Arcipreste Alexis |
Nesta segunda
parte da Entrevista com o Arcipreste Alexis Peña-Alfaro, ficaremos por
dentro de elementos da atualidade da vida da Igreja Ortodoxa em geral
através do prisma de um sacerdote ortodoxo e profissional do ensino.
AuroraOrtodoxia: Segundo
as informações que dispomos, a Igreja Sérvia realizou uma de suas Assembleias
(Sábor) para as Dioceses das Américas do Norte e do Sul nos dias 05-07 de
agosto 2014, em Alhambra na Califórnia. Este tipo de evento é muito comum nos
E.U.A, país que apesar de não-ortodoxo tem uma grande experiência de encontros
pan-ortodoxos e um caráter missionário bem apurado. O que o senhor poderia nos
dizer sobre estes encontros. Na sua opinião, o Brasil poderia fazer uso desta
mesma experiência?
Arcipreste Alexis: De
fato, os Estados Unidos pela sua própria história, foram fundados por colonos
ingleses que buscavam liberdade de culto e eles tem uma cultura onde apesar de
tudo o trabalho religioso faz parte da sua cultura nacional e da sua vida
social.
Devemos lembrar que a presença da
Ortodoxia começou com um trabalho missionário de São Germano (Herman) do
Alasca, primeiro Santo ortodoxo canonizado nas Américas. A presença ortodoxa
nos E.U.A é muito forte e muitas jurisdições canônicas foram estabelecidas no
seu território: sérvios, russos, gregos, antioquenos, ucranianos, romenos,
búlgaros entre outras. Estas migrações principalmente de fundo econômico e em
virtude das duas Grandes Guerras Mundiais que levaram grandes contingentes de
ortodoxos a esta terra.
Nos E.U.A existem muitas
paróquias, seminários e toda uma estrutura que oferece suporte a Igreja e tem
desenvolvido um trabalho firme e sustentável que permitiu um grande crescimento
e sobretudo um fenômeno bastante notável, a adesão de grandes contingentes de
diversas igrejas protestantes, de católicos, de episcopais, de judeus e até de
pessoas não cristãos [budistas, hindus e muçulmanos].
Por outro lado, as Igrejas
Ortodoxas têm realizado esforços para unificar o trabalho das várias
jurisdições através de órgãos como o SCOBA que é um órgão de consultas das
igrejas e de reuniões e trabalhos conjuntos. Ao mesmo tempo, a relação entre as
igrejas é muito intensa e estreita, pois com frequência os hierarcas são
convidados a participar dos eventos locais com a presença das igrejas irmãs.
Arcipreste Alexis (Peña) em companhia de Arcipreste Rafael (Queiroz) e outros clérigos no Sábor deste ano em Alhambra |
No último Sábor, ao qual tivemos
a graça de participar, os convidados de honra foram o Arcebispo Dimitrios do
Patriarcado Ecumênico e outro Bispo grego. Portanto, a experiência da Ortodoxia
na América é bastante rica nos relacionamentos eclesiásticos, sejam no nível da
hierarquia, dos clérigos, dos organismos eclesiais como dos fiéis.
Consideramos que esta experiência
pode sim ser bastante estimulante para o nosso trabalho na América do Sul.
AuroraOrtodoxia: Sabemos
que o senhor é professor universitário em Instituições de Ensino tanto
Católicas como Protestantes, em cadeias como a Patrologia, por exemplo. Como o
brasileiro concebe a espiritualidade dos Santos Padres através do prisma
cristão ortodoxo?
Arcipreste Alexis: Tive a
graça de ser convidado a ministrar algumas disciplinas em escolas de teologia
tanto católicas quanto protestantes desde 2005, quando iniciei esta experiência
pedagógica e pude enriquecer a minha perspectiva teológica sobre o valor e
profundidade da Tradição ortodoxa que se sacia principalmente das fontes
patrísticas.
É bastante curioso comprovar que
aprende-se muito com isto, não apenas com os conteúdos dos ensinamentos dos Santos
Padres da Igreja, mas com a descoberta desta perspectiva para aqueles que não a
conhecem ou não aceitam [no caso protestante].
Explico melhor isto. No caso dos
católico-romanos iniciei no Seminário Franciscano de Olinda para turmas de
seminaristas que se preparavam para o sacerdócio. Entre eles a Patrologia é
bastante desconhecida, pouco usada. Considero que a teologia romana quanto a
protestante, vivem uma crise de identidade justamente por falta das raízes
históricas e espirituais do esquecimento dos ensinamentos dos Santos Padres e
da perda da Santa Tradição.
Os ensinamentos dos Santos Padres
são vistos em geral como um passado histórico, pois estão, na minha modesta
opinião, muito presos a ideia de modernização que tanto seduz os
contemporâneos. A perspectiva racionalista retira espaço para espiritualidade e
transcendência que encontramos nos sábios ensinamentos que os Santos Padres nos
legaram.
Os teólogos modernos caíram na
armadilha de serem os “sujeitos” da sua teologia e não aceitam ser ensinados
pelos antigos mestres. Outro aspecto grave desta teologia é sua perspectiva
historicista e imanentista; ou seja, acreditar num Jesus puramente histórico e
humano, onde a fé perde as suas raízes e sua perspectiva transcendente. O
resultado é uma crise de fé, perdidos nos diversos caminhos humanistas por
causa da troca que fizeram, deixaram a fé e se apoiaram nas ciências humanas.
De outro lado, para os
protestantes é difícil aceitar a Tradição, pois esta fora dos seus
ensinamentos, a ignoram e desconhecem. Na minha experiência num seminário
protestante que me convidou para ensinar a perspectiva ortodoxa, que este grupo
em particular reconhece como autêntica e legitima teologia ortodoxa. Pois bem,
aqui o desafio é outro, provar que o fundamento patrístico tem como base a
Escritura Sagrada. A ênfase é mostrar a fragmentação doutrinal, a insuficiência
da escritura e a perspectiva espiritual acima da letra que mata.
Sagrada Liturgia em Aldeia (Recife) Clérigos brasileiros da Eparquia Ortodoxa do Patriarcado Sérvio |
Em ambos os casos, considero que o
desafio da Tradição é superado com louvor, pois estes descobrem algo que
desconhecem e sobretudo, a comprovação de que os fundamentos da Tradição
Ortodoxa são também bíblicos. Portanto, é enriquecedor aprender com as
dificuldades deles, entender sua perspectiva, mostrar-lhes os modelos e
paradigmas teológicos que eles utilizam e ai descobrem as limitações de seu
modo de pensar a teologia, o texto sagrado, e a espiritualidade.
Como resultado sabemos que os
Santos Padres fizeram a experiência do Espírito Santo na Igreja e que esta
guarda essa experiência com a qual nos aprendemos e nos desenvolvemos para um
dia sermos cristão de verdade. Por tudo isto, o valor da Tradição como
realidade viva é inestimável. Sou grato a todos eles, católicos e protestantes
pela oportunidade que me deram de aprender junto com eles o valor da Tradição e
que não somos donos da Verdade, mas suas testemunhas, apenas isso, graças a
Deus que nos confiou esta oportunidade.
AuroraOrtodoxia: Fale-nos
um pouco sobre suas obras e sobre o projeto das Edições ‘São Tiago d´Alfeu e
Santo Estevão, Déspota Sérvio’.
Arcipreste Alexis: O meu primeiro
livro foi publicado em 1993, com o título de “Os Seguidores de Baco” pela
Editora Mercurio de São Paulo. Trata-se de Dissertação de Mestrado que fiz na
UFPB na área de Alcoología em Psicologia Social. Mesmo sendo um trabalho na
área da Psicologia a proposta deste trabalho foi investigar o conteúdo
religioso do tratamento dos Alcoólicos Anônimos [AA] através da análise do mito
de Dionísio que para os gregos era o deus da bebida. A loucura da embriaguez
para os gregos era um castigo de Hera e somente foi curada por um rito
religioso.
O segundo livro foi a minha Tese
de Doutorado, publicado em 2006 realizado na UFPE com estadia na Universitat
Pompeu Fabra de Barcelona, na área de Linguística e particularmente da Análise
do Discurso no curso de Letras. O título da Tese é “Estratégias de Persuasão da
Teologia da Prosperidade da Igreja Universal”, no entanto, o título do livro
foi: “Ou dá o Dízimo ou desce ao Inferno” Trata-se de uma análise não teológica
mas linguística sobre o uso da linguagem e de como se manipulam as pessoas para
conseguir que elas acreditem na prosperidade e nas curas pelas quais gastam
muito dinheiro nos cultos da Igreja Universal.
Arcipreste Alexis com Metropolita Amfilohije e outros clérigos set. 2012 - Recife |
O terceiro livro foi escrito em
2007, em parceria com o Pe. Jairo e o Prof. Diego Carrero em comemoração dos
1600 anos do falecimento de São João Crisóstomo e tem como título “Vida e Obra
de São João Crisóstomo”. Nele apresentamos uma perspectiva da vida do Santo e
um resumo da sua bibliografia. Alguns textos foram comentados, sua
interpretação da oração do Pai Nosso, o Sacerdócio, a importância dos Santos
Padres da Igreja entre outros artigos.
O quarto livro foi uma tradução
da obra Theosis, publicada em 2009, do
recém-falecido Arquimandrita Georgios (Kapsanis), Abade do Sagrado Monastério de
São Gregoriou de Monte Athos quem me conferiu a benção para traduzir esta obra
ao público brasileiro em português [foi usada uma versão espanhola] O tema
deste livro é sobre o propósito da vida cristã: a deificação e santificação do
cristão. A teologia bizantina aprecia bastante este tema e usa como referencia
São Gregório Palamas com sua doutrina das “energias incriadas” que fundamentam
toda a possibilidade da graça operar na vida concreta do cristão.
Arc. Alexis Peña-Alfaro, Arc. Vasily Gelevan e Monja Rebeca Lançamento do livro 'São Savas da Sérvia' RJ 2012 |
O quinto livro tem como título:
“Cristo o Amigo do Homem” publicado em 2011, e tem como tema uma compreensão
dogmática e doutrinal de porque Cristo é amigo da humanidade. A teologia
ortodoxa sérvia dá uma ênfase toda especial ao tema do Deus-Homem e explica a
relação misericordiosa de Deus pelo homem apesar do pecado e que Deus jamais
retira sua amizade. Cristo encarnaria mesmo sem que o homem tivesse pecado, ou
seja, a visão jurídica da salvação perde seu sentido legal e ganha uma
perspectiva da Filantropia divina. Este trabalho é a primeira parte de uma
trilogia dedicada ao tema da Filantropia divina.
O sexto livro “Amigos de Deus”, a
segunda parte da trilogia, foi publicado em 2012, e tem como tema um estudo dos
personagens bíblicos que conheceram a amizade divina, tanto no Antigo como no
Novo Testamento. Vemos concretamente esta relação de amizade que nos serve de
modelo real e efetivo da proposta divina de amizade pelos homens.
O sétimo livro é “O Homem
Interior”, a terceira parte da trilogia sobre a amizade divina, Foi concebido
durante uma visita no mês de julho de 2013 ao Monte Athos e especificamente no
Sagrado Monastério de Simonos Petras. Publicado em dezembro do mesmo ano. Tem
como tema uma referência bíblica da Epístola aos Romanos e a I Carta de São Pedro
onde se faz menção ao homem interior ou oculto, tal como São Pedro o chama. Ao
mesmo, tempo usamos uma interpretação de Orígenes da sua obra “Comentários
sobre Gênesis”, onde o autor fala da criação do homem interior como sendo a
parte espiritual do homem.
Quanto ao projeto do selo
editorial 'São Tiago d´Alfeu e Santo Estevão, Déspota Sérvio' foi uma iniciativa
do Metropolita Amfilohije com o objetivo de divulgar a Fé Ortodoxa e oferecer
ao público brasileiro o acesso a algumas obras. Nossa primeira iniciativa foi
publicar a Vida de São Savas, com tradução da Monja Rebeca, publicado no ano de
2012.
Fiquei como responsável para o
Brasil desta iniciativa editorial e os dois últimos livros meus foram
publicados com a benção e estímulo do nosso Metropolita o que nos permite dizer
que já temos três livros publicados por este sêlo. Confiamos que no futuro
possamos realizar outras publicações de maior envergadura e mais importantes
para continuar divulgando a Fé Ortodoxa.
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