terça-feira, 2 de dezembro de 2014

O Cristão Ortodoxo na era da informação - Parte 1

Protopresbítero Gregory Naumenko
pároco da Igreja da Proteção da Mãe de Deus, em Rochester,
Estado de New York, EUA.
Palestra proferida na 33a. Conferência Anual da Juventude Ortodoxa Russa (em 13/26 de dezembro de 1997), realizada na Igreja do Ícone da Alegria de Todos os Que Sofrem, em Geelong, Estado de Victoria, Austrália.

INTRODUÇÃO
 
Em Nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Vossa Eminência Vladyka Hilarião, Santos Padres, caros irmãos e irmãs aqui reunidos para a 33a. Conferência Anual da Juventude Ortodoxa Russa na Austrália:
Para aqueles que não me conhecem, eu sou o padre da Igreja Ortodoxa Russa da Proteção da Mãe de Deus em Rochester, NY, EUA.
Rochester é uma cidade bem interessante: é a capital mundial do lilás. Nosso Parque Highland orgulha-se de suas 528 variedades de lilases -- ao todo, mais de 1500 arbustos. Nossa cidade é a sede de muitas empresas famosas, como a Eastman Kodak, a Bausch & Lomb, a Xerox, a Rochester Products e a Paychecks, para citar só algumas. Um fato pouco conhecido sobre Rochester é que ela é única num sentido muito incomum: alguns naturalistas me contaram que ela é o único ponto geográfico no nordeste dos Estados Unidos onde cogumelos verdadeiramente venenosos (que os matarão se vocês os comerem) podem ser encontrados na natureza. A maioria dos lugares na América têm cogumelos que deixarão vocês bem indispostos caso vocês os comam por engano (em qualquer lugar vocês precisam ser cuidadosos ao colher e comer cogumelos selvagens), mas é só na área de Rochester que vocês vão de fato morrer caso comam uma certa espécie de cogumelo que cresce nos bosques locais. É interessante notar que esses cogumelos não são originariamente nativos de Rochester. De fato, até mais ou menos 1920, vocês não conseguiriam encontrar esses cogumelos mesmo que os procurassem de propósito. Diz a história que a variedade venenosa foi inadvertidamente trazida a Rochester por George Eastman, o fundador daquela que hoje é conhecida como Eastman Kodak Corp. Ele, sem saber, trouxe esses cogumelos -- e da Rússia, dentre todos os lugares possíveis!
George Eastman era uma figura bem interessante. Ele nasceu em Waterville, NY, em 1854, e ainda jovem mudou-se para Rochester. Ele inventou o filme transparente e organizou a companhia Eastman Dry Plate and Film em 1888. Em 1927, Eastman detinha o virtual monopólio da indústria fotográfica nos EUA e rapidamente ficou multimilionário. Ele não era um mau sujeito. Na verdade, era um dos mais generosos filantropos da América. Mas algo de estranho acontecia na vida de George Eastman. Quanto mais rico ele ficava, mais aborrecido se sentia com a vida. Nele, aquele processo que Fëdor Mikhailovich Dostoyevskii descreveu tão bem em seu romance Os Demônios manifestou-se com toda a claridade. Dostoevskii mostra que, materialisticamente, o homem obtém prazer apenas do desejo e da busca de bens e prazeres materiais; contudo, quando o objeto do desejo é de fato alcançado, quando nós de fato o temos nas mãos, ele rapidamente deixa de nos satisfazer; e aí é necessário voltar a atenção para outras coisas desejáveis. Isso não é verdade? Basta que pensemos na grande variedade de artigos -- artigos que, nalgum instante do tempo, nós desejamos tanto, e que agora estão juntando pó em nossos sótãos e garagens -- para que vejamos a validade da observação de Dostoevskii.
Isso é exatamente o que aconteceu a George Eastman -- em grande escala. Tão logo ele fez sua fortuna e teve todo o dinheiro e as coisas que um homem poderia querer, ele tentou se divertir com vários projetos e passatempos.
Eastman gostava de fazer as coisas de um jeito grande. Enquanto a maioria das outras pessoas se contentam em colecionar selos, moedas, obras de arte e coisas do tipo, ele decidiu colecionar árvores. Ele viajava pelo mundo e trazia árvores consigo, e as plantava dentro e ao redor de sua chácara em Rochester. Todos os tipos de variedades exóticas podem ser vistas ainda hoje em nossa East Avenue e nos diferentes parques ao redor da cidade. Essas árvores tinham que ser transportadas de vários lugares ao redor do mundo por navio e, para que elas não morressem na viagem, eram transportadas com bastante terra ao redor das raízes. George Eastman encontrou na Rússia uma variedade da qual ele particularmente gostava. O que ele precisava saber é que, junto com essas árvores da Rússia, ele transportou um solo rico em esporos de cogumelos mortalmente venenosos. Esses cogumelos agora estão espalhados pelas redondezas de Rochester. Apreciadores de cogumelos precisam ser muito cautelosos ao colhê-los por ali.
George Eastman tinha muitos outros projetos e atividades interessantes. Ele fez vários safáris na África e em outras partes. Era um grande amante do champagne. Seu entusiasmo pela culinária é bem documentado. Era um homem solteiro; entretanto, tinha familiaridades ilícitas com mulheres, freqüentemente casadas. De acordo com um de seus biógrafos, Eastman era um homem que viveu à sua vontade, que formou seu mundo para atender as suas próprias necessidades, que experimentou o valor de seu dinheiro. De um ponto de vista mundano, pode-se dizer que ele tinha tudo o que um homem poderia querer. Todavia, na manhã do dia 14 de março de 1932, George Eastman, depois de metódicos preparativos, foi para seu quarto e disparou uma bala contra sua própria cabeça.
Caros irmãos e irmãs em Cristo, o que levaria uma pessoa que tinha tudo -- riquezas, fama, fortuna --; uma pessoa que, de acordo com todos os testemunhos, não sofria de nenhuma doença mental; o que forçaria uma pessoa assim a tirar sua própria vida?
Talvez a causa disso seja a mesma razão pela qual tanta gente nos nossos dias, especialmente gente jovem, morre por suas próprias mãos. Está claro que, em nossa sociedade de hoje, o suicídio, especialmente entre adolescentes, está atingindo proporções epidêmicas. Por quê?
À superfície, pode parecer que há uma multidão de razões complicadas para isso. Contudo, se analisarmos honestamente a situação, veremos que a causa que está na raiz é, sempre, basicamente a mesma. Falando de um modo simples: nós todos fomos criados por Deus para viver em comunhão plena com nosso Criador e compartilhar de Sua glória divina. Quando Deus é retirado de nossas vidas, forma-se um vácuo espiritual. Nós tentamos preencher esse vácuo com várias distrações, mas, não importa o quanto nos empenhamos, nada consegue de fato satisfazer nossos anseios. Se nós não encontramos nosso caminho de volta para Deus (e, na terminologia ortodoxa, chamamos esse processo de arrependimento), se não retornamos para Deus, o desespero e a melancolia se instalam, e com freqüência levam ao suicídio. Em outras palavras, quando se está espiritualmente morto, parece bastante lógico que se chegue ao estado físico correspondente.
Nós todos estamos familiarizados com as maneiras pelas quais o homem contemporâneo tenta preencher o vazio espiritual que reina em seu coração como resultado de seu afastamento de Deus. Alguns caem no álcool, alguns nas drogas, outros numa obsessão por prazeres físicos e devassidão, outros ainda ficam preocupados com a aquisição de bens materiais. Vocês provavelmente já ouviram que o norte-americano médio, e provavelmente o australiano médio, "vai às compras no shopping" para despertar seu ânimo. Muitos lidam com sua depressão sobrecarregando-se de trabalho, tornando-se os assim chamados workaholics. Tudo isso são coisas que as pessoas fazem para amortecer aquele sentimento de vazio que as rói por dentro, aquele sentimento que talvez elas nem mesmo percebam que é um anseio por estar com Deus -- o Deus que as criou, as ama, e sobre Quem todavia elas sabem muito pouco, se é que sabem alguma coisa.
Nas últimas duas décadas uma nova distração apareceu, um novo método de entorpecer as próprias faculdades espirituais. É possível que este fenômeno seja o mais perigoso a aparecer, porque à superfície ele parece inocente, e mesmo saudável à primeira vista; e assim alcançou tamanha aceitação universal. Este fenômeno é a preocupação obsessiva com a aquisição de conhecimento e informação. Para o propósito da discussão de hoje, nós o chamaremos de Sobrecarga Sensorial Informativa.
SOBRECARGA SENSORIAL INFORMATIVA
Para ilustrar o que entendemos por Sobrecarga Sensorial Informativa, observemos um dia hipotético e típico na vida de um Joe Smith médio de nosso tempo.
Joe acorda de manhã ao som do seu relógio-despertador, que está pré-sintonizado numa estação de rádio só de notícias. Mesmo antes de estar plenamente desperto, ele é bombardeado com informações, algumas úteis, mas a maioria inúteis. Quando ele finalmente sai da cama e vai à cozinha para o café da manhã, sua atenção se divide entre o jornal matutino e a pequena televisão do canto da cozinha. Sua atenção pode ficar ainda mais "esquizofrênica" se ele tem um aparelho de controle remoto e pode "surfar" entre os programas matinais.
É claro que Joe tem em casa um computador com um modem, e verifica sua caixa de e-mails em busca de quaisquer mensagens que possam ter chegado ao longo da noite.
Quando termina seus preparativos matinais, ele entra em seu carro, no qual o rádio liga junto com a ignição. Ele pode ouvir a "Edição da Manhã", a CBC, algum apresentador local ou nacional de talk-shows telefônicos com os ouvintes, ou deixar-se relaxar pela música martelante de sua escolha. A menos que ele esteja nos degraus mais baixos da escada social, ele tem um telefone celular, por meio do qual pode se juntar aos debates do talk-show do rádio, ou conectar-se ao seu lap-top para obter as últimas cotações da bolsa via Internet; tudo isso enquanto desce a rodovia a quase 110 km/h rumo ao trabalho. Uma vez lá, a afluência de informação não cessa. Além das informações de fato necessárias para fazer seu trabalho, há o rádio do escritório que está constantemente ligado, ao fundo, tocando a chamada "música de elevador". Durante a pausa para o café, folheiam-se o The New York Times e o USA Today durante breves conversas com os colegas. Na hora do almoço, Joe costuma fazer cooper no parque próximo.
Isso é feito com o acompanhamento do walkman que a mulher de Joe lhe deu no último Natal. Ele não presta atenção ao piar dos passarinhos no parque; os fones de ouvido bloqueiam todos os sons do ambiente. Depois de mais meio dia no trabalho e uma volta para casa ouvindo o "All Things Considered", Joe está de novo em seu lar. Ele permanece sentado em seu carro, dentro da garagem, até que os comentaristas do jornal da rádio pública terminem suas análises. Antes de entrar em casa, Joe pára na caixa de correio e saca de lá uma pilha de dez centímetros de altura: são inúmeras cartas, informativos, brochuras, catálogos, revistas, folhetos, anúncios, junto com a edição vespertina do jornal local. Esse estoque de impressos rende leitura suficiente para três dias inteiros; contudo, um montante igual ou maior chegará no dia seguinte. O jantar é, de novo, em frente à televisão; mas não na cozinha, como foi o café da manhã. Agora ele se passa em frente à tela gigante no quarto da família. Esse é o aparelho ao qual Joe conectou sua nova mini-antena parabólica com recepção perfeita. Joe realmente passou por problemas ao escolher entre os dois provedores desse serviço. No fim, a empresa que ofereceu 157 canais ganhou. A outra empresa, afinal, ofereceu apenas 84 canais. Enquanto surfa pela miríade de possibilidades na tela grande, Joe termina em seu lap-top um trabalho que trouxe para casa. Antes de ir para a cama, ele gasta um tempo considerável em seu computador jogando um game interativo em rede, no qual ele acha que está viciado. O jogo é muito popular entre usuários de computador em rede e se chama MUSH. M.U.S.H. quer dizer Multi-User Shared Hallucination, "Alucinação Compartilhada Multi-Usuário". Joe disse a sua mulher, que uma vez reclamou desse hábito, que isso é melhor do que estar viciado em um MUD -- Multi-User Dungeon, "Calabouço Multi-Usuário". Os MUDs são uma versão brutalmente violenta dos MUSHes, porque o objetivo freqüentemente é matar ou ser morto.
Joe finalmente afasta-se do computador quando seus olhos não conseguem mais encarar a tela. Ele toma uma ducha enquanto ouve o rádio à prova d´água que está pendurado na torneira do chuveiro. Então, cai na cama, onde finalmente cochila sob a luz bruxuleante da TV de seu quarto e o acompanhamento de seu rádio-relógio -- que o despertará de novo na manhã do dia seguinte ao som das últimas notícias matinais.
Isso parece forçado, irmãos e irmãs? Temo que não.
Verdadeiramente nós vivemos na Era da Informação. Somos bombardeados com informação quase a todo minuto do dia. Isso é bom? É saudável? Nós fomos agraciados com uma sede pela Verdade que nos foi dada por Deus. Contudo, tal como fizemos com tantos outros dons de Deus, nós corrompemos essa sede e a transformamos numa paixão. Como nós, cristãos ortodoxos, deveríamos lidar com a superabundância de informação?
É geralmente aceito hoje em dia pelas autoridades da educação e pela sociedade como um todo que a aquisição de conhecimento é empiricamente boa. Quanto mais conhecimento se adquire, melhor a pessoa se torna, mais culta e mais esclarecida. Entretanto isso é necessariamente verdadeiro?

DEFINIÇÕES
É importante que compreendamos que há uma diferença entre informação, conhecimento, verdade e sabedoria. Devemos também perceber que um cristão define esses termos de maneira diferente de um não-cristão. Vamos dirigir nossa atenção para esses conceitos.
Informação, de acordo com o American Heritage Dictionary, define-se simplesmente como uma coleção de observações ou dados. Certamente, nós podemos concordar com essa definição. Uma lista telefônica é uma coleção de informações. Se nós tivéssemos chegado de fora da cidade à estação rodoviária de Melbourne e precisássemos de uma condução até a igreja, a lista telefônica sem dúvida conteria algumas informações muito úteis para nós. Entretanto, todos nós concordaríamos que, caso fôssemos decorar a lista telefônica da cidade de Melbourne, estaríamos enchendo nosso cérebro com um monte de informações irrelevantes. Portanto, nem toda informação é necessária, ou útil. Uma superabundância de informação pode na verdade ser dispersiva e até danosa.
Podemos também concordar que uma lista telefônica pode conter uma grande quantidade de informação; mas nós não chamaríamos essa informação de sabedoria, ou mesmo de conhecimento.
O dicionário define conhecimento como a soma ou extensão do que foi percebido, descoberto ou aprendido. Notem que, nesta definição secular, não há sequer uma sugestão de discernimento entre conhecimento saudável e conhecimento prejudicial. Contudo, a Igreja sempre distinguiu entre o conhecimento do bem e o conhecimento do mal. Precisamos lembrar que nossa atual condição decaída é o resultado da desobediência de nossos Primeiros Ancestrais ao comerem da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal. O que levou Adão e Eva a violarem o único mandamento restritivo dado a eles por Deus no Paraíso -- dado a eles de modo que, como diz Santo Efrém o Sírio, ao permanecerem obedientes a ele, poderiam mostrar seu amor a Deus (Obras, vol. VI, pág. 233)? Por que eles transgrediram? Sim, eles foram tentados pelo Diabo; sim, eles ficaram orgulhosos, e começaram a pensar que sabiam mais do que seu Criador; contudo, uma grande dose de curiosidade esteve presente também. Ademais, o Diabo lhes prometera: ...tanto que vós comerdes desse fruto, se abrirão vossos olhos, e vós sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal.
Não é a curiosidade pecaminosa que tão freqüentemente nos leva a vaguearmos por onde nós sabemos que não devíamos ir? Para buscar conhecimento que nós sabemos que não nos trará qualquer benefício? Qual é o resultado costumeiro dessa divergência? Estamos verdadeiramente satisfeitos com nossa incursão pelo pecado? Não, não estamos. O resultado é geralmente um sentimento de desonra e esvaziamento. O único conhecimento útil que podemos ter tirado de nossa ação é que é melhor não se desgarrar dos mandamentos do Senhor nosso Deus. Isso é exatamente o que diz São João Crisóstomo, um dos maiores Padres e mestres da Igreja, que compôs a Divina Liturgia que nós usamos mais freqüentemente. Numa resposta à questão: Por que a árvore se chamava 'árvore do conhecimento do bem e do mal'?, ele responde: A árvore não deu origem à natureza do bem e do mal. Ela meramente expôs a disposição do homem. Ela é chamada por esse nome não porque o bem ou o mal estivessem ligados à sua essência, mas porque ela serviu à revelação do bem e do mal. E de fato, continua São João, que conhecimento Adão obteve por comer da árvore? Ele descobriu que a obediência a Deus é o bem, enquanto a desobediência a Deus é o mal. É isso, portanto, conclui Crisóstomo, que é o conhecimento do bem e do mal; mais nada (Vol. VIII, pág. 799).
Conseqüentemente, vemos que nem todo conhecimento é saudável ou positivo. Pelo contrário: há muito conhecimento que é nocivo, e até venenoso.
As Divinas Escrituras assinalam que alguns conhecimentos podem ser inúteis. Elifaz o Temanita, no livro de Jó, pergunta: Porventura proferirá o sábio vã sabedoria? E encherá do vento oriental o seu ventre, argüindo com palavras que de nada servem, e com razões de que nada aproveita? (Jó 15:2-3). O que Elifaz teria a dizer sobre as infindáveis horas gastas por tantos que se envolvem nos intermináveis debates dos grupos de discussão da Internet?
Entretanto, como discerniremos o conhecimento valioso do conhecimento vão? O Santo Profeta Davi nos dá uma boa indicação disso em seu 118o. Salmo, essa belíssima oração noética. O salmista clama: Grande indignação se apoderou de mim por causa dos ímpios que abandonam a Tua Lei... Bandos de ímpios me despojaram... Ensina-me bom juízo e ciência, pois cri nos Teus mandamentos... Tu és bom e fazes bem; ensina-me os Teus estatutos.
Ensina-me bom juízo e ciência... O orgulhoso humanismo contemporâneo nos prescreve que o homem só pode alcançar o verdadeiro conhecimento através dos esforços de sua própria razão ou experiência. Todavia a Igreja, sempre tentando tornar humildes nossas almas orgulhosas, ensina-nos o oposto. O Rei Salomão, em seu primeiro Provérbio, afirma com franqueza: O temor do Senhor é o princípio do conhecimento. Podemos realmente acreditar que um mestre nos ensinará o discernimento genuíno se ele não apenas não teme o Senhor, mas nem sequer reconhece a existência de Deus?
É verdadeiramente humilhante perceber que São João Clímaco, em sua Escada da Ascensão Divina (um livro organizado como uma série de degraus de uma escada, em que cada passo representa uma virtude que se deve obter ou uma paixão que se deve superar), situa o discernimento no vigésimo-sexto de trinta passos. Há tanto o que superar e tanto a se atingir antes que se possa, com a ajuda de Deus, esperar possuir ao menos os gérmens do discernimento espiritual! Então, quão perto devemos permanecer da Igreja, de Seus bons Bispos e pastores, Seus Padres e Mestres; quão freqüentemente devemos sondar a Palavra de Deus, para que não sejamos desencaminhados, seguindo veredas de falso conhecimento, vãs fantasias da pecaminosa mente humana!
E mais: podemos levar uma vida pecaminosa, envolvermo-nos em relacionamentos ilícitos, poluir nossa imaginação com visões corruptoras, profanar nossa fala com palavras obscenas, encher nossa mente de fantasias vis, e ainda honestamente esperar que sejamos aptos a discernir o conhecimento indispensável do conhecimento vazio de valor ou significado? Em toda Liturgia de Domingo, nós ouvimos a Bem-Aventurança: Bem-aventurados os limpos de coração, porque eles verão a Deus. Há apenas uma maneira de limpar o coração: através do arrependimento, da Santa Confissão e da Santa Comunhão. Ousamos viver neste mundo sem regressarmos freqüentemente a esses salutares Sacramentos?
Portanto é claro que, para que possamos discernir o conhecimento valioso do conhecimento vão, nós devemos levar uma vida de luta espiritual; isto é, devemos levar uma vida na Igreja. Isso requer tempo, dedicação, concentração e rejeição de distrações vãs. Isso requer que escapemos da Sobrecarga Sensorial Informativa que é despejada sobre nós pela Era da Informação.
Uma dúvida pode surgir, especialmente entre estudantes: tudo isso significa que o conhecimento secular e mundano é, na melhor das hipóteses, vão e inútil, e na pior, prejudicial e hostil ao Conhecimento Divino? Ivan Mikhailovich Andreev, de bendita memória, professor de Teologia Apologética Ortodoxa em nosso Seminário da Santíssima Trindade, deu uma boa resposta a esse dilema em sua conferência sobre a relação entre a religião e a ciência. O Professor Andreev afirma:
A verdadeira religião e a verdadeira ciência, demarcados os limites da esfera de suas competências, não podem jamais apresentar contradições entre si. Se tal contradição ocorre, isso significa que ou a religião ou a ciência traíram seus princípios e se tornaram pseudo-religião ou pseudociência.
A fé e o conhecimento, nas suas verdadeiras essências, são inseparáveis. É impossível supor que um crente não pense no objeto de sua fé e não conheça aquilo em que crê. Do mesmo modo é impossível que um filósofo ou erudito, ao investigar, não creia -- pelo menos em seu próprio intelecto.
O conhecimento é tão necessário e legítimo para a religião quanto a fé o é para a erudição. A fé pode ser indispensável ali onde o conhecimento é inadequado e impotente. Qualquer coisa aprendida através da fé não pode entrar em contradição com o conhecimento genuíno...

Nenhum comentário:

Postar um comentário