quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

O Cristão Ortodoxo na era da informação - Parte 2


Protopresbítero Gregory Naumenko
pároco da Igreja da Proteção da Mãe de Deus, em Rochester,
Estado de New York, EUA.
Palestra proferida na 33a. Conferência Anual da Juventude Ortodoxa Russa (em 13/26 de dezembro de 1997), realizada na Igreja do Ícone da Alegria de Todos os Que Sofrem, em Geelong, Estado de Victoria, Austrália.

Quanto mais profunda e completamente o homem estuda as ciências e conhece os limites de suas competências, mais cultura filosófica e teológica o homem possui. Do mesmo modo, quanto mais profundo é o desenvolvimento de sua fé religiosa, tanto mais raras se tornam as contradições imaginárias entre fé e conhecimento, e entre religião e ciência...
A religião responde às indagações mais altas e intrincadas do espírito humano, às quais a ciência é absolutamente impotente para responder. Quanto mais altamente desenvolvida é a religião, tanto mais ela estimula o amor pelo conhecimento; não, é claro, o conhecimento vão, mas o conhecimento verdadeiro, que se chama sabedoria espiritual...
São Basílio o Grande, que era um erudito, um filósofo e um teólogo, disse: "No ensinamento filosófico pré-cristão havia apenas uma sombra das verdades reveladas, um pré-retrato da Verdade revelada na Sagrada Escritura, um reflexo da luz da verdade de Cristo semelhante ao reflexo do sol na água." Também sobre a relação entre fé e conhecimento São Basílio afirmou: "Na ciência, a fé precede o conhecimento. Isso é profundamente verdadeiro, uma vez que tudo o que há de mais fundamental e inicial no conhecimento científico é impossível de se provar, e é aceito como princípio básico por um ato de fé”.
Se os grandes Padres da Igreja consideravam o conhecimento científico e filosófico honesto com tão profundo respeito, então, por sua vez, os maiores sábios científicos genuínos do passado consideravam a fé religiosa com profunda estima e reverência. Eles notaram que o Conhecimento Verdadeiro é incompatível com o orgulho. A humildade é uma condição indispensável para a possibilidade de se apreender a Verdade. Apenas um erudito humilde, tal como um pensador religioso humilde, sempre a lembrar as palavras do Salvador: Sem Mim nada podeis fazer e Eu sou o caminho e a verdade e a vida, é capaz de seguir na direção correta que leva à consciência da Verdade. Porque Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes.
As reflexões do Professor Andreev nos dão a esperança de que ainda haja conhecimento digno de ser perseguido lá no mundo da erudição. Entretanto, com que cautela se deve proceder num mundo em que palavras tais como Fé em Deus, humildade, reverência e até Verdade foram banidas do vocabulário da academia! Tal como o coletor de cogumelos em Rochester NY, deve-se ser extremamente cuidadoso ao escolher o que consumir, para não ser envenenado e arriscar-se à morte espiritual.
Isso nos leva ao próximo termo que devemos investigar, em nosso exame de nossa Era da Informação: Verdade. A simples definição de Verdade do dicionário é: A substância da realidade; veracidade.
Em uma de suas preleções, o Professor Andreev notou que toda pessoa normal, sensível e criticamente pensante, ao se desenvolver espiritualmente, mais cedo ou mais tarde põe diante de si uma linha inteira de questões acerca do que é a Verdade: qual é a natureza, sentido e propósito da vida, pessoalmente para cada indivíduo, e para o universo como um todo? O que é a vida? Qual é a origem de todas as coisas existentes? Há um Deus, Criador de todas as coisas, ou o mundo existe sem um Criador? Se há um Deus, é possível para nós termos comunhão com Ele? Existe um outro mundo além do visível? O que é a matéria? O que é a consciência? O que é o Espírito? O que é a morte? Existe a alma, e ela possui a imortalidade? O que são o bem e o mal? Pode-se conhecer a Verdade absoluta? Como se deve viver e o que se deve aspirar?
Essas são questões que, de uma forma ou de outra, todo ser humano normal e pensante tem que perguntar a si mesmo. Pois, se não há Verdade absoluta, então a vida não tem sentido nem objetivo. Contudo, essas questões levam tempo para ser formuladas. Elas não surgem todas de uma vez. Precisa-se de tempo para o processo de sua formulação, contemplação e resolução. Cada indivíduo precisa percorrer esse processo; do contrário, ele não se desenvolve como um ser humano, e permanece espiritual e psicologicamente retardado.
Uma pergunta pode ser validamente formulada em nossa era de hiper-informação, na qual, desde a mais tenra idade, os indivíduos são permanentemente sujeitos à Sobrecarga Sensorial Informativa: há tempo suficiente, sobra capacidade de atenção suficiente para que todas essas importantes questões sequer despontem no coração de um jovem -- que dirá para que sejam resolvidas? Talvez seja por isso que nos tornamos uma sociedade de desajustados espirituais e que dois de cada cinco norte-americanos sejam reconhecidamente doentes mentais.
É claro que, antes da Queda, quando o homem vivia em plena comunhão com Deus, seu Criador, a questão da existência de Deus não era suscitada. É apenas depois da Queda, quando o pecado passou a multiplicar-se geometricamente e a maioria da raça humana começou a perder o conceito do Único Deus Verdadeiro, é que o homem passou a se perguntar: há um Deus, há uma Verdade absoluta, e ela pode ser compreendida? No decorrer dos tempos, o homem decaído lidou com as questões da existência de Deus e da Verdade absoluta de uma variedade de maneiras falhas. Nosso século, que foi marcado pela reinvenção de todas as heresias de outrora, não deixou de abraçar também os sistemas filosóficos falhos do passado.
FALSAS VISÕES DE MUNDO
Definamos brevemente esses sistemas filosóficos falhos, para que possamos mais facilmente reconhecê-los em suas várias manifestações contemporâneas. Novamente recorreremos às definições concisas de Ivan Mikhailovich Andreev, nosso Professor de Teologia Apologética.
Ceticismo -- filosofia concebida em primeiro lugar pelos antigos gregos, posteriormente revivida na Europa após o chamado iluminismo. É um sistema de dúvida a respeito de tudo, que inclui a dúvida da existência de Deus e da verdade absoluta. Um cético responde à questão da existência da verdade absoluta dizendo: "Eu não sei." O ceticismo é estéril, na medida em que não faz qualquer esforço de vontade moral ou espiritual para apreender a Verdade absoluta. O ceticismo consistente se torna completamente impotente diante de questões sobre qualquer tipo de compreensão do mundo e do homem.
O criticismo é um sistema filosófico propagado por Immanuel Kant. É uma declaração de que a Verdade absoluta não é apreensível. À questão da existência de Deus e da Verdade absoluta, esse sistema responde: "Os métodos científicos são a única maneira de se provar concretamente qualquer coisa, e, uma vez que essas questões não podem ser respondidas pelo método científico, eu devo responder: não tenho como saber." O criticismo, no fim das contas, é tão-somente o reconhecimento da limitação do conhecimento científico e do método racional.
Os materialistas modernos convictamente adotaram uma combinação de ceticismo e criticismo como seu dogma e credo. Contudo, eles combinaram e modificaram as duas filosofias para satisfazer as suas necessidades. À réplica do cético "Eu não sei", o materialista contemporâneo acrescentou: "Eu estou ocupado demais conhecendo as coisas terrenas, e é reconfortante para mim saber (e sinto-me muito grato ao crítico por me informar) que eu não tenho como saber.
O positivismo, cujo principal divulgador foi Auguste Comte, é uma declaração de que a humanidade, em seu crescimento, passa por três estágios: o teológico, no qual predomina a fé; o metafísico, quando predomina a filosofia especulativa; e o positivo, no qual predomina a ciência. A resposta do positivismo à existência de Deus e da Verdade absoluta é: "Eu não quero saber disso."
O positivismo é a visão de mundo propagada pela série de TV e cinema "Jornada nas Estrelas". Com certeza a maioria de vocês são familiares a essa fantasia, na qual um grupo de humanóides se aventura pelo cosmo em busca de novas formas de vida e novas civilizações, corajosamente indo a lugares onde nenhum homem jamais chegará na realidade. A tripulação da espaçonave Enterprise (e, na última temporada da série, a espaçonave Voyager) viaja de planeta em planeta, supostamente encontrando civilizações formadas por seres em vários estágios do desenvolvimento evolutivo. Quanto mais desenvolvida é a raça encontrada, mais provável é que ela tenha abandonado qualquer crença no sobrenatural. Esse tema positivista é continuamente recorrente nos vários episódios da série, e procura martelar na cabeça do espectador a idéia de que as crenças religiosas são meras superstições e não têm credibilidade para o ser humano moderno. De acordo com Jornada nas Estrelas, tudo é explicável sem apelo ao sobrenatural.
Entretanto, o problema do positivismo é que, ao desligar-se das indagações mais importantes e urgentes do espírito humano, ele se emascula enquanto visão de mundo e vira uma maçaroca de conhecimentos científicos adequado apenas à satisfação de rasas questões práticas da vida. O positivismo sofre de uma ausência de vontade de aprender a Verdade. No fim das contas, aquilo que o Capitão Jean Luc Picard de Jornada nas Estrelas propagandeia como um gigantesco salto evolutivo para a frente é, na realidade, um gigantesco escorregão espiritual para trás.
O ateísmo é a afirmação de que não há nenhum Deus. O ateísmo é, em si, uma crença, uma vez que saber que não há nenhum Deus é impossível. Logo, o ateísmo é a fé na inexistência de Deus, a fé em não-Deus.
É claro que o ateísmo é o credo do socialismo e do comunismo. A grande multidão (mais de vinte milhões, pelas estimativas mais conservadoras) dos Novos Mártires e Confessores da Rússia que sofreram pela sua Fé ortodoxa em Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo atesta os extremos esforços militantes a que os ateístas inimigos de Deus tiveram que recorrer, em sua tentativa de inculcar suas falsas crenças nas massas. Na Rússia, o ateísmo fracassou miseravelmente, mas ele conseguiu um sucesso consideravelmente maior no Ocidente. Durante os anos 50 e começo dos 60, ele gradualmente virou o dogma do humanismo secular, que é a religião de facto da atual comunidade acadêmica. Nos EUA, à guisa de "separação entre Igreja e Estado", o Deus cristão foi totalmente excluído da sala de aula e só pode ser mencionado sob uma luz negativa. Por exemplo: muitas escolas da região de Rochester agora baniram até as decorações de Natal. No ano passado, quando um grupo de alunos, por sua própria iniciativa, colocou uma árvore de Natal no refeitório, a polícia foi chamada e a árvore foi prontamente removida. Tudo em nome da liberdade de expressão religiosa.
Todavia é impossível ao ateísmo satisfazer uma pessoa pensante. Sendo uma crença na ausência de Deus e da Verdade absoluta, ele se enreda numa massa de contradições e é incapaz de construir não só uma visão de mundo completa, mas sequer uma teoria mais ou menos satisfatória da matéria, que ele procura idolatrar imputando-lhe virtudes absolutas.
Não é surpreendente, portanto, que na América o ateísmo dos anos 50 e 60 tenha sido substituído pelo decadentismo e niilismo do final dos anos 60 e anos 70, que foi depois substituído pelo materialismo dos anos 80 e agora, nos anos 90, está sendo substituído por um retorno ao panteísmo pagão. O homem não pode viver sem Deus. Contudo, por causa de décadas de escárnio e guerra aberta contra o Verdadeiro Deus dos cristãos, o homem contemporâneo não consegue retornar ao Cristo e volta-se para outros deuses. Simplesmente não é politicamente correto admitir ser um cristão crente e praticante. Porém, ser um panteísta é agora perfeitamente aceitável. É considerado até esclarecido.
O panteísmo é a crença de que Deus e a natureza são uma só e a mesma coisa. Ao identificar Deus e a natureza como um só ser, a fé do panteísmo emaranha-se em contradições insolúveis, uma vez que ele é incapaz de explicar a origem, o propósito ou o sentido do mundo e do homem. Ele fracassa também ao abordar a conveniência do universo e a origem do mal, bem como em oferecer qualquer base para a lei moral. O panteísmo é o arrimo do hinduísmo, que se manifestou no Ocidente como "o movimento da Nova Era". Esse paganismo da Nova Era está sendo disseminado em nossas escolas hoje, tanto aberta quanto veladamente. A idéia mais perniciosa dessa antiga ilusão reciclada é a de que, uma vez que Deus e a natureza são um, e o homem é a coroa da natureza, então o homem tem que ser Deus. Ele precisa apenas tomar consciência de seu potencial divino. Isso não soa surpreendentemente parecido com a promessa da serpente: "Bem podeis estar seguros que não haveis de morrer:... tanto que vós comerdes desse fruto, se abrirão vossos olhos; e vós sereis como uns deuses, conhecendo o bem e o mal"? O homem contemporâneo, orgulhosamente confiante em si, está sendo mais uma vez enganado pelo pai das mentiras.
É claro que, como cristãos ortodoxos, nós somos teístas. O teísmo é a crença em Deus não apenas como o Criador e a causa original, mas também como o Intelecto do universo. Deus não é uma parte do universo, embora se possa dizer que Ele deixou Sua marca em Sua criação, tal como se pode dizer que um artista põe parte de si em sua pintura. Mais do que isso: o homem pode estar em comunhão com Deus através dos Sacramentos e da oração. O aspecto mais perfeito do teísmo é representado pelo Cristianismo Ortodoxo. Apenas o Cristianismo, em sua forma original e inalterada -- isto é, a Santa Ortodoxia --, dá a visão de mundo mais regular, completa, profunda, abrangente, razoável, verificada e convincente e, ao mesmo tempo, a mais brilhante, jubilosa e vital.
Se o orgulho foi a causa da Queda, então a humildade é o primeiro passo para a salvação. Temos que aceitar humildemente que a Verdade Absoluta é incompreensível ao homem. Há, contudo, uma condição sob a qual o reconhecimento dessa Verdade é possível. Se há um Ser Superior, Todo-Perfeito, Absoluto (isto é, Deus), que é o Indivíduo, o Originador de tudo, o Criador, e se esse Ser absoluto deseja revelar a Verdade absoluta ao homem, então, e só então, essa Verdade pode se tornar acessível à nossa consciência. Em outras palavras, a Verdade absoluta ou é incognoscível (caso em que a vida é destituída de sentido) ou pode ser conhecida somente através da revelação de Deus ao homem. A Verdade absoluta é revelada por Deus! Onde tal revelação de Deus pode ser encontrada? Ela pode ser encontrada na Santa Igreja Ortodoxa.
Percebendo isso, nós começamos a ver que, apesar da Era da Informação tornar disponível para nós uma ampla variedade de dados, essa informação só pode ser de natureza temporal, insignificante -- que, na melhor das hipóteses, não nos deixa mais próximos da compreensão da Verdade eterna, e na pior nos distrai para longe dela. Apenas através do Cristo e de Sua santa Igreja é que podemos nos acercar de qualquer conhecimento de significado perpétuo.
O Cristo falou disso clara, aberta e definitivamente: Eu sou o Caminho, e a Verdade e a Vida.
Caros irmãos e irmãs: como devemos considerar essas palavras do Cristo? Nós podemos crer nelas, ou descrer delas e ignorá-las. Se nós optarmos por descrer, então isso quer dizer que optamos por "não acreditar em nada". Nós, como todos os homens, temos um livre arbítrio, e desse livre arbítrio depende a escolha daquilo em que cremos! Entretanto, com a liberdade vem a responsabilidade. A Santa Escritura é bem explícita quanto a isso. No Evangelho segundo São João se diz claramente a nós: Deus amou o mundo de tal maneira que deu o Seu Filho unigênito, para que todo aquele que Nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus enviou o Seu Filho ao mundo, não para que condenasse o mundo, mas para que o mundo fosse salvo por Ele. Quem crê Nele não é condenado; mas quem não crê já está condenado, porquanto não crê no nome do unigênito Filho de Deus. E a condenação é esta: que a luz veio ao mundo, e os homens amaram mais as trevas do que a luz...
Portanto, é extremamente importante para nós que compreendamos, clara e definitivamente, que não existe nada, fora de nós mesmos, que possa definitivamente nos impedir de crer em Deus, no Cristo e nas revelações de Deus dadas a nós por meio de Sua Santa Igreja!
Para aquele que age com fé em Deus, no Cristo e na Revelação Divina, não há contradições ou obstáculos no processo de construir uma visão de mundo completa; muito ao contrário, é precisamente com esta fé que se torna possível conhecer a Verdade absoluta.
O Professor Andreev faz outra observação interessante. Ele escreve: "Só quando o conhecimento é meramente superficial é que surgem perante o intelecto do homem contradições imaginárias entre a fé e o conhecimento, entre a religião e a ciência. Porém, com um conhecimento profundamente penetrante, essas contradições imaginárias desaparecem sem deixar vestígio. O conhecimento superficial freqüentemente afasta de Deus. O conhecimento profundo aproxima de Deus."
Este ponto é tão importante que vale a pena repetir:
O conhecimento superficial afasta de Deus.
O conhecimento profundo aproxima de Deus.
Aqui precisamos fazer uma distinção entre mera verdade e Sabedoria. Algo pode ser verdadeiro; por exemplo, se digo: "hoje não há neve no chão lá fora"; mas isso não será necessariamente muito profundo... A Verdade eterna, profunda, penetrante e sempre significativa é a Sabedoria. Verdades eternas são reveladas à humanidade principalmente através do Logos, a segunda Hipóstase da Santíssima Trindade, o Filho de Deus, nosso Salvador. É por isso que um de Seus atributos é a Sophia, a Sabedoria Divina. Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo é verdadeiramente o Caminho, e a Verdade, e a Vida, a Sabedoria Divina. Ele concede essa Sabedoria a nós através de Sua Santa Igreja -- os Santos Sacramentos, as Sagradas Escrituras, as obras dos Santos Padres, os Ofícios Divinos e a nossa participação na Vida da Igreja em geral.
COMO LEMBRAR-SE DE DEUS NA ERA DA INFORMAÇÃO?
Que espécie de conhecimento a moderna Era da Informação proporciona? Ele em algum modo se aproxima da Sabedoria? Ou será que, antes, ela proporciona uma "anti-sabedoria"? Daquilo que foi dito até agora, segue-se que certamente ela nos oferece uma riqueza de informações. Contudo, todos esses megabytes de informação correspondem a muito pouco conhecimento -- e menos sabedoria ainda, se é que propicia alguma. O fato é que a superabundância de informação na verdade dificulta o conhecimento. Você já não consegue mais ver a floresta, mas só as árvores. Logo, o resultado cumulativo de toda a informação que recebemos é, quando muito, um conhecimento muito superficial. Lembrem-se: o que o conhecimento superficial pode fazer conosco? Ele tem a potencialidade de nos afastar de Deus.
Até sociólogos seculares estão chegando a conclusões parecidas. Em seu livro The Future Does Not Compute [O Futuro Não Computa], Stephen Talbott assinala o seguinte:
Pouco há de novo em comentar a dispersão pessoal tão prontamente induzida pela cultura moderna. Os jornais diários exibem ao meu olhar ligeiro uma colagem das imagens e histórias mais dissonantes que se podem imaginar, cada uma ocupando uns poucos dedos de espaço e uns poucos instantes do meu tempo. O sofrimento nalguma guerra africana imediatamente leva a um eufórico ganhador da loteria, que por sua vez cede lugar para uma polêmica na Câmara de Vereadores, seguida dos resultados de pesquisas sobre hábitos (corporais) norte-americanos. A corrida de olhos na previsão do tempo, nos quadrinhos, nos esportes, nas resenhas literárias: é com tudo isso que me preparo para enfrentar o dia que se levanta. Minha atenção, ao invés de articular os problemas à vista numa meditação profunda, é casualmente -- quase despercebidamente – dissipada.
De modo semelhante, as chamadas da televisão se tornaram notórias; assim também a vertiginosa sucessão de imagens no cinema e no vídeo. Revistas e outdoors, o chilrar dos aparelhos de som portáteis e os intermináveis quilômetros de prateleiras dos varejistas atulhados com um cortejo diabolicamente encantador de mercadorias: todos concorrem por um momento da atenção subliminar de um sujeito de resto ausente, para que intenções alheias possam surtir efeito sobre mim. Tudo é calculado para evitar que eu permaneça firmemente em meu pleno domínio e escolha meus próprios rumos com espírito consciente. Tendo-me tornado impotente para digerir muito do que quer que seja, não tenho escolha senão ir junto com a onda e deixar-me carregar para onde quer que ela vá.
A lei crítica que está em ação aqui é: seja lá o que eu incorpore sem ter digerido plenamente, seja lá o que eu receba com atenção menos que plena, nem por isso essas coisas perdem sua capacidade de atuar sobre mim. Elas simplesmente agirão além das margens da minha consciência. Nada é esquecido, tudo é apenas negligenciado. Isso é tão verdadeiro para a "música de elevador" quanto para as imagens de um filme; tão verdadeiro para as frases de efeito da TV quanto para os anúncios dos varejistas. Abrir-me desatentamente para um mundo caótico, apreendendo superficialmente "uma coisa após a outra", é garantir um comportamento aleatório controlado por esse mundo, e não pelas minhas próprias e ponderadas escolhas.

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