escrituras, e especialmente do livro do Gênesis. No que segue, vou tocar em todos esses assuntos.

Uma definição clara

            Muitas das discussões entre “evolucionistas” e “antievolucionistas” são inúteis, por uma razão básica: usualmente eles não estão argumentando sobre a mesma coisa. Cada um deles significa uma coisa quando ouve a palavra “evolução”, e o outro significa alguma outra coisa; e eles argumentam em vão porque não estão nem mesmo falando sobre a mesma coisa. Portanto, a fim de ser preciso, vou dizer-lhe exatamente o que significo pela palavra “evolução”, que é o significado que ela tem em todos os livros de evolução. Mas primeiro eu devo mostrar-lhe que em sua carta você usou a palavra “evolução” para significar duas coisas inteiramente diferentes, mas você escreve como se fossem a mesma coisa. Você falhou aqui em distinguir entre fato científico e filosofia.

A. Você escreve: “Os primeiros capítulos da Santa Bíblia são nada mais além da história da criação progredindo e sendo completada no tempo. (...) A criação não veio a ser instantaneamente, mas seguiu uma seqüência de aparecimentos, um desenvolvimento em seis ‘dias’ diferentes. Como podemos chamar esse progresso da criação no tempo senão evolução?”.
Eu respondo: tudo que você diz é verdadeiro, e, se você deseja, pode chamar esse processo da criação de “evolução” – mas não é sobre isso a controvérsia acerca da evolução. Todos os livros científicos definem evolução como uma teoria específica concernindo COMO criaturas vieram a ser no tempo: por meio da transformação de um tipo de criatura em outro, “formas complexas sendo derivadas de formas mais simples”, num processo natural levando incontáveis milhões de anos. (Storer, “Zoologia Geral”) Adiante, quando você fala sobre a “fera evoluída” Adão, revela que você acredita nessa teoria científica específica também. Eu espero mostrar-lhe que os santos Padres não acreditavam nessa teoria científica específica, muito embora este certamente não seja o aspecto mais importante da doutrina da evolução, a qual está mais fundamentalmente em erro concernindo à natureza do homem, como vou mostrar abaixo.

B. Você diz: “Nós todos viemos a ser por evolução no tempo. No útero de nossa mãe, cada um de nós foi a princípio um organismo unicelular (...) e finalmente um homem perfeito”. É claro que todo mundo acredita nisso, quer seja um “evolucionista” ou um “antievolucionista”. Mas isso nada tem a ver com a doutrina da evolução que está sendo discutida.

C. Novamente você diz: “Adão foi de qual raça, branco, negro, vermelho ou amarelo? Como nos tornamos tão diferentes uns dos outros quando somos descendentes de um único casal? Não é essa diferenciação do homem em diferentes raças um produto da evolução?”.
Eu respondo de novo: Não, isso não é o que a palavra “evolução” significa! Há muitos e muitos livros na língua inglesa que discutem a questão da evolução de um ponto de vista científico. Talvez você não saiba que muitos cientistas negam o fato da evolução (significando a derivação de todas as criaturas existentes pela transformação de outras criaturas), e muitíssimos cientistas afirmam que é impossível saber pela ciência se a evolução é verdadeira ou não, porque não há qualquer evidência que possa conclusivamente prová-la ou desprová-la. Se você quiser, numa outra carta posso discutir com você a “evidência científica” para a evolução. Eu asseguro-lhe que, se você olhar essa evidência objetivamente, sem qualquer preconcepção sobre o que encontrará nela, você descobrirá que não há uma peça de evidência para a evolução que não possa igualmente ser explicada por uma teoria de “criação especial”. Por favor, esteja muito claro que não estou dizendo que eu possa desprovar a teoria da evolução pela ciência; eu estou apenas dizendo que a teoria da evolução não pode nem ser provada nem desprovada pela ciência. Aqueles cientistas que dizem que a evolução é um “fato” estão na verdade interpretando os fatos científicos de acordo com uma teoria filosófica – aqueles que dizem que a evolução não é um fato estão do mesmo modo interpretando a evidência de acordo com uma diferente teoria filosófica. Por pura ciência sozinha não é possível conclusivamente provar ou desprovar o “fato” da evolução. Você também devia saber que muitos livros têm do mesmo modo sido escritos sobre “as dificuldades da teoria evolucionária”. Se você quiser, ficarei feliz em discutir com você algumas dessas dificuldades, que parecem ser totalmente inexplicáveis se a evolução é um “fato”.

Desenvolvimento, não evolução

            Quero deixar muito claro para você: eu absolutamente não nego o fato de mudança e desenvolvimento na natureza. Que um homem adulto cresce de um embrião; que uma grande árvore cresce de uma pequena bolota; que novas variedades de organismos são desenvolvidas, sejam as “raças” de homem ou diferentes tipos de gatos e cães e árvores frutíferas – mas tudo isso não é evolução: isso é apenas variação dentro de uma espécie ou tipo definido; isso não prova nem mesmo sugere (a não ser que você já acredite nisso por razões não-científicas) que um tipo ou espécie desenvolva em outro e que todas as criaturas presentes sejam o produto de um tal desenvolvimento de um ou poucos organismos primitivos. Eu creio que este seja claramente o ensinamento de São Basílio o Grande no Hexaemeron, como vou agora apontar.

            Na Homilia V, 7 do Hexaemeron, São Basílio escreve:
Que ninguém, portanto, que está vivendo no vício, desespere de si mesmo, sabendo que, como a agricultura muda as propriedades das plantas, assim a diligência da alma na busca da virtude pode triunfar sobre toda sorte de enfermidades.

            Ninguém, “evolucionista” ou “antievolucionista”, negará que as “propriedades” das criaturas podem ser modificadas; mas isso não é prova da evolução a não ser que possa ser mostrado que um tipo ou espécie pode ser modificado em outro, e ainda mais que toda espécie muda em outra numa corrente ininterrupta desde o mais primitivo organismo. Vou mostrar abaixo o que São Basílio diz sobre esse assunto.

            Novamente São Basílio escreve (Hexaemeron, V, 5):
Como então, dizem, a terra produz sementes do tipo particular, quando, após semear grão, freqüentemente colhemos esse trigo negro? Isso não é uma mudança para um outro tipo, mas como se fosse alguma doença e defeito da semente. Isso não deixou de ser trigo, mas foi feito negro por queimação.

            Essa passagem pareceria indicar que São Basílio não acredita numa “mudança para um outro tipo” – mas eu não aceito isso como prova conclusiva, já que desejo saber o que São Basílio realmente ensina, e não minha própria interpretação arbitrária de suas palavras. Tudo que pode realmente ser dito dessa passagem é que São Basílio reconhece algum tipo de uma “mudança” no trigo a qual não é uma “mudança para um outro tipo”. Esse tipo de mudança não é evolução.

            Novamente São Basílio escreve (Hexaemeron, V, 7):
Certos homens já observaram que, se pinheiros são cortados e queimados, eles são mudados em florestas de carvalhos.

            Essa citação realmente não prova nada, e eu a uso apenas porque ela foi usada por outros para mostrar que São Basílio acreditava (1) que um tipo de criatura verdadeiramente modifica num outro (mas eu vou mostrar abaixo o que São Basílio de fato ensina sobre esse assunto); e (2) que São Basílio cometeu erros científicos, já que essa afirmação é inverídica. Aqui devo afirmar uma verdade elementar: a ciência moderna, quando lida com fatos científicos, decerto usualmente sabe mais que os santos Padres, e os santos Padres podem facilmente cometer erros de fatos científicos; não são fatos científicos o que procuramos nos santos Padres, mas verdadeira teologia e a verdadeira filosofia que é baseada na teologia. Ainda assim, neste caso particular acontece que São Basílio está cientificamente correto, porque muitas vezes de fato acontece que numa floresta de pinheiros haja um forte subcrescimento de carvalho (a floresta na qual vivemos, na verdade, é um tipo similar de floresta mista de pinheiro e carvalho), e quando o pinheiro é removido por queimada, o carvalho cresce rapidamente e produz a mudança de uma floresta de pinheiros numa de carvalhos em 10 ou 15 anos. Isso não é evolução, mas um tipo diferente de mudança, e agora vou mostrar que São Basílio não poderia ter acreditado que o pinheiro fosse verdadeiramente transformado ou evoluído num carvalho.



            Vejamos agora o que São Basílio acreditava sobre a “evolução” ou “fixação” das espécies. Ele escreve:
Não há nada mais verdadeiro que isto, que cada planta tem semente ou há nela algum poder gerativo. E isso explica a expressão “segundo sua espécie”. Pois o broto do junco não é produtivo de uma oliveira, mas do junco vem um outro junco; e das sementes brotam plantas relacionadas com as sementes plantadas. Assim, o que foi produzido pela terra em sua primeira geração tem sido preservado até o tempo presente, já que as espécies persistiram através de constante reprodução. (Hexaemeron, V, 2)

            Novamente, São Basílio escreve:
A natureza dos objetos existentes, postos em movimento por um comando, passa através da criação sem mudança, por geração e destruição, preservando a sucessão da espécie através da semelhança até atingir o extremo fim. Gera um cavalo como sucessor de um cavalo, um leão de um leão, e uma águia de uma águia; e continua a preservar cada dos animais por ininterruptas sucessões até a consumação do universo. Nenhuma duração de tempo faz com que as específicas características dos animais sejam corrompidas ou extintas, mas, como se estabelecida recentemente, a natureza, sempre fresca, vai em frente com o tempo. (Hexaemeron, IX, 2)

            Parece bastante claro que São Basílio não acreditava que um tipo de criatura fosse transformado num outro, muito menos que toda criatura agora existente tivesse evoluído de alguma outra criatura, e daí para trás até o mais primitivo organismo. Essa é uma idéia filosófica moderna.
            Devo dizer-lhe que não considero essa questão como sendo de particular importância em si mesma; eu devo discutir abaixo outras questões muito mais importantes. Se fosse realmente um fato científico que um tipo de criatura pudesse ser transformado num outro tipo, eu não teria dificuldade em acreditar nisso, já que Deus pode fazer qualquer coisa, e as transformações e desenvolvimentos que podemos ver agora na natureza (um embrião tornando-se homem, uma bolota tornando-se um carvalho, uma lagarta tornando-se uma borboleta) são tão espantosos que se poderia facilmente acreditar que uma espécie poderia “evoluir” numa outra. Mas não há prova científica conclusiva de que tal coisa tenha alguma vez acontecido, muito menos de que essa seja a lei do universo, e de que tudo vivendo agora derive ultimamente de algum organismo primitivo. Os santos Padres bastante claramente não acreditavam em qualquer teoria dessa – porque a teoria da evolução não foi inventada até os tempos modernos. Ela é um produto da moderna mentalidade Ocidental, e, se você quiser, posso mostrar-lhe mais tarde como essa teoria desenvolveu junto com o curso da filosofia moderna de Descartes em diante, muito antes de ter havido qualquer prova científica para ela. A idéia de evolução é inteiramente ausente do texto do Gênesis, de acordo com o qual cada criatura é gerada “segundo sua espécie”, não “uma mudando em outra”. E os santos Padres, como mostrarei abaixo em detalhes, aceitavam o texto do Gênesis bastante simplesmente, sem ler nele quaisquer “teorias científicas” ou alegorias.
            Agora você entenderá por que eu não aceito suas citações de São Gregório de Nissa sobre a “ascensão da natureza do menor ao perfeito” como uma prova da evolução. Eu acredito, como a sagrada Escritura do Gênesis relata, que houve de fato uma criação ordenada em degraus, mas em lugar nenhum no Gênesis ou nos escritos de São Gregório de Nissa é afirmado que um tipo de criatura foi transformado num outro tipo, e que todas as criaturas vieram a ser dessa maneira! Eu discordo muito de você quando diz: “A criação é descrita no primeiro capítulo do Gênesis exatamente como a ciência moderna a descreve”. Se por “ciência moderna” você significa ciência evolucionária, então eu creio que você está enganado, como indiquei. Você cometeu um erro por assumir que o tipo de desenvolvimento descrito no Gênesis, em São Gregório de Nissa e noutros Padres, é o mesmo que aquele descrito pela teoria da evolução; mas tal coisa não pode ser assumida ou tomada por certa – você deve prová-la, e vou alegremente discutir com você mais tarde a “prova científica a favor ou contra a evolução”, se você quiser. O desenvolvimento da criação de acordo com o plano de Deus é uma coisa; a teoria moderna científica (mas, na verdade, filosófica) que explica aquele desenvolvimento pela transformação de um tipo de criatura em outro, começando por um ou poucos organismos primitivos, é uma coisa muito diferente. Os santos Padres não sustentavam essa teoria moderna; se você puder me mostrar que eles sustentavam tal teoria, ficarei contente em escutá-lo.
            Se, por outro lado, por “ciência moderna” você significar a ciência que não se vincula à teoria filosófica da evolução, eu ainda discordo de você; e vou mostrar abaixo por que acredito, de acordo com os santos Padres, que a ciência moderna não pode atingir absolutamente nenhum conhecimento dos Seis Dias da Criação. Em qualquer caso, é muito arbitrário identificar as camadas geológicas com “períodos da criação”. Há numerosas dificuldades no caminho dessa ingênua correspondência entre Gênesis e ciência. A “ciência moderna” realmente acredita que a grama e as árvores da terra existiram num longo período geológico antes da existência do sol, o qual foi criado somente no Quarto Dia? Creio que você esteja cometendo um sério erro em vincular sua interpretação da Santa Escritura com uma particular teoria científica (absolutamente não um “fato”). Eu creio que nossa interpretação da Santa Escritura não deva ser vinculada a nenhuma teoria científica, nem “evolucionária” nem qualquer outra. Aceitemos antes as Santas Escrituras como os santos Padres nos ensinam (sobre o que escreverei abaixo), e não especulemos sobre o como da criação. A doutrina da evolução é uma moderna especulação sobre o como da criação, e em muitos respeitos contradiz o ensinamento dos santos Padres, como devo mostrar abaixo.
            É claro que eu aceito suas citações de São Gregório de Nissa; eu encontrei outras semelhantes a elas em outros santos Padres. Eu certamente não vou negar que nossa natureza é parcialmente uma natureza animal, nem que estamos vinculados ao todo da criação, que é decerto uma maravilhosa unidade. Mas tudo isso tem nada que seja a ver com a doutrina da evolução, aquela doutrina a qual é definida em todos os livros como a derivação de todas as criaturas presentemente existentes de uma ou mais criaturas primitivas através de um processo da transformação de uma espécie ou tipo em outro.
            Mais além, você devia perceber (e agora começo a aproximar os importantes ensinamentos dos santos Padres sobre esse assunto) que São Gregório de Nissa ele mesmo bastante explicitamente não acreditava em nada como a moderna doutrina da evolução, pois ele ensina que o primeiro homem, Adão, foi de fato criado diretamente por Deus e não foi gerado como todos os outros homens.

Em seu livro Contra Eunomius, ele escreve:
O primeiro homem, e o homem nascido dele, receberam seu ser de um jeito diferente; o último por cópula, o anterior do molde de Cristo, Ele próprio; e ainda, apesar de serem assim acreditados serem dois, eles são inseparáveis na definição de seu ser, e não são considerados como dois seres. (...) A idéia de humanidade em Adão e Abel não varia com a diferença de sua origem, nem a ordem nem a maneira de sua vinda à existência fazendo nenhuma diferença em sua natureza. (Contra Eunomius, I, 34)
           
E novamente:
Aquele que raciocina, e é mortal, e é capaz de pensamento e conhecimento, é chamado homem igualmente no caso de Adão e de Abel, e esse nome da natureza não é alterado nem pelo fato de que Abel passou para a existência por geração, nem pelo fato de que Adão o fez sem geração. (Resposta a Eunomius, Segundo Livro, p. 299 na edição inglesa Eardmans)

            É claro que eu concordo com o ensinamento de Santo Atanásio que você cita, que “o homem criado primeiro foi feito de pó como todos, e a mão que criou Adão então, está criando agora também e sempre aqueles que vêm depois dele”. Como pode alguém negar essa óbvia verdade da contínua atividade criativa de Deus? Mas essa verdade geral absolutamente não contradiz a verdade específica de que o primeiro homem foi feito de um jeito diferente de todos os outros homens, como outros Padres também claramente ensinam. Assim São Cirilo de Jerusalém chama Adão “homem formado primeiro por Deus”, mas Caim “o homem nascido primeiro” (Aulas Catequéticas, II, 7). Novamente ele ensina claramente, discutindo a criação de Adão, que Adão não foi concebido de um outro corpo: “Que, de corpos, corpos devem ser concebidos, mesmo se maravilhoso, é, todavia, possível; mas que o pó da terra deva tornar-se um homem, isso é mais maravilhoso” (Aulas Catequéticas, XII, 30).

 Ainda novamente, o divino Gregório o Teólogo escreve:
Eles que fazem naturezas Geradas e Não-geradas de Deuses equívocos talvez fizessem Adão e Set diferir em natureza, já que o primeiro não nasceu de carne (pois ele foi criado), mas o outro nasceu de Adão e Eva. (Oração das Santas Luzes, XII).

E o mesmo Padre diz ainda mais explicitamente:
O que é de Adão? Não foi ele sozinho a criatura direta de Deus? Sim, você dirá. Foi ele então o único ser humano? De jeito nenhum. E por que, senão porque humanidade não consiste em criação direta? Pois aquilo que é gerado é também humano. (Terceira Oração Teológica, Sobre o Filho, cap. XI).

E São João Damasceno, cuja teologia dá concisamente o ensinamento de todos os Padres anteriores, escreve:
A primordial formação (do homem) é chamada criação e não geração. Pois criação é a formação original às mãos de Deus, enquanto geração é a sucessão de cada outro, feita necessária pela sentença de morte imposta a nós por conta da transgressão. (Da Fé Ortodoxa, II, 30).

E o que é de Eva? Você não acredita que, como a Escritura e os santos Padres ensinam, ela foi feita da costela de Adão e não nasceu de alguma outra criatura? Mas São Cirilo escreve:
Eva foi gerada de Adão, e não concebida de uma mãe, mas como fosse procriada do homem sozinho. (Aulas Catequéticas, XII, 29).

E São João Damasceno, comparando a Santíssima Mãe de Deus com Eva, escreve:
Assim como esta foi formada de Adão sem conexão, assim também aquela deu à luz o novo Adão, que foi dado à luz de acordo com as leis do parto e acima da natureza da geração. (Da Fé Ortodoxa, IV, 14).

            Seria possível citar outros santos Padres sobre esse assunto, mas não o farei a menos que você questione esse ponto. Mas com tudo dessa discussão eu ainda não cheguei às mais importantes questões levantadas pela teoria da evolução, e então agora devo voltar-me para algumas delas.


segunda-feira, 6 de abril de 2015

Para incentivar o jejum, Homilia 7 - São Gregório Palamas



Para incentivar o jejum, Homilia 7

por São Gregório Palamas

1. O mar calmo, radiante e brilhante com uma espumante luz, refletindo a madrugada em sua superfície lisa, é uma visão agradável aos olhos. Mas é muito mais agradável não apenas para admirar, mas para mostrar a Igreja reunida de acordo com a vontade de Deus, livre de perturbações, iluminada misteriosamente pela Luz Divina, agitando-se na luz do amanhecer, com as mãos e os olhos, todos os sentidos e a mente elevada. A Graça do Espírito hoje me concedeu esta visão agradável. Vocês todos estão gastando suas noites e dias juntos aqui no templo de Deus, e por sua presença incessante diante dEle vocês podem ser considerados como árvores celestiais plantadas junto às correntes de água do Espírito. Então ajudarei esses fluxos, tanto quanto eu sou capaz. Como vocês têm oferecido seu dia de orações, além de suas orações matinais, que possamos, na medida em que o tempo permitir, oferecer um sermão vespertino, além desta manhã, para que possamos mostrar-lhe abertamente todos os diferentes tipos de truques que o inimigo da nossa salvação torna não só o nosso jejum, mas também a nossa oração inútil.

2. Irmãos, há outro tipo de má saciedade e embriaguez que não provêm da comida e da bebida, mas da raiva e do ódio para com o próximo, lembrança de erros, e os males que surgem a partir destes. Sobre este assunto Moisés diz em sua canção, " seu vinho é um veneno de serpente, ima violenta peçonha de cobras." (Deut. 32:33). Então o profeta Isaías diz: "embriagai-vos, mas, não com vinho" (Is. 29: 9), e novamente comanda ele, "correis atrás dos vossos negócios" (Isaías 58: 3.). Para aqueles que jejuaram, desta forma, diz ele, falando em nome do Senhor: "Por acaso a esse inclinar de cabeça como um junco, a esse fazer a cama sobre o pano de cinza, acaso é a isso que chamas jejum e dia agradável ao Senhor?" (Isaías 58:5), e," Quando estendeis as vossas mãos para mim, desvio de vós os meus olhos. "(Is. 01:15).

3. Esta é a embriaguez do ódio que mais do que qualquer outra coisa faz com que Deus afaste-Se, e o diabo traga a tentação sobre quem ora e jejua. Ele pede-lhes para lembrar erros, direciona seus pensamentos para abrigar a malícia, e aguça as suas línguas de calúnia. Ele prepara-os para ser como aquele homem que quer o mal a quem David descreve com as palavras, “Tua língua como navalha afiada, rumina o crime, artesão de impostura” (Sl. 51:4), e por quem ele reza a Deus para livra-lo, dizendo: " Senhor, salva-me do homem perverso, defende-me do homem violento; eles planejam o mal em seu coração e a cada dia provocam contendas; afiam a língua como serpentes, sob seus lábios há veneno de víbora"(Sl. 140: 1, 3).

4. Neste tempo de jejum e oração, irmãos, deixemo-nos com todos os nossos corações perdoar qualquer coisa real ou imaginária que temos contra alguém. Que todos nós possamos nos dedicar ao amor, e vamos considerar o outro como um incentivo ao amor e às boas obras, falando em defesa do próximo, tendo bons pensamentos e boa disposição dentro de nós diante de Deus e dos homens. Desta forma o nosso jejum será louvável e irrepreensível, e os nossos pedidos a Deus serão ágil e prontamente recebidos. Clamaremos justamente a Ele como nosso Pai pela graça e podemos corajosamente dizer-lhe: "Pai, perdoa-nos as nossas dívidas, assim como nós perdoamos aos nossos devedores "(Mat. 6:12).

5. Novamente, aquele que esquema contra as nossas almas usa outros meios para tornar a nossa oração e jejum inúteis: a presunção. Porque aquele fariseu foi vaidoso quando ele jejuou e orou, ele foi mandado embora de mãos vazias (Lucas 18: 10-14). Sabemos, no entanto, que as pessoas com corações orgulhosos são impuras e inaceitáveis a Deus, e nós somos bem conscientes de que nós devemos a Deus muitas grandes dívidas e pagamos muito pouco. Por isso, vamos esquecer aquelas coisas que estão para trás como sem valor, e propagar as coisas que para frente (cf. Fil. 3:13). Vamos jejuar e orar com o coração contrito, auto-censura e humildade, para que o nosso jejum, nossa oração regular e nossa presença na Igreja de Deus possam ser puros e agradáveis a Ele.

6. Outro dos métodos do maligno de fazer nosso trabalho em jejum e nossa oração infrutífera é persuadir-nos a realizá-los hipocritamente por uma questão de vaidade e é por isso que o Senhor nos manda no Evangelho, dizendo: "Tu, porém, quando orares, entra no teu quarto e, fechando tua porta, ora a teu Pai que está lá, no segredo; e teu Pai, que vê no segredo, te recompensará" (Mateus 6: 6.).

7. Ele não disse para nos encorajar a nos desculpar de encontros e orações na igreja, porque, nesse caso, o profeta e salmista não teria dito a Ele: "louvar-te-ei no meio da assembleia"(Sl. 22:23), ou," Quero louvar-te entre os povos, Senhor, tocar para ti em meio as nações" (Sl. 57: 10), ou,"Cumprirei meus votos frente àqueles que o temem"(Sl. 22:25). Nem que ele teria dito a nós, "Em coros bendiziam a Deus" (Sl. 68:26), ou, "Entrai, prostrai-vos e inclinai-vos, de joelhos, frente ao Senhor que nos fez "(Sl 95: 6). O Senhor ensina, além de outras, questões maiores, dos quais não há tempo para falar agora, que, se estamos inclinados para orar sozinhos em nossas casas e quartos isso também incentiva a oração a Deus na Igreja, e a oração interior da mente incentiva a oração falada. Se alguém só quer a rezar quando está na Igreja de Deus, e não tem nenhuma preocupação alguma para a oração em casa, na rua ou nos campos, então, mesmo quando ele está presente na Igreja ele não está realmente orando.

8. O salmista demonstra isto porque depois de dizer: "Meu coração está firme, Ó Senhor", acrescenta," quero cantar e louvar, vamos glória minha "(Sl 108: 1). Em outro lugar ele diz: "Quando eu  te recordo no meu leito, passo vigílias meditando em ti" (Sl 63: 6). A Escritura diz: "E, quando jejuardes, não vos mostreis contristados como os hipócritas; porque desfiguram os seus rostos, para que aos homens pareça que jejuam. Em verdade vos digo que já receberam o seu galardão.
Tu, porém, quando jejuares, unge a tua cabeça, e lava o teu rosto, Para não pareceres aos homens que jejuas, mas a teu Pai, que está em secreto; e teu Pai, que vê em secreto, te recompensará publicamente. "(Mt 6: 16-18.).

9. Quão incomparável é o seu amor para com a humanidade! Com estas palavras o Senhor deixa claro para nós a distinção e a decisão que ele vai fazer no futuro julgamento, de modo que a partir de agora podemos lançar mão da melhor escolha e porção. Para aqueles que vivem para vanglória e não para Ele, Ele vai dizer definitivamente, de acordo com Suas palavras do Evangelho: "Você recebeu sua recompensa durante a sua vida", como disse Abraão ao o homem rico no Hades, "Na tua vida recebeste os teus bens" (Lucas 16:25). Aqueles que olham em direção a Ele, pois Ele deverá praticar a virtude, diz, recompensar abertamente, o que significa que aos olhos do mundo inteiro Ele lhes dará em troca a Sua bênção, uma herança, prazer e pura alegria para todo o sempre. Ele quer que ninguém perca isso, e todas as pessoas sejam salvas e cheguem ao pleno conhecimento da verdade (1 Tim. 2: 4), por isso Ele deixa claro Agora, como eu disse antes, a Sua escolha imparcial e inalterável, mostrando que somente aqueles que desprezam a glória que vem dos homens são filhos de Deus.

10. Ele aborda com as mesmas palavras ambas as categorias de pessoas, dizendo: "Teu Pai, que vê em secreto, te recompensará "(Mat. 6:18). Aqueles que são desdenhosos da glória vazia que vem dos homens, Ele os proclamará seus próprios filhos e herdeiros adotados. Os outros Ele vai excluir da adoção de filhos, a não ser que se arrependam. O Senhor diz isso para que pela forma como olhamos para outras pessoas quando nós oramos e jejuamos, o que é de absolutamente nenhum benefício para nós, suportamos o trabalho do jejum e da oração, mas somos privados da recompensa. Ele nos diz para ungir nossas cabeças e lavar nossos rostos, ou seja, não devemos fazer um olhar pálido, nem devemos ter nossas cabeças sujas e secas para que pareçam que estamos sofrendo por muito tempo prolongado jejum e o desprezo por nossos corpos, e estar à procura de elogios de outras pessoas. Os Fariseus agiam assim para manter as aparências, é por isso que eles estavam separados da Igreja de Cristo, e que o Senhor nos proíbe categoricamente para copiá-los.

11. Podemos nos referir à mente metaforicamente como o chefe da alma, já que é a força orientadora da alma, e para o aspecto imaginativo como o seu rosto, pois esta contém o permanente centro de atividade dos sentidos. Por isso é tão bom ungir a cabeça com óleo, quando jejuamos, ou seja, tornar nossas mentes misericordiosas, e lavar os nossos rostos, nossas imaginações, limpando os pensamentos impuros vergonhosos, raiva e todo mal. Tal jejum realizado desta forma expulsa e envergonha todas as más paixões, juntamente com os demônios que são seus fabricantes e guardiões. Ele também inclui aqueles jejuam entre anjos bons, envolvendo esses anjos em torno deles, acostumando-os a ser os seus guardiões e movendo-os para ajuda-los e assisti-los.

12. Na Babilônia uma quarta pessoa foi vista no meio das chamas ao lado desses três jovens, que foram enfeitadas com auto-controle e jejum, mantendo-se ilesos e misteriosamente renovando-lhes (Dan. 3:25). Quando Daniel manteve um longo jejum um anjo veio a ele para instruí-lo a prever o futuro (Dan. 10: 1-21). Em outro momento em que Daniel tinha fechado a boca dos leões por sua oração e jejum (Dan. 6: 16-27), um anjo carregava um profeta através do ar de longe para trazê-lo de alimentos (Bel & Dr. 33-39 LXX). Quando praticamos jejum espiritual e corporal e oramos, nós também teremos o fogo do desejo carnal extinto com a ajuda dos anjos bons, e a raiva será domesticada como um leão. Nós nos tornaremos participantes da comida profética com esperança, fé e visão interior das coisas boas por vir, e vamos ser capazes de pisar serpentes e escorpiões e sobre todo o poder do inimigo.

13. O jejum que não é assim nem realizado desta forma é mais parecido com o anjos maus, sua própria abstenção de comida é acompanhada por raiva, ódio, orgulho e oposição a Deus. Como servos e ajudantes do bem nós somos os seus adversários. "Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue", diz o Apóstolo, "mas contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra os espíritos do mal"(Ef. 6:12). Nós não resistimos a eles apenas pelo jejum, mas usamos o peitoral da justiça para nos proteger o capacete da salvação, obras de misericórdia e o escudo da fé (cf. 1 Ts 5:.. 8, Ef 6: T6). Além disso, a espada do Espírito, que é mais do que suficiente para a defesa, que é, a palavra salvadora de Deus para nós (Ef. 6: 14-17). Por isso, vamos lutar o bom combate (1 Tm. 6:12), manter a  fé, apagar todos os dardos inflamados do maligno (cf Ef. 6:16), e, quando formos proclamados vencedores em tudo, vamos alcançar puros a coroas celestiais e se alegrar eternamente juntamente com os anjos no próprio Cristo, nosso Senhor.

14. A quem pertence toda a glória, poder, honra e adoração, juntamente com Seu Pai sem início e no Espírito Santo, bom e vivificante, agora e sempre e pelos séculos dos séculos. Amém.



RAMOS ETERNOS NA ESTRADA DE JERUSALÉM



Não é sem razão que o tropário da festa hoje celebrada melodia:
Sepultados contigo pelo batismo, ó Cristo nosso Deus,
por tua ressurreição, nos tornamos dignos da vida imortal.
Por isso a ti cantamos em alta voz:
Hosana no mais alto dos céus;
bendito o que vem em nome do Senhor!

Tamanho foco na morte e ressurreição de Cristo pode ser percebido já no início do Evangelho deste Domingo que nos põe à mesa com Lázaro, o ressuscitado, e sua irmã Marta a servir, numa relação de comensalidade, o iminente Senhor ressurreto, sobre o qual Maria, aquela irmã de índole mais monástica derrama o caríssimo perfume, interpretado por Cristo como ensejando a Sua morte redentora em meio à Páscoa da Eterna Ressurreição.
Sim! A morte e a ressurreição de Cristo são o foco inicial de tão precioso evangelho, à semelhança do que cantaria mais tarde a Igreja por entre os tropários do Domingo de Ramos:
Querendo, antes da Tua Paixão, cimentar nossa Fé na comum ressurreição, Tu ressuscitaste Lázaro de entre os mortos, ó Cristo nosso Deus. Eis porque, como as crianças de então, nós levamos os símbolos da vitória e Te cantamos a Ti, vencedor da morte: Hosana no mais alto dos Céus! Bendito Aquele que vem em Nome do Senhor!
Seriam, no entanto, os ramos estendidos à entrada do Rei que se assentou sobre o filho de uma jumenta símbolos de que vitória? Aquela pretendida pela multidão que uma semana depois gritava: Crucifica-o!, perante o tribunal da impiedade? Aquelas vitórias que temos intencionado em nosso egoísmo quando desejamos o triunfo sem cruz, o êxito sem renúncia, a vida eterna sem ascese?
Terminantemente, não! A vitória entoada pelos hinos da festa de Ramos não é igualmente acariciada pelos nossos ideais mais nobres de igualdade, liberdade e fraternidade. A vitória que rezamos é a de Cristo, o vencedor da morte, a vitória da imortalidade sobre todo e qualquer programa de ação transitório e fugaz.
Como nos indica a Madre Maria Donadeo, de fato, «O triunfo de Jesus na cidade santa na véspera da Páscoa é um grande mistério. Contemplando os textos bíblicos, as profecias, os evangelhos, a liturgia sempre descobre neles novas facetas. A entrada de Jesus em Jerusalém é uma teofania, na linha das antigas teofanias do Antigo Testamento. A glória de Deus entra na cidade santa (Ez. 43:4), mas humilhada na humildade do rei manso, do Cordeiro (Jo 1:29), que vem para ser imolado. Com as crianças, os discípulos, as multidões, os povos, todas as criaturas participam desse rito de entronização: as forças angélicas, os elementos cósmicos.»
Sem dúvida, os céus e a terra pressentem a Ressurreição a anunciar-se, bem como o sacrifício que a precederia, enquanto os religiosos de plantão apenas maldiziam os da multidão, apostando na ignorância reinante no meio dela. Eles não conheciam as Escrituras, ao menos não como em sua exegese fria e mórbida.
Os discípulos nem ao menos desconfiaram que as promessas dos profetas naquele Domingo de ramos se cumpriam. Isso ficou desapercebido até mesmos pelos supostos exegetas de então, pois só, à luz da ressurreição e glorificação do Senhor, seria possível fazer conexões tão profundas, muito para além da mera letra das Escrituras.
E assim, no Evangelho de hoje nos deparamos com os pés de Cristo sendo perfumados ao lado daquele que ressuscitara e daquela que O servia. Bendita Maria! Quanta intuição! Que inspiração! Ela contemplara precisamente o que hoje constatamos nesta festividade da Igreja em nossa preparação para a Páscoa da eternidade. Ramos eternos!, foi o que Maria contemplou ao mirar o Corpo de Cristo à mesa. Ramos às mãos daqueles que participariam de Sua ressurreição, fazendo-se co-participantes de Sua missão de serviço.
Por tão glorioso estado de coisas, empunhemos os ramos bentos que recebemos da Igreja neste Domingo como ramos eternos advindos da estrada de Jerusalém, pela qual o Senhor percorreu com Seus santos pés banhados em perfume a fim de que, tantos quantos estamos em Cristo, em comunhão com o Seu corpo ressurreto, continuemos a quaresma da existência em direção à Páscoa da eternidade, quais bons perfumes de Cristo, cujo odor exala vida aos que buscam a imortalidade e morte aos que se limitam a ideais meramente políticos e econômicos.
Abdiquemos de nossos sonhos de igualdade, de nossas utopias de liberdade e de nossa fraternidade hipócrita. Corramos a carreira que nos é proposta, deixando para trás o que para trás fica e seguindo para o alvo pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo, a vida da imortalidade no reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo, agora e sempre, e pelos séculos dos séculos. Amém.

Pe. Jairo
Homilia do Domingo de Ramos
2015
Comemoração dos Santos Nicon, Lídia e Amphilochius.