quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Entrevista com o Rev. Arcipreste Alexis Peña-Alfaro - parte 2


Arcipreste Alexis 
Nesta segunda parte da Entrevista com o Arcipreste Alexis Peña-Alfaro, ficaremos por dentro de elementos da atualidade da vida da Igreja Ortodoxa em geral através do prisma de um sacerdote ortodoxo e profissional do ensino.

AuroraOrtodoxia: Segundo as informações que dispomos, a Igreja Sérvia realizou uma de suas Assembleias (Sábor) para as Dioceses das Américas do Norte e do Sul nos dias 05-07 de agosto 2014, em Alhambra na Califórnia. Este tipo de evento é muito comum nos E.U.A, país que apesar de não-ortodoxo tem uma grande experiência de encontros pan-ortodoxos e um caráter missionário bem apurado. O que o senhor poderia nos dizer sobre estes encontros. Na sua opinião, o Brasil poderia fazer uso desta mesma experiência?

Arcipreste Alexis: De fato, os Estados Unidos pela sua própria história, foram fundados por colonos ingleses que buscavam liberdade de culto e eles tem uma cultura onde apesar de tudo o trabalho religioso faz parte da sua cultura nacional e da sua vida social.

Devemos lembrar que a presença da Ortodoxia começou com um trabalho missionário de São Germano (Herman) do Alasca, primeiro Santo ortodoxo canonizado nas Américas. A presença ortodoxa nos E.U.A é muito forte e muitas jurisdições canônicas foram estabelecidas no seu território: sérvios, russos, gregos, antioquenos, ucranianos, romenos, búlgaros entre outras. Estas migrações principalmente de fundo econômico e em virtude das duas Grandes Guerras Mundiais que levaram grandes contingentes de ortodoxos a esta terra.

Nos E.U.A existem muitas paróquias, seminários e toda uma estrutura que oferece suporte a Igreja e tem desenvolvido um trabalho firme e sustentável que permitiu um grande crescimento e sobretudo um fenômeno bastante notável, a adesão de grandes contingentes de diversas igrejas protestantes, de católicos, de episcopais, de judeus e até de pessoas não cristãos [budistas, hindus e muçulmanos].

Por outro lado, as Igrejas Ortodoxas têm realizado esforços para unificar o trabalho das várias jurisdições através de órgãos como o SCOBA que é um órgão de consultas das igrejas e de reuniões e trabalhos conjuntos. Ao mesmo tempo, a relação entre as igrejas é muito intensa e estreita, pois com frequência os hierarcas são convidados a participar dos eventos locais com a presença das igrejas irmãs.

Arcipreste Alexis (Peña) em companhia de Arcipreste Rafael (Queiroz)
e outros clérigos no Sábor deste ano em Alhambra

No último Sábor, ao qual tivemos a graça de participar, os convidados de honra foram o Arcebispo Dimitrios do Patriarcado Ecumênico e outro Bispo grego. Portanto, a experiência da Ortodoxia na América é bastante rica nos relacionamentos eclesiásticos, sejam no nível da hierarquia, dos clérigos, dos organismos eclesiais como dos fiéis.


Consideramos que esta experiência pode sim ser bastante estimulante para o nosso trabalho na América do Sul.

AuroraOrtodoxia: Sabemos que o senhor é professor universitário em Instituições de Ensino tanto Católicas como Protestantes, em cadeias como a Patrologia, por exemplo. Como o brasileiro concebe a espiritualidade dos Santos Padres através do prisma cristão ortodoxo?

Arcipreste Alexis: Tive a graça de ser convidado a ministrar algumas disciplinas em escolas de teologia tanto católicas quanto protestantes desde 2005, quando iniciei esta experiência pedagógica e pude enriquecer a minha perspectiva teológica sobre o valor e profundidade da Tradição ortodoxa que se sacia principalmente das fontes patrísticas.

É bastante curioso comprovar que aprende-se muito com isto, não apenas com os conteúdos dos ensinamentos dos Santos Padres da Igreja, mas com a descoberta desta perspectiva para aqueles que não a conhecem ou não aceitam [no caso protestante].

Explico melhor isto. No caso dos católico-romanos iniciei no Seminário Franciscano de Olinda para turmas de seminaristas que se preparavam para o sacerdócio. Entre eles a Patrologia é bastante desconhecida, pouco usada. Considero que a teologia romana quanto a protestante, vivem uma crise de identidade justamente por falta das raízes históricas e espirituais do esquecimento dos ensinamentos dos Santos Padres e da perda da Santa Tradição.

Os ensinamentos dos Santos Padres são vistos em geral como um passado histórico, pois estão, na minha modesta opinião, muito presos a ideia de modernização que tanto seduz os contemporâneos. A perspectiva racionalista retira espaço para espiritualidade e transcendência que encontramos nos sábios ensinamentos que os Santos Padres nos legaram.

Os teólogos modernos caíram na armadilha de serem os “sujeitos” da sua teologia e não aceitam ser ensinados pelos antigos mestres. Outro aspecto grave desta teologia é sua perspectiva historicista e imanentista; ou seja, acreditar num Jesus puramente histórico e humano, onde a fé perde as suas raízes e sua perspectiva transcendente. O resultado é uma crise de fé, perdidos nos diversos caminhos humanistas por causa da troca que fizeram, deixaram a fé e se apoiaram nas ciências humanas.

De outro lado, para os protestantes é difícil aceitar a Tradição, pois esta fora dos seus ensinamentos, a ignoram e desconhecem. Na minha experiência num seminário protestante que me convidou para ensinar a perspectiva ortodoxa, que este grupo em particular reconhece como autêntica e legitima teologia ortodoxa. Pois bem, aqui o desafio é outro, provar que o fundamento patrístico tem como base a Escritura Sagrada. A ênfase é mostrar a fragmentação doutrinal, a insuficiência da escritura e a perspectiva espiritual acima da letra que mata.

Sagrada Liturgia em Aldeia (Recife)
Clérigos brasileiros da Eparquia Ortodoxa do Patriarcado Sérvio

Em ambos os casos, considero que o desafio da Tradição é superado com louvor, pois estes descobrem algo que desconhecem e sobretudo, a comprovação de que os fundamentos da Tradição Ortodoxa são também bíblicos. Portanto, é enriquecedor aprender com as dificuldades deles, entender sua perspectiva, mostrar-lhes os modelos e paradigmas teológicos que eles utilizam e ai descobrem as limitações de seu modo de pensar a teologia, o texto sagrado, e a espiritualidade.

Como resultado sabemos que os Santos Padres fizeram a experiência do Espírito Santo na Igreja e que esta guarda essa experiência com a qual nos aprendemos e nos desenvolvemos para um dia sermos cristão de verdade. Por tudo isto, o valor da Tradição como realidade viva é inestimável. Sou grato a todos eles, católicos e protestantes pela oportunidade que me deram de aprender junto com eles o valor da Tradição e que não somos donos da Verdade, mas suas testemunhas, apenas isso, graças a Deus que nos confiou esta oportunidade.


AuroraOrtodoxia: Fale-nos um pouco sobre suas obras e sobre o projeto das Edições ‘São Tiago d´Alfeu e Santo Estevão, Déspota Sérvio’.

Arcipreste Alexis: O meu primeiro livro foi publicado em 1993, com o título de “Os Seguidores de Baco” pela Editora Mercurio de São Paulo. Trata-se de Dissertação de Mestrado que fiz na UFPB na área de Alcoología em Psicologia Social. Mesmo sendo um trabalho na área da Psicologia a proposta deste trabalho foi investigar o conteúdo religioso do tratamento dos Alcoólicos Anônimos [AA] através da análise do mito de Dionísio que para os gregos era o deus da bebida. A loucura da embriaguez para os gregos era um castigo de Hera e somente foi curada por um rito religioso.

O segundo livro foi a minha Tese de Doutorado, publicado em 2006 realizado na UFPE com estadia na Universitat Pompeu Fabra de Barcelona, na área de Linguística e particularmente da Análise do Discurso no curso de Letras. O título da Tese é “Estratégias de Persuasão da Teologia da Prosperidade da Igreja Universal”, no entanto, o título do livro foi: “Ou dá o Dízimo ou desce ao Inferno” Trata-se de uma análise não teológica mas linguística sobre o uso da linguagem e de como se manipulam as pessoas para conseguir que elas acreditem na prosperidade e nas curas pelas quais gastam muito dinheiro nos cultos da Igreja Universal.

Arcipreste Alexis com Metropolita Amfilohije e outros clérigos
set. 2012 - Recife

O terceiro livro foi escrito em 2007, em parceria com o Pe. Jairo e o Prof. Diego Carrero em comemoração dos 1600 anos do falecimento de São João Crisóstomo e tem como título “Vida e Obra de São João Crisóstomo”. Nele apresentamos uma perspectiva da vida do Santo e um resumo da sua bibliografia. Alguns textos foram comentados, sua interpretação da oração do Pai Nosso, o Sacerdócio, a importância dos Santos Padres da Igreja entre outros artigos.

O quarto livro foi uma tradução da obra Theosis, publicada em 2009, do recém-falecido Arquimandrita Georgios (Kapsanis), Abade do Sagrado Monastério de São Gregoriou de Monte Athos quem me conferiu a benção para traduzir esta obra ao público brasileiro em português [foi usada uma versão espanhola] O tema deste livro é sobre o propósito da vida cristã: a deificação e santificação do cristão. A teologia bizantina aprecia bastante este tema e usa como referencia São Gregório Palamas com sua doutrina das “energias incriadas” que fundamentam toda a possibilidade da graça operar na vida concreta do cristão.

Arc. Alexis Peña-Alfaro, Arc. Vasily Gelevan e Monja Rebeca
Lançamento do livro 'São Savas da Sérvia'
RJ 2012

O quinto livro tem como título: “Cristo o Amigo do Homem” publicado em 2011, e tem como tema uma compreensão dogmática e doutrinal de porque Cristo é amigo da humanidade. A teologia ortodoxa sérvia dá uma ênfase toda especial ao tema do Deus-Homem e explica a relação misericordiosa de Deus pelo homem apesar do pecado e que Deus jamais retira sua amizade. Cristo encarnaria mesmo sem que o homem tivesse pecado, ou seja, a visão jurídica da salvação perde seu sentido legal e ganha uma perspectiva da Filantropia divina. Este trabalho é a primeira parte de uma trilogia dedicada ao tema da Filantropia divina.

O sexto livro “Amigos de Deus”, a segunda parte da trilogia, foi publicado em 2012, e tem como tema um estudo dos personagens bíblicos que conheceram a amizade divina, tanto no Antigo como no Novo Testamento. Vemos concretamente esta relação de amizade que nos serve de modelo real e efetivo da proposta divina de amizade pelos homens.

O sétimo livro é “O Homem Interior”, a terceira parte da trilogia sobre a amizade divina, Foi concebido durante uma visita no mês de julho de 2013 ao Monte Athos e especificamente no Sagrado Monastério de Simonos Petras. Publicado em dezembro do mesmo ano. Tem como tema uma referência bíblica da Epístola aos Romanos e a I Carta de São Pedro onde se faz menção ao homem interior ou oculto, tal como São Pedro o chama. Ao mesmo, tempo usamos uma interpretação de Orígenes da sua obra “Comentários sobre Gênesis”, onde o autor fala da criação do homem interior como sendo a parte espiritual do homem.

Pe. Sérgio Silva (Igreja Ortodoxa Russa), Presbitéria Maria (esposa Arc. Alexis),
Presbitéria Cláudia Fróes e Arcipreste Alexis
no lançamento do livro 'São Savas da Sérvia', no Pátio Paroquial
Paróquia Ortodoxa Russa Sta. Mártir Zenáide - RJ (2012)

Quanto ao projeto do selo editorial 'São Tiago d´Alfeu e Santo Estevão, Déspota Sérvio' foi uma iniciativa do Metropolita Amfilohije com o objetivo de divulgar a Fé Ortodoxa e oferecer ao público brasileiro o acesso a algumas obras. Nossa primeira iniciativa foi publicar a Vida de São Savas, com tradução da Monja Rebeca, publicado no ano de 2012.

Fiquei como responsável para o Brasil desta iniciativa editorial e os dois últimos livros meus foram publicados com a benção e estímulo do nosso Metropolita o que nos permite dizer que já temos três livros publicados por este sêlo. Confiamos que no futuro possamos realizar outras publicações de maior envergadura e mais importantes para continuar divulgando a Fé Ortodoxa.
 

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