segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Entrevista com o Rev. Arcipreste Alexis Peña-Alfaro - parte 1

Arcipreste Alexis na Catedral de São Savas
Vratchar, Belgrado


A equipe do Blog Aurora Ortodoxia tem a grande honra de entrevistar o Rev. Arcipreste Alexis Peña-Alfaro, Vigário-Geral para o Brasil da Diocese das Américas do Sul e Central do Patriarcado Ortodoxo Sérvio. Casado com Maria, pai de Antônio e Natália, Arcipreste Alexis é psicólogo e professor universitário no nordeste brasileiro. Natural de El Salvador, vive no Brasil desde há muito tempo, dedicando-se ao trabalho missionário e catequético tanto em sua paróquia como em novas missões da Igreja Sérvia espalhadas pela América Latina. Autor de algumas obras, ele coordena igualmente o sêlo editorial das Edições ‘São Tiago d´Alfeu e Santo Estevão, Déspota Sérvio’ da referida Eparquia.



AuroraOrtodoxia: Primeiramente, Arcipreste Alexis, a sua bênção! Muito obrigado por esta oportunidade. Por favor, vamos começar por falar de Nordeste Ortodoxo. Desde quando e como tudo começou nesta região no que concerne a fé ortodoxa?
Arcipreste Alexis: Em primeiro lugar, agradeço a Deus por conhecer a Igreja Ortodoxa e dela fazer parte como fiel e como clérigo, um servo indigno e inútil. Ao mesmo tempo, agradeço também pela oportunidade desta entrevista. Que Deus abençoe o vosso trabalho.

Em relação a presença da Ortodoxia no nordeste brasileiro devemos lembrar que pouco antes do fim do século XIX começou com a imigração de comunidades ortodoxas antioquenas, gregas, russas e ucranianas, mas a Igreja era voltada apenas a estas comunidades, não existia um trabalho missionário para os não ortodoxos, até porque os serviços litúrgicos eram celebrados nas suas línguas de origem, o árabe, o grego, o russo e o ucraniano pelo que dificilmente um brasileiro poderia participar e mais ainda ser um membro efetivo da Igreja. Esta imigração se deu principalmente no sul e sudeste do Brasil.

Arcipreste Alexis
Sagrada Liturgia em Aldeia
Quanto ao nordeste, sabemos que no início do século XX começou um movimento de imigração vinda da Palestina, especialmente de Belém (da Palestina) para o Ceará e Piauí, posteriormente para outros estados e depois Pernambuco. Muitos destes palestinos que aqui chegaram eram ortodoxos e em Recife nunca conseguiram instalar uma Igreja. Assim, a maioria foi se integrando na Igreja Romana, mas também agora a grupos evangélicos. [Somente em Pernambuco existem em torno de oito mil descendentes de árabes palestinos, sírios e libaneses, segundo informações não oficiais de amigos destas comunidades em Recife].

Portanto, pelo menos aqui em Recife não havia até a década de oitenta nenhuma Igreja Ortodoxa. A história da missão ortodoxa brasileira em linhas gerais começou com um grupo de pessoas interessados no estudo das antigas tradições espirituais, as doutrinas orientais sobre cosmologia, metafísica, mitologia e outras disciplinas que compunham o que se denominava de “esoterismo”, o que era na verdade fruto do desencanto para com a falta de sentido e significado do que hoje se denomina de modernidade ou pós-modernidade que vê o mundo apenas como uma realidade puramente materialista.

Com isto, a redescoberta que o a criação era “sagrada” nos deu um caminho para buscar uma tradição espiritual verdadeira. Isto nos conduziu a descobrir a Ortodoxia por meio de um padre ortodoxo português Monsenhor Atanásio, jornalista tradutor de um dos autores que nos utilizávamos nessa época. Depois de uma visita ao Brasil em 1985, articulamos uma visita ao Metropolita Gabriel de Lisboa em Portugal onde conhecemos a Igreja Ortodoxa no Mosteiro de Mafra, em junho de 1986.


Arcipreste Alexis sendo crismado pelo Metropolita Gabriel de bem-aventurada memória
Santo Mosteiro de Mafra - Portugal, 1986

Desta visita resultou a ordenação de dois sacerdotes [Paulo e Alexis] e em agosto de 1986 iniciamos a missão brasileira em Recife e Rio de Janeiro. Posteriormente a Igreja Ortodoxa de Portugal foi recebida pela Igreja Autocéfala da Polônia no ano de 1990. No ano de 1992 foi criada a Diocese do Rio de Janeiro e Olinda-Recife com um prelado local. Durante este período foram criadas diversas missões e foram ordenados presbíteros e diáconos brasileiros.

No entanto, no ano 2000, após uma peregrinação à Terra Santa surgiram diversos problemas nesta diocese brasileira com os prelados o que obrigou aos sacerdotes do nordeste a buscarem outra jurisdição canônica, encontrando abrigo na Igreja Ortodoxa Sérvia nos Estados Unidos, da Diocese do Leste da América, de S.E Dom Mitrofan.

A Diocese de Buenos Aires e América do Sul e Central do Patriarcado Sérvio, a qual pertencemos, foi criada em 2010. Atualmente ela está sob os cuidados do Metropolita Amfilohije de Montenegro e Litoral, Hierarca-Administrador.


Arcipreste Alexis e Sacerdote Jairo
Recife

AuroraOrtodoxia: Sabemos que o senhor tem grande experiência enquanto sacerdote ortodoxo, fale-nos de sua Paróquia. A que Jurisdição Eclesiástica pertence? Onde se localiza? Como se organiza, ora e vive?

Arcipreste Alexis: Sobre a minha experiência na Igreja Ortodoxa, fui ordenando ha mais de 28 anos e se Deus ajudar um dia serei ortodoxo, pois estamos sempre aprendendo e nunca estamos prontos. A Ortodoxia não é uma religião, mas uma forma de vida. Sempre agradeço a Deus que me chamou ao serviço na Igreja, apesar de indigno e inútil e dentro das minhas limitações e pobreza sou muito grato por tudo que a Igreja me deu.

Antes de tudo, a minha jurisdição é da Igreja Ortodoxa Sérvia. No ano de 2010, o Santo Sínodo reunido em Belgrado decidiu criar a Diocese de Buenos Aires e das Américas do Sul e Central cujo Administrador Episcopal é o Metropolita Amfilohije de Montenegro e Litoral, uma das grandes referências atuais da Igreja Servia e filho espiritual de São Justin Popovich, o penúltimo Santo sérvio canonizado.

Sobre a minha Paróquia a Dormição da Mãe de Deus foi fundada com a benção do Bispo Dr. Dom Mitrofan [Bispo anterior] inicialmente em Olinda em 2006 e a partir de janeiro de 2007 em Recife. Em virtude de necessidades missionárias passamos para a cidade, onde o acesso é bem mais facilitado do que em Aldeia (local de nossa primeira paróquia). Aldeia está situada na região metropolitana de Recife, em Camaragibe. Isto dificulta o acesso das pessoas que não tem carro, vindo o fato das dificuldades nos transporte público também influenciar.

Assim, a Paróquia da Dormição da Mãe de Deus é, na pratica, a única Paróquia Ortodoxa na cidade de Recife, por enquanto. Está localizada à Rua do Sossego n° 253, Bairro da Boa Vista. É uma sala alugada num pequeno centro empresarial, adaptada para os serviços de culto, com iconostase de madeira; bastante funcional e atende as necessidades dos serviços.

Os membros participantes, na sua grande maioria, são convertidos brasileiros e alguns poucos frequentadores ortodoxos de origem eslava. O culto é celebrado em português com o uso do Kyrie Eleison e Gospodi Pomilui alternados e fazemos algumas vezes litanias em espanhol. Regularmente temos ofícios de Vésperas aos Sábados e Sagradas Liturgias aos Domingos. Celebram comigo o Arcipreste Rafael (Queiroz) e temos três acólitos: Cipriano, José e Nikolai. Retomamos um trabalho de canto com o coro e temos o ‘Centro de Estudos Ortodoxos São Máximo, o Confessor’, fundado com a benção do então bispo D. Mitrofan. Através deste Centro de Estudos, publicamos alguns livros, lecionamos pequenos cursos e palestras e pretendemos ser um dia um instrumento de divulgação da fé ortodoxa, traduzindo textos e continuando com a publicação de livros. Para isto contamos com um site: www.igrejaortodoxaservia.blogspot.com


AuroraOrtodoxia: O Patriarcado Ortodoxo da Sérvia formou, recentemente, uma Eparquia destinada às Américas do Sul e Central. O senhor, enquanto Vigário para o Brasil podia nos falar um pouco da presença da espiritualidade sérvia por aqui.

Arcipreste Alexis: Sobre a espiritualidade sérvia somente posso dizer que foi a maior benção depois de ter conhecido a Igreja Ortodoxa conhecer a Igreja Sérvia e sua rica espiritualidade. Recém entrado na Igreja Ortodoxa de Portugal meu primeiro, Bispo o Metropolita Dom Gabriel comentou um dia comigo, os melhores teólogos ortodoxos são os sérvios...para quem estava chegando e apenas começando essa informação era irrelevante pois não sabia diferenciar as nuances da teologia ortodoxa em geral, nem sabia quem eram os sérvios no contexto religioso.



Visita Episcopal do Hierarca-Administrador, o Metropolita Amfilohije
à Paróquia de Dormição da Mãe de Deus em Recife
set. 2012

Mas posso dizer hoje com absoluta tranquilidade que a melhor definição para a teologia sérvia seria é “pura poesia e beleza”, um canto profundo a Deus e aqui descobri e aprendi o significado de “Cristo Amigo do Homem”, ideia que me acompanhou desde os primeiros momentos e contatos com o Metropolita Gabriel, a ideia que (todos) conhecemos de um Cristo Encarnado feito homem, mas um homem em tudo diferente. Deus criou o homem para ser seu amigo e esta noção teológica na Igreja Sérvia pude percebê-la e saboreá-la.

Celebrar a uma Liturgia com os Bispos sérvios e estar na Igreja com eles, nos comunica uma presença Crística ao mesmo tempo serena e amistosa, uma confiança que afasta o temor. Aproximemo-nos aos fundamentos da espiritualidade sérvia. Podemos falar em fundamentos? Quais seriam estes? É necessário conhecer primeiro a fundação histórica da Igreja Sérvia, inicialmente dependia canonicamente de Constantinopla e começa com o fundador São Savas no sec. XIII, a história de um príncipe que deixa e abandona este mundo para renunciar a tudo e ser apenas um monge. Seu exemplo leva o velho rei, seu pai, também a abandonar o trono para ser um humilde monge e assim inaugura uma santa dinastia única e singular na cristandade: a família Nemanjitch do rei e pai de São Savas gerou dezesseis santos e inspirou a nação sérvia a servir a Deus como serve até hoje. [ler a Vida de São Savas de São Nikolai Velomirovitch para conhecer melhor os detalhes].

Uma grande linhagem de Santos e Santas iniciou com São Savas. O que não para de gerar santidade, a vida monástica é uma das grandes conquistas do povo sérvio que se dedica a construir monastérios e a enchê-los de monges e monjas ao longo da sua história na Igreja.

A Santa Sérvia possui grandes Monastérios, Hilandar na Santa Montanha do Athos é um modelo exemplar que inspirou tantos e tantos outros ao longo dos séculos, Studenitsa, Tsetinje, O santuário de Ostrog, as terras de Kosovo - seu coração espiritual e sua terra santa.  
a entrevista continua ...

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