Agora
chego afinal às duas mais importantes questões que são levantadas pela teoria
da evolução: a natureza do mundo criado primeiro, e a natureza do homem criado
primeiro, Adão.
Eu
creio que você expressa corretamente o ensinamento patrístico quando diz: “Os
animais tornaram-se corrompidos por causa do homem; a lei da selva é uma
conseqüência da queda do homem”. Eu também concordo com você, como já disse,
que o homem, do lado de seu corpo, está vinculado com e é uma parte orgânica do
todo da criação visível, e isso ajuda a fazer compreensível como a criação
inteira caiu junto com ele na morte e na corrupção. Mas você acha que essa é
uma prova da evolução, uma prova de que o corpo do homem evoluiu de alguma outra
criatura! Certamente se este fosse o caso, os Padres inspirados por Deus teriam
sabido sobre isso, e não teríamos tido que esperar pelos filósofos ateus dos
séculos XVIII e XIX para descobri-lo e falar-nos sobre isso!
Não,
os santos Padres acreditavam que a criação inteira caiu com Adão, mas eles não
acreditavam que Adão “evoluiu” de alguma outra criatura; por que deveria eu
acreditar diferentemente dos santos Padres? Agora eu chego a um ponto muito
importante. Você pergunta: “Como é que a queda de Adão trouxe corrupção e a lei
da selva aos animais, já que os animais foram criados antes de Adão? Nós
sabemos que os animais morriam, matavam e devoravam um ao outro desde seu
primeiro aparecimento na terra e não apenas após o aparecimento do homem”.
Como
você sabe isso? Tem certeza de que isso é o que os santos Padres ensinam? Você
explica seu ponto, não citando quaisquer santos Padres, mas dando uma filosofia
do “tempo”. Eu certamente concordo com você que Deus está fora do tempo; para
Ele tudo é presente. Mas esse fato não é uma prova de que os animais, que
morreram por causa de Adão, morriam antes dele cair. O que dizem os santos
Padres? É verdadeiro, decerto, que muitos santos Padres falam sobre animais
como já corruptíveis e mortais; mas estão falando sobre seu estado caído. E
quanto a seu estado antes da transgressão de Adão?
Há
uma pista muito significativa sobre isso no comentário do Gênesis de Santo
Efrém o Sírio. Quando fala das “peles” que Deus fez para Adão e Eva após sua
transgressão, Santo Efrém escreve:
Pode-se
supor que os primeiros pais, tocando suas cinturas com suas mãos, descobriram
que estavam vestidos com roupas feitas de peles de animais – mortos, pode ser,
perante seus próprios olhos, de forma que pudessem comer sua carne, cobrir sua
nudez com as peles, e em suas próprias mortes pudessem ver a morte dos seus
próprios corpos. (Comentário sobre o Gênesis, cap. 3).
Discutirei
abaixo o ensinamento patrístico da imortalidade de Adão antes de sua
transgressão, mas aqui estou somente interessado na questão de se os animais
morriam antes da queda. Por que deveria Santo Efrém sugerir que Adão aprenderia
acerca da morte por ver a morte de animais – se ele já tivesse visto a morte de
animais antes de sua transgressão (que ele certamente teria de acordo com a
visão evolucionária)? Mas essa é apenas uma sugestão; há outros santos Padres
que falam bastante definidamente sobre esse assunto, como mostrarei num
momento.
Mas
primeiro eu devo perguntar-lhe: se é verdadeiro, como você diz, que animais morriam
e a criação era corrompida antes da transgressão de Adão, então como pode ser
isso, que Deus olhou para Sua criação após cada um dos Dias da Criação e “viu
que era bom”, e após criar os animais no Quinto e no Sexto Dias Ele “viu que
eram bons”, e ao fim dos Seis Dias, após a criação do homem, “Deus viu todas as
coisas que Ele tinha feito, e observou, elas eram muito boas”. Como podiam elas
ser “boas” se fossem já mortais e corruptíveis, contrárias ao plano de Deus
para elas? As cerimônias Divinas da Igreja Ortodoxa contêm muitas comoventes
passagens de lamentação pela “criação corrompida”, bem como expressões de
alegria por Cristo por Sua Ressurreição ter “reconvocado a criação corrompida”.
Como poderia Deus ver essa lamentável condição da criação e dizer que era
“muito boa”? E novamente, lemos no sagrado texto do Gênesis: “E Deus disse,
vejam que lhes dei toda erva portando semente que está sobre toda a terra, e
toda árvore que tem nela mesma o fruto da semente que é plantada, para que lhes
sejam alimento. E para todas as feras selvagens da terra, e para todas as
criaturas voadoras do céu, e para todo réptil rastejando sobre a terra, que têm
neles o sopro da vida, ainda toda planta verde por alimento; e assim foi”. (Gn 1, 29-30). Por que, se os animais devoravam-se um ao outro antes
da queda, como você diz, Deus deu a eles, até “todas as feras selvagens e todo
réptil” (muitos dos quais são agora estritamente carnívoros) apenas “plantas
verdes por alimento”? Apenas muito depois da transgressão de Adão, Deus disse a
Noé: “E todo réptil que está vivendo seja para você carne; eu lhe dei todas as
coisas como as verdes ervas”. (Gn 9, 3). Você não sente aqui a presença de um
mistério que por enquanto tem-lhe escapado porque você insiste em interpretar o
sagrado texto do Gênesis por meio da teoria evolucionária moderna, a qual não
admitirá que os animais possam jamais ter sido de uma natureza diferente
daquela que eles agora possuem?
Mas
os santos Padres claramente ensinam que os animais (bem como o homem) eram diferentes
antes da transgressão de Adão! Assim, São João Crisóstomo escreve:
É
claro que o homem no princípio tinha completa autoridade sobre os animais.
(...) Mas que agora estamos temerosos e terrificados por feras e não temos
autoridade sobre elas, isso eu não nego. (...) No princípio não era assim, mas
as feras temiam e tremiam e se submetiam ao seu mestre. Mas quando pela
desobediência ele perdeu a valentia, então também sua autoridade foi diminuída.
Que todos os animais eram sujeitos ao homem, ouça o que a Escritura diz: Ele
trouxe as feras e todas as criaturas irracionais para Adão ver de que iria
chamá-las. (Gn 2, 19) E ele, vendo as feras perto dele, não fugiu, mas como um
outro senhor ele dá nomes aos escravos que lhe são sujeitos, já que deu nomes a
todos os animais. (...) Isso já é suficiente como prova de que as feras no
princípio não eram assustadoras para o homem. Mas há uma outra prova não menos
poderosa e ainda mais clara? Qual? A conversa da serpente com a mulher. Se as
feras tivessem sido assustadoras ao homem, então vendo a serpente a mulher não
teria parado, não teria tomado seu conselho, não teria conversado com ela com
tal destemor, mas imediatamente ao vê-la teria ficado terrificada e fugiria.
Mas observe, ela conversa e não está com medo; não houve ainda então nenhum
medo. (Homilias sobre o Gênesis, IX, 4).
Não
está claro que São João Crisóstomo lê a primeira parte do texto do Gênesis
“como está escrita”, como um relato histórico do estado do homem e da criação
antes da transgressão de Adão, quando tanto o homem quanto os animais eram
diferentes do que agora são? Similarmente, São João Damasceno nos diz que
Àquele
tempo a terra trouxe dela mesma frutos para o uso dos animais que estavam
sujeitos ao homem, e não havia nem chuvas violentas sobre a terra, nem
tormentas invernais. Mas após a queda, quando ele foi comparado a feras
insensatas e foi tornado parecido com elas (...) então a criação sujeita a ele
levantou-se contra esse regulador apontado pelo Criador. (Da Fé Ortodoxa,
Livro II, cap. 10).
Talvez
você vá objetar que no mesmo lugar São João Damasceno também diz, falando da
criação dos animais, “Tudo era para o adequado uso do homem. Dos animais,
alguns eram para alimento, como cervos, ovelhas, gazelas, e outros assim”. Mas
você deve ler essa passagem no contexto; pois ao fim desse parágrafo nós lemos
(bem como você notou que Deus criou o homem masculino e feminino preconhecendo
a transgressão de Adão):
Deus
sabia todas as coisas antes que fossem feitas e Ele viu que o homem em sua liberdade
cairia e seria entregue à corrupção; porém para o adequado uso do homem Ele fez
todas as coisas que estão no céu e na terra e na água.
Você
não vê a partir das Santas Escrituras e dos santos Padres que Deus cria
criaturas de forma que elas vão ser úteis ao homem mesmo em seu estado
corrompido? Mas Ele não as cria já corrompidas, e elas não estavam corrompidas
até que Adão pecou.
Mas
voltemos agora para um santo Padre que fala bem explicitamente sobre a
incorrupção da criação antes da desobediência de Adão: São Gregório o Sinaíta.
Ele é um santo Padre da mais alta vida espiritual e solidez teológica, que
atingiu as alturas da visão Divina. Na russa Philokalia ele escreve:
A
criação presentemente existente não foi originalmente criada corruptível; mas
depois ela caiu sob a corrupção, sendo feita sujeita à vaidade, segundo a
Escritura, não voluntariamente, mas por razão dele, Adão, que a sujeitou na
esperança da renovação de Adão que se tinha tornado sujeito à corrupção. (Rm 8,
20) Ele que renovou e santificou Adão renovou a criação também, mas Ele ainda
não a libertou da corrupção. (Capítulos sobre Mandamentos e Dogmas, 11).
Mais
além, o mesmo Padre nos dá notáveis detalhes sobre o estado da criação (em
particular, do Paraíso) antes da transgressão de Adão:
Éden
é um lugar no qual foi plantado por Deus todo tipo de Planta fragrante. Não é
nem completamente incorruptível, nem inteiramente corruptível. Localizado entre
corrupção e incorrupção, está sempre tanto abundante em frutos quanto
desabrochando com flores, tanto maduro quanto imaturo. As árvores e frutos
maduros são convertidos em fragrante terra que não exala nenhum odor de
corrupção, como fazem as árvores deste mundo. Isso é pela abundância da graça
da santificação que é constantemente despejada lá. (Ibid., 10).
(Essa
passagem é expressa no tempo verbal do presente – porque o paraíso em que Adão
foi posto ainda está em existência, mas não é visível para os nossos órgãos
normais dos sentidos).
O que
dirá você dessas passagens? Estará você ainda tão certo, como a “uniformitária”
filosofia evolucionária ensina, de que a criação antes da queda era exatamente
a mesma que é agora após a queda? A Santa Escritura nos ensina que “Deus não
fez morte” (Sb 1,13), e São João Crisóstomo ensina que
Bem
como a criatura
se tornou corruptível quando seu corpo se tornou corruptível, assim também
quando seu corpo for incorrupto, a criatura também o acompanhará e se tornará
correspondente a ele. (Homilias sobre Romanos, XIV, 5).
E São
Macário o Grande diz:
Adão
foi posto como o senhor e rei de todas as criaturas. (...) Mas após seu
cativeiro, foi feita cativa junto com ele a criação que o serviu e se submeteu
a ele, porque através dele a morte veio a reinar sobre toda alma. (Homilia 11)
O
ensinamento dos santos Padres, se o aceitamos “como está escrito” e não
tentamos reinterpretá-lo por meio de nossa sabedoria humana, é claramente que o
estado das criaturas antes da transgressão de Adão era bem diferente do seu
estado presente. Eu não estou tentando dizer-lhe que eu sei precisamente qual
era esse estado; esse estado entre corrupção e incorrupção é muito misterioso
para nós que vivemos inteiramente em corrupção. Um outro grande Padre Ortodoxo,
São Simeão o Novo Teólogo, ensina que a lei da natureza que nós agora
conhecemos é diferente da lei da natureza antes da transgressão de Adão. Ele
escreve:
As
palavras e decretos de Deus se tornam a lei da natureza. Portanto também o
decreto de Deus pronunciado por Ele como resultado da desobediência do primeiro
Adão – isto é, o decreto para ele de morte e corrupção – tornou-se a lei da
natureza, eterna e inalterável. (Homilia 38, edição Russa).
Qual
era a “lei da natureza” antes da transgressão de Adão, qual de nós homens
pecadores pode definir? Certamente a ciência natural, vinculada inteiramente a
sua observação do presente estado da criação, não pode investigar isso.
Então
como sabemos qualquer coisa em absoluto sobre isso? Obviamente, porque Deus
revelou alguma coisa disso a nós através da Sagrada Escritura. Mas sabemos
também, dos escritos de São Gregório o Sinaíta (e outros escritos que devo
citar abaixo), que Deus revelou algo além do que está nas Escrituras. E isso me
traz a uma outra extremamente importante questão levantada pela evolução.
A natureza do homem
E
agora eu chego à final e mais importante questão que é levantada para a
teologia Ortodoxa pela moderna teoria da evolução: a natureza do homem, e em
particular a natureza do homem criado primeiro, Adão. Eu digo que essa é a
“mais importante questão” levantada pela evolução porque a doutrina do homem,
antropologia, toca mais proximamente na teologia, e aqui talvez se torne mais
possível identificar teologicamente o erro do evolucionismo. È bem conhecido
que a Ortodoxia ensina muito diferentemente do Catolicismo Romano a respeito da
natureza humana e da Divina graça, e agora eu devo tentar mostrar que a visão
teológica da natureza do homem que está implicada na teoria da evolução, e que
você explicitamente expôs em sua carta, não é a visão Ortodoxa do homem, mas é
muito mais próxima da visão Católica Romana; e essa é apenas uma confirmação do
fato de que a teoria da evolução, longe de ser ensinada por algum Padre
Ortodoxo, é simplesmente um produto da mentalidade apóstata Ocidental e até, a
despeito do fato de que originalmente fosse uma “reação” contra o Catolicismo
Romano e o Protestantismo, tem profundas raízes na tradição escolástica
Papista.
A
visão da natureza humana e da criação de Adão que você expôs em sua carta é
muito influenciada por sua opinião de que Adão, em seu corpo, era uma “fera
evoluída”. Essa opinião você obteve, não dos santos Padres (pois você não pode
encontrar um Padre que acreditasse nisso, e eu já mostrei que os Padres de fato
acreditavam bastante “literalmente” que Adão foi criado do pó e não de qualquer
outra criatura), mas da ciência moderna. Olhemos então, antes de tudo, para a
visão patrística Ortodoxa da natureza e do valor do conhecimento científico,
secular, particularmente em relação ao conhecimento teológico, revelado.
Essa
visão patrística é muito bem exposta pelo grande Padre hesicasta, São Gregório
Palamás, que foi forçado a defender a teologia e a experiência espiritual
Ortodoxas precisamente contra um racionalista Ocidental, Barlaam, que desejava
reduzir a experiência e o conhecimento espirituais do hesicasmo a algo
atingível por ciência e filosofia. Ao respondê-lo, São Gregório expôs
princípios gerais que são bem aplicáveis no nosso próprio dia, quando
cientistas e filósofos pensam que podem entender os mistérios da criação e da
natureza do homem melhor que a teologia Ortodoxa. Ele escreve:
O
princípio da sabedoria é ser suficientemente sábio para distinguir e preferir à
sabedoria que é baixa, terrestre e vã, aquela que é verdadeiramente útil,
celeste e espiritual, aquela que vem de Deus e conduz a Ele e que torna
conformáveis a Deus aqueles que a adquirem. (Defesa dos Santos Hesicastas,
tríade I, 2).
Ele
ensina que a segunda sabedoria sozinha é boa em si mesma, enquanto a primeira é
tanto boa quanto má:
A
prática das graças de diferentes linguagens, o poder da retórica, conhecimento
histórico, a descoberta dos mistérios da natureza, os vários métodos da lógica
(...) todas essas coisas são ao mesmo tempo boas e más, não apenas porque elas
são manifestadas de acordo com a idéia daqueles que a usam e facilmente tomam a
forma que lhes é dada pelo ponto de vista daqueles que as possuem, mas também
porque seu estudo é uma boa coisa apenas à medida que desenvolva no olho da
alma uma visão penetrante. Mas é ruim para alguém que se entregue a esse estudo
a fim de permanecer nele até a idade avançada. (Ibid., tríade I, 6).
Mais além, ainda:
Se um
dos Padres diz a mesma coisa que dizem aqueles de fora, a concordância é apenas
verbal, o pensamento sendo muito diferente. Aquele, de fato, tem, segundo
Paulo, a mente de Cristo (I Cor 2,16), enquanto estes expressam no máximo um
raciocínio humano. Como o céu é distante da terra, assim é Meu pensamento
distante dos seus pensamentos, disse o Senhor (Is 55, 9). Além disso, mesmo se
o pensamento desses homens fosse às vezes o mesmo daqueles de Moisés, Salomão,
ou seus imitadores, em que isso os beneficiaria? Qual homem de sólido espírito
e pertencente à Igreja poderia disso extrair a conclusão de que seu ensinamento
vem de Deus? (Ibid., tríade I, 11).
Do
conhecimento secular, São Gregório escreve,
Nós
proibimos esperar qualquer precisão que seja no conhecimento das coisas
Divinas; pois não é possível extrair dele nenhum ensinamento certo no assunto
de Deus. Pois “Deus o fez tolo”. (Ibid., tríade I, 12).
E
esse conhecimento pode também ser prejudicial e lutar contra a verdadeira
teologia:
O
poder dessa razão que foi feita tola e não-existente entra em batalha contra
aqueles que aceitam as tradições em simplicidade de coração; despreza os escritos
do Espírito, atrás do exemplo de homens que os trataram descuidadamente e
puseram a criação contra o Criador. (Ibid., tríade I, 15).
Dificilmente
poderia haver um melhor relato que esse do que os modernos “evolucionistas
Cristãos” tentaram fazer pensando-se mais sábios que os santos Padres, usando o
conhecimento secular para reinterpretar o ensinamento da Sagrada Escritura e
dos santos Padres. Quem pode deixar de ver que o espírito racionalista,
naturalista de Barlaam é bastante próximo daquele do evolucionismo moderno?
Mas
note que São Gregório está falando de conhecimento científico o qual, em seu
próprio nível, é verdadeiro; este só se torna falso por guerrear contra o mais
alto conhecimento da teologia. É a teoria da evolução mesmo verdadeira
cientificamente?
Eu já
falei nesta carta da natureza dúbia da evidência científica para a evolução em
geral, sobre a qual eu ficaria contente de lhe escrever numa outra carta. Aqui
eu devo dizer uma palavra especificamente sobre a evidência científica para a
evolução humana, já que aqui nós começamos a tocar no reino da teologia
Ortodoxa.
Você
diz em sua carta que está feliz de não ter lido os escritos de Teilhard de
Chardin e outros exponentes da evolução no Ocidente; você aproxima essa questão
toda “simplesmente”. Mas eu temo que isso seja onde você cometeu um erro. Está
bem e bom aceitar os escritos da Santa Escritura e dos santos Padres
simplesmente; esse é o jeito com que deveriam ser aceitos, e é o jeito como eu
tento aceitá-los. Mas por que deveríamos aceitar os escritos de modernos
cientistas e filósofos “simplesmente”, meramente tomando sua palavra quando
eles nos dizem que algo é verdadeiro – mesmo se essa aceitação nos forçar a
mudar nossas visões teológicas? Pelo contrário, devemos ser muito críticos
quando os homens sábios modernos nos dizem como devíamos interpretar as Santas
Escrituras. Nós devemos ser críticos não apenas a respeito de sua filosofia,
mas também a respeito da “evidência científica” que eles pensam que suporta sua
filosofia; pois freqüentemente essa “evidência científica” é ela mesma
filosofia.
Isso
é especialmente verdadeiro do cientista Jesuíta Teilhard de Chardin; pois não
somente ele escreveu a mais completa e influente filosofia e teologia baseada
na evolução, mas ele esteve também intimamente ligado com a descoberta e
interpretação de quase toda a evidência fóssil para a “evolução do homem” que
foi descoberta em seu tempo de vida.
E
agora eu devo perguntar-lhe uma questão científica muito elementar: qual é a
evidência para a “evolução do homem”? Nessa questão também eu não posso entrar
em detalhe nesta carta, mas eu vou discuti-la brevemente. Eu posso escrever
mais em detalhe mais tarde, se você quiser.
A
evidência fóssil científica para a “evolução do homem” consiste em: Homem
Neandertal (muitos espécimes); Homem Peking (muitas caveiras); os “homens”
chamados Java, Heidelberg, Piltdown (até 20 anos atrás), e os recentes achados
na África: todos extremamente fragmentários; e poucos outros fragmentos. A
evidência fóssil total para a “evolução do homem” poderia ser contida numa
caixa do tamanho de um pequeno esquife, e é de partes amplamente separadas da
terra, sem indicação confiável de nem relativa (muito menos “absoluta”) idade,
e sem qualquer indicação de como esses diferentes “homens” estavam conectados
um com o outro, seja por descendência ou parentesco.
Mais
além, um desses “ancestrais evolucionários do homem”, “Homem Piltdown”, foi
descoberto 20 anos atrás ter sido uma fraude deliberada. Agora é um fato
interessante que Teilhard de Chardin fosse um dos “descobridores” do “Homem
Piltdown” – um fato que você não vai encontrar na maioria dos livros ou em
biografias dele. Ele “descobriu” o dente canino dessa criatura fabricada – um
dente que já tinha sido tingido com o intento de causar engano em relação a sua
idade quando o encontrou! Eu não tenho evidência para dizer que Teilhard de
Chardin conscientemente participou na fraude; eu acho mais provável que ele
fosse a vítima do real perpetrador da fraude, e que ele estivesse tão ansioso
em encontrar prova para a “evolução do homem” na qual ele já acreditava, que
ele simplesmente não prestou nenhuma atenção nas dificuldades anatômicas que
esse “homem” cruamente fabricado apresentava para qualquer observador objetivo.
E ainda nos livros evolucionários impressos antes da descoberta da fraude, o
Homem Piltdown é aceito como um ancestral evolucionário do homem sem
questionamento; sua “caveira” é até ilustrada (muito embora somente fragmentos
de um crânio tenham sido descobertos); e é confiantemente afirmado que “ele
combina características humanas com outras muito retardadas” (Tracy L. Storer, Zoologia
Geral , NY, 1951). Isso, é claro, é só o que é requerido para um “elo
perdido” entre homem e macaco, e é por que a fraude Piltdown foi composta
precisamente de uma mistura de ossos humanos e de macaco.
Algum
tempo mais tarde esse mesmo Teilhard de Chardin participou na descoberta, e
acima de tudo na “interpretação”, do Homem Peking. Muitas caveiras foram
achadas dessa criatura, e ele era o melhor candidato que tinha sido achado até
então como o “elo perdido” entre o homem moderno e os macacos. Graças a sua
“interpretação” (pois então ele tinha estabelecido uma reputação como um dos
principais paleontólogos do mundo), o
“Homem Peking” também entrou nos livros evolucionários como um ancestral
do homem – em extremo desdém do fato incontestado de que os ossos humanos
modernos foram encontrados no mesmo depósito, e para qualquer um sem
preconceitos “evolucionários” estava claro que esse “Macaco Peking” tinha sido
usado como comida pelos seres humanos (pois havia um buraco na base de toda
caveira de “Homem Peking” pelo qual os cérebros tinham sido extraídos).
Teilhard
de Chardin também esteve conectado com a descoberta e acima de tudo a
interpretação de alguns dos achados de “Homem Java”, que eram fragmentários. Na
verdade, a todo lugar que ele fosse ele encontrava “evidência” que combinava
exatamente com suas expectativas – nomeadamente, que o homem tivesse “evoluído”
de criaturas simiescas.
Se
você for examinar objetivamente toda a evidência fóssil para a “evolução do
homem”, eu creio que você vai descobrir que não há qualquer evidência
conclusiva nem remotamente razoável para essa “evolução”. A evidência é
acreditada ser prova para a evolução humana porque os homens querem acreditar
nisso; eles crêem numa filosofia que requer que o homem tenha evoluído de
criaturas simiescas. De todos os “homens” fósseis somente o Homem Neandertal
(e, claro, o Homem Cro-Magnon, que é simplesmente o homem moderno) parece ser
genuíno; e ele é simplesmente “Homo Sapiens”, não diferente do homem moderno
quanto os homens modernos são diferentes uns dos outros, uma variação dentro de
uma espécie ou tipo definido. Por favor, note que as figuras de Homem Neandertal
em livros evolucionários são a invenção de artistas que têm uma idéia
preconcebida de com que o “homem primitivo” deve ter parecido, baseada na
filosofia evolucionária!
Eu
disse o bastante, creio, não para mostrar que eu posso “desprovar” a “evolução
do homem” (pois quem pode provar ou desprovar qualquer coisa com tão
fragmentária evidência?!), mas para indicar que devemos ser muito críticos
mesmo das interpretações enviesadas de tão escassa evidência. Deixemos para
nossos pagãos modernos e seus filósofos ficarem excitados com a descoberta de
toda nova caveira, osso, ou mesmo de um único dente, sobre os quais as
manchetes de jornal declaram: “Novo Ancestral do Homem Achado”. Esse nem é o
reino do vão conhecimento; é o reino das modernas fábulas e contos de fadas, de
um saber que verdadeiramente se tornou espantosamente tolo.
Para
onde o Cristão Ortodoxo torna se deseja aprender a verdadeira doutrina da
criação do mundo e do homem? São Basílio nos diz claramente:
Por
onde devo começar minha narração? Devo refutar a vaidade dos gentios? Ou devo
proclamar nossa verdade? Os sábios homens dos Gregos escreveram muitas obras
sobre a natureza, mas nem um relato entre eles permaneceu inalterado e
firmemente estabelecido, pois o relato posterior sempre derrubou o precedente.
Como conseqüência, não há necessidade para nós de refutar suas palavras: eles
avaliam mutuamente por seu próprio desfazer. (Hexaemeron, I, 2).
Como
São Basílio,
Deixemos
os relatos dos forasteiros para aqueles de fora, e tornemos à explicação da
Igreja. (Hexaemeron, III ,
3).
Como ele,
Examinemos
a estrutura do mundo e contemplemos o universo inteiro, começando, não da
sabedoria do mundo, mas do que Deus ensinou a Seu servo quando Ele falou a ele
em pessoa e sem enigmas. (Hexaemeron, VI, 1).
Agora,
antes de examinar o ensinamento patrístico da natureza do homem, vou admitir
que essa palavra “natureza” pode ser um pouco ambígua, e que alguém pode achar
passagens onde os santos Padres usam a expressão “natureza humana” do jeito que
é usada no discurso comum, como se referindo a esta natureza humana caída cujos
efeitos nós observamos todo dia. Mas há um mais alto ensinamento patrístico da
natureza humana, uma específica doutrina da natureza humana, dada por revelação
Divina, a qual não pode ser entendida ou aceita por alguém que acredite em
evolução. A doutrina evolucionária da natureza humana, baseada numa visão do
“senso comum” da natureza humana caída, é o ensinamento Católico Romano, não o
Ortodoxo.
A
doutrina Ortodoxa da natureza humana é exposta mais concisamente nas Instruções
Espirituais de Abba Dorotheus. Esse livro é aceito na Igreja Ortodoxa como
o “ABC”, o livro básico da espiritualidade Ortodoxa; é a primeira leitura
espiritual que um monge Ortodoxo é dado, e permanece sua constante companhia
pelo resto da sua vida, para ser lido e relido. É muito significativo que a
doutrina Ortodoxa da natureza humana seja exposta na própria primeira página
desse livro, porque essa doutrina é a fundação da vida espiritual Ortodoxa inteira.
Qual
é essa doutrina? Abba Dorotheus escreve nas primeiríssimas palavras de sua
Primeira Instrução:
No
princípio, quando Deus criou o homem (Gn 2, 20), Ele o colocou no Paraíso e o
adornou com toda virtude, dando a ele o mandamento de não provar da árvore que
estava no meio do Paraíso. E assim ele permaneceu lá no aproveitamento do
Paraíso; em oração, em visão, em toda glória e honra, tendo sólidos sensos e
estando na mesma condição natural na qual foi criado. Pois Deus criou o homem
segundo Sua própria imagem, isto é, imortal, mestre de si mesmo, e adornado com
toda virtude. Mas quando ele transgrediu o mandamento, comendo o fruto da
árvore da qual Deus tinha lhe mandado não provar, então ele foi banido do
Paraíso (Gn 3), caiu da condição natural, e caiu numa condição contra a
natureza, e então ele permaneceu em pecado, em amor da glória, em amor pelos
divertimentos desta idade e de outras paixões, e ele foi governado por elas,
pois ele mesmo se tornou seu escravo através da transgressão.
(O
Senhor Jesus Cristo) aceitou nossa própria natureza, a essência de nossa
constituição, e se tornou um novo Adão na imagem de Deus Que criou o primeiro
Adão; Ele renovou a condição natural e fez os sensos novamente sólidos, como
eram no princípio.
Os
filhos da humildade da sabedoria são: auto-repreensão, não confiar em sua
própria mente, aversão de sua própria vontade; pois através deles um homem é
capacitado a vir a si mesmo e retornar à condição natural através da
purificação de si mesmo pelos santos mandamentos de Cristo.
A
mesma doutrina é exposta por outros Padres ascetas. Assim Abba Isaiah ensina:
No
princípio, quando Deus criou o homem, Ele o colocou no Paraíso, e ele tinha
então sólidos sensos, que ficavam em sua ordem natural; mas quando ele obedeceu
o que o enganou, todos os seus sensos foram mudados num estado inatural, e ele
foi então lançado fora da sua glória. (Da Lei Natural, Philokalia Russa,
II, 1).
E o
mesmo Padre continua:
Então
que quem deseja vir a sua condição natural corte fora todos os seus desejos
carnais, de forma a se colocar na condição de acordo com a natureza da mente
(espiritual). (Ibid. II, 2).
Os
santos Padres claramente ensinam que, quando Adão pecou, o homem não meramente
perdeu algo que tivesse sido adicionado a sua natureza, mas antes a própria
natureza humana foi mudada, corrompida, ao mesmo tempo em que o homem perdeu a
graça de Deus. As Divinas cerimônias da Igreja Ortodoxa também, que são uma
fundação do nosso ensinamento dogmático e da vida espiritual Ortodoxa,
claramente ensinam que a natureza humana que agora observamos não é natural
para nós, mas foi corrompida:
Curando
a natureza humana, que se tinha tornado corrompida pela antiga transgressão,
sem corrupção uma criança é nascida novamente. (Menaion, Dez. 22,
Matinas, Theotokion do 6º Cântico do Cânon).
E de
novo:
O
Criador e Senhor, desejando salvar da corrupção a corrompida natureza humana,
tendo vindo habitar um útero limpado pelo Espírito Santo, é impronunciavelmente
formado. (Menaion, Jan. 23, Theotokion, do 6º Cântico do Cânon de
Matinas).
Pode
ser notado em tais hinos também que nossa inteira concepção Ortodoxa da
Encarnação de Cristo e de nossa salvação através Dele é vinculada com um
próprio entendimento da natureza humana como era no princípio, para a qual
Cristo nos restituiu. Nós acreditamos que nós viveremos um dia com Ele num
mundo muito parecido com o mundo que existiu, aqui nesta terra, antes da queda
de Adão, e que nossa natureza será então a natureza de Adão – apenas ainda mais
alta, porque tudo material e mutável será então deixado para trás.
E
agora devo mostrar-lhe mais além que mesmo sua doutrina da natureza humana como
é agora neste mundo caído, é incorreta, não está de acordo com o ensinamento
dos santos Padres. Talvez seja um resultado de descuidada expressão da sua
parte – mas eu creio que seja provavelmente precisamente porque você foi levado
ao erro por acreditar na teoria da evolução – que você escreve: “Separado de
Deus o homem é de sua natureza absolutamente nada, porque sua natureza é o pó do
chão, como a natureza dos animais”. Porque você acredita na filosofia da
evolução, você é forçado ou a acreditar que a natureza humana seja somente uma
baixa, animal natureza, como você de fato expressa por dizer que “o homem não é
naturalmente a imagem de Deus”; ou no máximo (já que eu penso que você não
realmente crê nisso, sendo Ortodoxo), você divide a natureza humana
artificialmente em duas partes: aquela que é da “natureza” e aquela que é de
Deus. Mas a verdadeira antropologia Ortodoxa ensina que a natureza humana é
uma, é aquela que temos de Deus; nós não temos alguma natureza “dos animais” ou
“do pó” que seja diferente da natureza com a qual Deus nos criou. E, portanto,
mesmo a caída, corrompida natureza humana que temos agora não é “absolutamente
nada”, como você diz, mas ainda preserva em algum grau a “bondade” em que Deus
a criou. Observe o que Abba Dorotheus escreve dessa doutrina:
Nós
temos naturalmente as virtudes dadas a nós por Deus. Pois quando Deus criou o
homem, Ele semeou virtudes nele, como também Ele disse: “Criemos o homem à
nossa imagem e semelhança” (Gn 2, 26). É dito: “À nossa imagem” visto que Deus
criou a alma imortal e com autoridade sobre si mesma, e “à nossa semelhança”,
referindo-se a virtudes. (...) Por natureza Deus nos deu virtudes. Mas as
paixões não nos pertencem por natureza, pois elas nem mesmo têm qualquer
substância ou composição. (...) Mas a alma em seu amor do prazer, tendo
declinado das virtudes, instila as paixões em si mesma e as fortalece contra si
mesma. (Instrução XII, Do medo de tormento futuro).
Mais
ainda, essas virtudes dadas por Deus ainda se exercem mesmo em nosso estado
caído. Esse é o extremamente importante ensinamento Ortodoxo de São João
Cassiano, que assim refutou o erro do Abençoado Agostinho, que de fato
acreditava que o homem separado da graça de Deus era “absolutamente nada”. São
Cassiano ensina em sua Décima Terceira Conferência:
Que a
raça humana após a queda em verdade não perdeu o conhecimento do bem é afirmado
pelo Apóstolo, que diz: Quando os gentios, que não têm a lei, fazem por
natureza aquelas coisas que são da lei, esses que não têm a lei são uma lei
para si mesmos, que mostram o trabalho da lei escrita em seus corações (Rm. 2,
14-16). E novamente para os fariseus Ele disse que eles podem conhecer a
verdade: Por que mesmo de vocês próprios vocês não julgam aquilo que é justo?
(Lc. 12, 57). Ele não teria dito isso se eles não pudessem ter discernido o que
é justo por sua razão natural. Portanto não se devia pensar que a natureza
humana seja capaz apenas de mal. (Décima Terceira Conferência, 12).
Do
mesmo modo, com relação ao justo Job, São Cassiano pergunta se “ele conquistou
as várias armadilhas do inimigo nessa batalha à parte de sua própria virtude,
mas somente com a assistência da graça de Deus” e ele responde:
Job
conquistou-o por seu próprio poder. Entretanto, a graça de Deus também não
abandonou Job; para que o tentador não o oprimisse com tentações acima de sua
força, ela (a graça de Deus) permitiu-lhe ser tentado tanto quanto a virtude do
tentado pudesse agüentar. (Conferência XIII, 14).
Ainda,
com relação ao Patriarca Abraão,
A
justiça de Deus desejou testar a fé de Abraão, não aquela que o Senhor tinha
instilado nele, mas aquela que ele mostrou por sua própria liberdade. (ibid.).
É
claro, a razão por que Agostinho (e o Catolicismo Romano, e o Protestantismo
depois dele) acreditava que o homem não fosse nada sem a graça, era porque ele
tinha uma concepção incorreta da natureza humana, baseada numa visão
naturalista do homem. A doutrina Ortodoxa, por outro lado, da natureza humana
como foi criada no princípio por Deus e está ainda agora preservada em parte em
nosso estado caído, nos previne de cair em qualquer tão falso dualismo entre o
que é “do homem” e o que é “de Deus”. Para ser claro, tudo de bom que o homem
tem é de Deus, não menos sua própria natureza, pois a Escritura diz, “O que
tens tu que tu não tenhas recebido” (1 Cor. 4, 7). O homem não tem “natureza
animal” como tal e nunca teve; ele tem apenas a completamente humana natureza
que Deus lhe deu no princípio, e que ele não perdeu inteiramente nem agora.
É
necessário citar para você a multidão de clara evidência patrística de que a
“imagem de Deus”, que é para ser encontrada na alma, refere-se à natureza do
homem e não é algo adicionado de fora? Seja suficiente citar o maravilhoso
testemunho de São Gregório o Teólogo, mostrando como o homem por sua
constituição fica entre dois mundos, e é livre para seguir qual seja o lado de
sua natureza que queira:
Eu
não entendo como me tornei juntado ao corpo e como, sendo a imagem de Deus, eu
me tornei misturado com sujeira. (...) Que sabedoria é revelada em mim, e que
grande mistério! Não foi por isso que Deus nos levou para dentro desta guerra e
batalha com o corpo, que nós, sendo uma parte da Divindade (quão ousadamente o
Teólogo fala da natureza do homem, tão ousadamente que nós não podemos tomar
suas palavras absolutamente literalmente!) e procedendo de cima, não sejamos
arrogantes e exaltemo-nos por causa de nossa dignidade, e não desdenhemos o
Criador, mas direcionemos sempre nosso olhar para Ele, e de forma que nossa
dignidade mantenha dentro de amarras a infirmidade juntada a nós? – De forma
que saibamos que ao mesmo tempo somos tanto imensamente grandes quanto
imensamente baixos, terrenos e celestes, temporais e imortais, herdeiros da luz
e herdeiros de fogo ou escuridão, dependendo de para qual lado nos inclinamos?
Assim foi nossa constituição estabelecida, e isso, tanto quanto posso ver, foi
a fim de que o pó terreno nos humilhasse se imaginássemos nos exaltar por causa
da imagem de Deus. (Homilia 14, “Do Amor pelo Pobre”).
Essa
imagem de Deus que o homem possui por sua natureza não foi completamente
perdida nem entre os pagãos, como São João Cassiano ensina; não foi perdida nem
hoje, quando o homem, sob a influência de moderna filosofia e evolucionismo,
está tentando tornar a si mesmo numa fera sub-humana – pois mesmo agora Deus
espera a conversão do homem, espera seu acordar para a verdadeira natureza
humana que ele tem dentro dele.
E
isso me traz ao muito importante ponto de sua interpretação do ensinamento do
Padre defensor de Deus de quase nossos próprios tempos, São Serafim de Sarov,
contido em sua famosa “Conversação com Motovilov”.
São
Serafim é meu próprio Santo patrono, e foi nossa Irmandade de São Germano que
primeiro publicou o texto completo dessa “Conversação” na língua russa em que
foi falada (pois a edição pré-revolucionária estava incompleta), bem como
outras de suas palavras genuínas que tinham até então estado impublicadas.
Então você deve estar certo de que nós não acreditamos que ele ensinasse uma
falsa doutrina da natureza do homem, uma que contradiga aquela de outros santos
Padres. Mas examinemos o que São Serafim mesmo diz. Como você corretamente o
cita, São Serafim diz:
Muitos
explicam que quando diz na Bíblia que quando Deus soprou o sopro de vida na
face de Adão o homem criado primeiro foi criado por Ele a partir do pó do chão,
deve significar que até então não havia nem alma humana nem espírito em Adão,
mas somente a carne criada do pó do chão. Essa interpretação é errada, pois o
Senhor criou Adão a partir do pó do chão com a constituição que nosso querido
paizinho, o santo Apóstolo Paulo descreve: Sejam seu espírito e alma e corpo
preservados sem culpa à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo (1 Tes. 5, 23). E
todas essas partes da nossa natureza foram criadas a partir do pó do chão, e
Adão não foi criado morto, mas um ser ativo como todas as outras criaturas
animadas de Deus vivendo na terra. O ponto é que se o Senhor Deus não tivesse
soprado depois em sua face o sopro de vida (isto é, a graça de nosso Senhor
Deus o Espírito Santo...), Adão teria permanecido sem ter dentro dele o
Espírito Santo Que o eleva à dignidade da semelhança de Deus. Quão perfeito ele
tivesse sido criado e superior a todas as outras criaturas de Deus como a coroa
da criação na terra, ele teria sido exatamente como todas as outras criaturas,
as quais, embora tenham um corpo, alma e espírito, cada uma de acordo com seu
tipo, ainda não têm o Espírito Santo dentro delas. Mas quando o Senhor Deus
soprou na face de Adão o sopro de vida, então, de acordo com a palavra de
Moisés, Adão tornou-se uma alma vivente (Gn. 2, 7), isto é, completamente e em
todo jeito como Deus, e, como Ele, para sempre imortal.
Essa
é a única citação patrística que você dá que parece suportar sua visão de que o
homem era primeiro uma fera, e então (mais tarde no tempo) recebeu a imagem de
Deus e se tornou homem. É nisso de fato que você deve acreditar se aceita a teoria
da evolução, e eu fico feliz em ver que você tem a coragem de expressar
claramente o que todos os “evolucionistas Ortodoxos” na verdade acreditam
(mesmo que de uma maneira antes confusa), mas são muitas vezes receosos de
expressar abertamente por medo de ofender outros crentes Ortodoxos que são
“ingênuos” e em sua “simplicidade” se recusam a acreditar que o homem na
verdade de fato é “descendente de macacos” ou de criaturas simiescas.
Mas
aqui recordemos as palavras de São Gregório Palamás que eu já citei:
Se um
dos Padres diz a mesma coisa que aqueles de fora, a concordância é somente
verbal, o pensamento sendo muito diferente. Aquele, de fato, tem, de acordo com
Paulo, a mente de Cristo (1 Cor. 2, 16), enquanto ou outros expressam no máximo
um raciocínio humano. (...) Que homem de sólido espírito e pertencente à Igreja
poderia disso concluir que seu ensinamento vem de Deus? (Defesa dos Santos
Hesicastas, tríade I, 11).
E de
fato, eu devo dizer-lhe que você mal-entendeu completamente o ensinamento de
São Serafim, que não está em absoluto ensinando o que a doutrina da evolução
ensina. Isso, posso mostrar citando tanto o claro ensinamento de outros santos
Padres quanto aquele do próprio São Serafim.
Mas
primeiro eu devo explicar o que pode parecer para um racionalista ser uma
“contradição” entre o ensinamento de São Serafim e aquele de outros Padres.
Primeiro, devemos deixar claro que quando São Serafim fala do homem como sendo
composto de “espírito e alma e corpo” ele não está contradizendo aqueles muitos
outros santos Padres que falam da natureza humana como meramente “alma e
corpo”; ele está meramente fazendo uma distinção entre diferentes aspectos da
alma e falando deles separadamente, como muitos santos Padres também falam.
Segundo, ao dizer que o “sopro de vida” que Deus soprou na face de Adão é a
graça do Espírito Santo, ele não está contradizendo os muitíssimos santos
Padres que ensinam que o “sopro de vida” é a alma, mas está apenas dando uma
interpretação talvez mais profunda e precisa dessa passagem da Escritura.
Mas
está ele na verdade fazendo a distinção racionalista que você faz entre a
natureza do homem que existia “antes” desse sopro, e a graça que foi comunicada
por ele? A teologia Ortodoxa aceita a rígida dicotomia que o ensinamento Católico
Romano faz entre “natureza” e “graça”, como se o homem soubesse tudo que há
para saber sobre esses dois grandes mistérios?
Não;
a teologia Ortodoxa não conhece tão rígida dicotomia, e é por isso que os
estudiosos racionalistas acham tantas “contradições” entre diferentes Padres
Ortodoxos nesse assunto, como ficará claro por um único exemplo: a imortalidade
pertence à alma humana por natureza ou por graça? Diferentes Padres Ortodoxos
que são de igual autoridade respondem diferentemente a essa questão, não porque
ensinem diferentemente sobre o homem e assim “contradigam” um ao outro, mas
porque eles aproximam da questão de lados diferentes. Aqueles que aproximam a
questão da natureza do homem mais a partir do lado da presente natureza humana
corrompida dizem que a alma do homem é imortal por graça; enquanto aqueles
(especialmente os Padres ascetas e místicos) que iniciam com a visão da
natureza do homem como era no princípio, vêem a alma antes como imortal por
natureza. Pode até ser que um e o mesmo Padre veja a questão agora de um e
agora do outro lado, como faz São Gregório de Nissa quando ele diz num lugar (Resposta
a Eunomius, Segundo Livro): “Aquele que raciocina, e é mortal, e é capaz de
pensamento e conhecimento, é chamado ‘homem’”; mas num outro lugar ele diz: “O
homem no curso de sua primeira produção não uniu à própria essência de sua
natureza a sujeição à paixão e à morte” (Da Virgindade, cap. XII). Esse
grande Padre se “contradiz”? É claro que não.
O que
pertence ao Adão criado primeiro por natureza e o que por graça? Não façamos
falsas distinções racionalistas, mas admitamos que nós não entendemos
completamente esse mistério. Natureza e graça, ambas vêm de Deus. A natureza do
Adão criado primeiro era tão exaltada que nós podemos apenas debilmente
compreende-la agora por nossa própria experiência da graça, a qual nos foi
concedida pelo Segundo Adão, nosso Senhor Jesus Cristo; mas o estado de Adão
era também mais alto que qualquer coisa que possamos imaginar mesmo a partir de
nossa própria experiência da graça, pois mesmo sua alta natureza foi feita
ainda mais perfeita pela graça, e ele era, como São Serafim diz, “completamente
e em todo jeito como Deus, e, como Ele, para sempre imortal”.
O que
está absolutamente claro, e o que é suficiente para nós sabermos, é que a
criação do homem – de seu espírito e alma e corpo, e da Divina graça que
aperfeiçoou sua natureza – é um único ato de criação, e não pode ser
artificialmente dividida, como se uma parte dela tivesse vindo “primeiro”, e
uma outra parte “mais tarde”. Deus criou o homem na graça, mas nem as Santas
Escrituras nem os santos Padres nos ensinam que essa graça veio mais tarde no
tempo que a criação da natureza do homem. Esse ensinamento pertence ao
escolasticismo Latino Medieval, como eu mostrarei abaixo.
São
Serafim somente aparenta ensinar essa doutrina, porque ele fala em termos de
simples narrativa do sagrado texto do Gênesis. Mas está bastante claro, como
São Gregório Palamás diz, que “a concordância é somente verbal, o pensamento
sendo muito diferente”. Para sermos convencidos disso nós temos apenas que
examinar como os santos Padres nos instruem a interpretar a sagrada narrativa
do Gênesis neste ponto.
Felizmente
para nós, essa mesma questão foi levantada e respondida pelos santos Padres.
Essa resposta é resumida para nós por São João Damasceno:
A
partir da terra (Deus) formou seu corpo e por Sua própria impregnação deu-lhe
uma alma racional e compreensiva, que afinal dizemos ser a divina imagem. (...)
O corpo e a alma foram formados ao mesmo tempo – não um antes e o outro depois,
como os alucinados de Orígenes diriam. (Da Fé Ortodoxa, II, 12).
Tudo
o que eu disse nesta carta, estritamente derivado dos santos Padres, virá como
surpresa para muitos Cristãos Ortodoxos. Aqueles que leram alguns dos santos
Padres vão talvez perguntar por que eles “não ouviram isso antes”. A resposta é
simples: se eles leram muitos dos santos Padres, eles encontraram a doutrina
Ortodoxa de Adão e da criação; mas eles têm estado a interpretar os textos patrísticos
até agora através dos olhos da moderna ciência e filosofia, e portanto têm sido
cegados ao verdadeiro ensinamento patrístico. É também verdadeiro que a
doutrina do corpo de Adão e da natureza do mundo criado primeiro é ensinada
mais claramente e explicitamente nos mais tardios Padres de exaltada vida
espiritual tais como São Simeão o Novo Teólogo e São Gregório o Sinaíta, e os
escritos desses Padres não são amplamente lidos nem hoje em Grego ou Russo, e
dificilmente algum deles existe, mesmo, em outras línguas. (De fato, muitas das
passagens que eu citei de São Gregório o Sinaíta foram mal-traduzidas na Philokalia
inglesa).
Eu
fiquei muito interessado ao ler em sua carta que você expõe o correto
ensinamento patrístico de que “A criação de Deus, mesmo a natureza angélica,
tem sempre, em comparação com Deus, algo material. Anjos são incorpóreos em
comparação conosco, homens biológicos. Mas em comparação com Deus eles são
também criaturas materiais e corporais”. Esse ensinamento, o qual é exposto
mais claramente nos Padres ascetas tais como São Macário o Grande e São
Gregório o Sinaíta, ajuda-nos a entender o “corpo espiritual” com o qual nós
devemos ser revestidos na idade futura, o qual é de algum jeito do pó, terreno,
mas não tem umidade ou grosseria, como São Gregório o Sinaíta ensina; e também
nos ajuda a entender aquele terceiro estado de nosso corpo, aquele que o Adão
criado primeiro tinha antes de sua transgressão. Do mesmo modo, essa doutrina é
essencial em nosso entendimento da atividade de seres espirituais, Anjos e
demônios, mesmo no mundo presente corruptível. O grande Padre Ortodoxo Russo do
século XIX, Bispo Inácio Brianchaninov, devota um volume inteiro de suas obras
reunidas (volume 3) a esse assunto, e a comparar a autêntica doutrina patrística
Ortodoxa com a moderna doutrina Católica Romana, como exposta em fontes latinas
do século XIX. Sua conclusão é que a doutrina Ortodoxa sobre essas matérias –
sobre Anjos e demônios, céu e inferno, Paraíso – muito embora nos seja dada
pela sagrada tradição somente em parte, todavia é bastante precisa naquela
parte que podemos saber; mas o ensinamento Católico Romano é extremamente
indefinido e impreciso. A razão para essa indefinição não está longe para se
buscar: a partir do tempo em que o papalismo começou a abandonar o ensinamento
patrístico, gradualmente ele se entregou à influência de conhecimento e
filosofia mundanos, primeiro aqueles de tais filósofos como Barlaam, e então da
ciência moderna. Mesmo pelo século XIX o Catolicismo Romano não mais tinha um
certo ensinamento próprio sobre esses assuntos, mas cresceu acostumado a
aceitar o que quer que a “ciência” e sua filosofia dizem.
Ai!,
nossos Cristãos Ortodoxos do dia presente, e não menos aqueles que foram
educados em “academias teológicas”, têm seguido os Católicos Romanos nisso, e
têm chegado a um estado similar de ignorância do ensinamento patrístico. É por
isso que mesmo sacerdotes Ortodoxos são extremamente vagos acerca do
ensinamento Ortodoxo de Adão e do mundo criado primeiro e cegamente aceitam o
que quer que a ciência diga sobre essas coisas. Pode ser que o Seminário da
Santa Trindade em Jordanville, Nova York, seja a única escola Ortodoxa
remanescente onde a tentativa é feita de ensinar os santos Padres não
“academicamente” mas como partes viventes de toda uma tradição; e é
significativo que um Professor deste seminário, Dr. I. M. Andreyev, que é
também um Doutor de Medicina e Psicologia, tenha expressado impressamente a
mesma idéia que eu tenho tentado comunicar acima, e que parece além do
entendimento daqueles que aproximam os santos Padres a partir da sabedoria
deste mundo em vez do contrário. Dr. Andreyev escreve:
O
Cristianismo tem sempre visto o estado presente da matéria como sendo o
resultado de uma queda no pecado. (...) A queda do homem mudou o todo da
natureza, incluindo a natureza da matéria mesma, que foi amaldiçoada por Deus
(Gn. 3, 17). (“Conhecimento científico e verdade cristã”, in Calendário
Nacional São Vladimir para 1974, NY, p. 69).
O
professor Andreyev acha que Bergson e Poincaré relancearam essa idéia nos
tempos modernos – mas é claro que foram somente nossos santos Padres Ortodoxos
que falaram claramente e com autoridade sobre isso.
O
vago ensinamento sobre Paraíso e criação do Catolicismo Romano – e daqueles
Cristãos Ortodoxos que estão sob influência Ocidental nesta matéria – tem
fundas raízes no passado da Europa Ocidental. A tradição escolástica Católica
Romana, mesmo à altura de sua glória medieval, já ensinava uma falsa doutrina
do homem, e uma que sem dúvida abriu o caminho para a posterior aceitação do
evolucionismo, primeiro no Ocidente apóstata, e então nas mentes de Cristãos
Ortodoxos que estão insuficientemente conscientes de sua tradição patrística e
então têm caído sob influências estrangeiras. De fato o ensinamento de Tomás de
Aquino, diferente do ensinamento patrístico Ortodoxo, em sua doutrina do homem
é bastante compatível com a idéia de evolução que você advoga.
Tomás
de Aquino ensina que
No
estado de inocência, o corpo humano era nele mesmo corruptível, mas podia ser
preservado da corrupção pela alma. [Ainda:] Pertence ao homem gerar
descendência, por causa de seu corpo naturalmente corruptível. (Suma
Teológica, I, Quest. 98, Art. 1).
Novamente:
No
Paraíso o homem teria sido como um anjo em sua espiritualidade da mente, porém
com uma vida animal em seu corpo. (Ibid. I, 98, 2). O corpo do homem era
indissolúvel, não por razão de qualquer vigor intrínseco de imortalidade, mas
por razão de uma força sobrenatural dada por Deus à alma, pela qual foi capacitado
a preservar o corpo de toda corrupção tanto quanto ele mesmo permaneceu sujeito
a Deus. (...) Esse poder de preservar o corpo da corrupção não era natural à
alma, mas o dom da graça. (Ibid. I, 97, 2). Agora está claro que tal sujeição
do corpo à alma e dos poderes mais baixos à razão (como Adão tinha no Paraíso)
não era da natureza, ou de outro jeito teria permanecido após o pecado. (Ibid.
I, 95, 1).
Essa
última citação mostra claramente que Tomás de Aquino não sabe que a natureza do
homem foi modificada após a transgressão. Ainda:
A
imortalidade do primeiro estado era baseada numa força sobrenatural na alma, e
não em qualquer intrínseca disposição do corpo. (Ibid. I, 97, 3).
Tão
longe está Tomás de Aquino da verdadeira visão Ortodoxa do mundo criado
primeiro que ele o entende, como fazem os modernos “evolucionistas Cristãos”,
somente a partir do ponto de vista deste mundo caído; e assim ele é forçado a
acreditar, contra o testemunho de santos Padres Ortodoxos, que Adão
naturalmente dormia no Paraíso (Ibid. I, 97, 3), e que ele evacuava matéria
fecal, um sinal de corrupção:
Alguns
dizem que no estado de inocência o homem não teria tomado mais alimento que o
necessário, de forma que não teria havido nada supérfluo. Isso, no entanto, não
é razoável supôr, como implicando que não haveria matéria fecal. Portanto havia
necessidade de evacuar o excedente, ainda assim disposto por Deus de forma a
não ser inadequado. (Ibid. I, 97, 4).
Quão
baixa é a visão daqueles que tentam entender a criação de Deus e o Paraíso
quando seu ponto de partida é sua observação de todo dia deste mundo presente
caído! Como contra a esplêndida visão de São Serafim da invulnerabilidade do
homem aos elementos no Paraíso, observe a explicação puramente mecanicista de
Tomás de Aquino da questão racionalista: o que acontecia quando um corpo pesado
vinha em contato com o leve corpo de Adão?
No
estado de inocência, o corpo do homem podia ser preservado de sofrer dano de um
corpo pesado, parcialmente pelo uso de sua razão pela qual ele podia evitar o
que fosse danoso; e parcialmente também pela divina providência, que assim o
preservava, que nada de uma natureza danosa poderia vir sobre ele sem aviso.
(Ibid. I, 97, 3).
Finalmente,
Tomás de Aquino ele mesmo não ensina, mas outros escolásticos medievais
(Guilherme de Auxerre, Alexandre de Hales, Boaventura) ensinaram, a própria
fundação das visões “Cristãs evolucionárias” do dia presente sobre a criação do
homem:
O
homem não foi criado na graça, mas a graça foi conferida a ele subseqüentemente,
antes do pecado. (Ver Tomás de Aquino, Suma Teológica, I, 95, 1).
Numa
palavra: de acordo com a doutrina Ortodoxa, que vem da visão Divina, a natureza
de Adão no Paraíso era diferente da natureza humana presente, tanto em corpo
quanto em alma, e essa exaltada natureza foi aperfeiçoada pela graça de Deus;
mas de acordo com a doutrina latina, que está baseada em deduções racionalistas
a partir da presente criação caída, o homem é naturalmente corruptível e
mortal, exatamente como ele é agora, e seu estado no Paraíso era um dom
especial, sobrenatural.
Eu
citei todas essas passagens de uma autoridade heterodoxa, não a fim de
argumentar sobre detalhes da vida de Adão no paraíso, mas meramente para
mostrar quão longe alguém corrompe a maravilhosa visão patrística de Adão e do
mundo criado primeiro, quando o aproxima com a sabedoria deste mundo caído. Nem
a ciência nem a lógica podem dizer-nos uma coisa sobre o Paraíso; e ainda
muitos Cristãos Ortodoxos são tão intimidados pela ciência moderna e sua
filosofia racionalista que eles são na verdade temerosos de ler seriamente os
primeiros capítulos do Gênesis, sabendo que os “homens sábios” modernos
encontram tantas coisas ali que são “dúbias” ou “confusas” ou precisam ser
“reinterpretadas”, ou que se pode obter a reputação de ser um “Fundamentalista”
se alguém ousa ler o texto simplesmente, “como está escrito”, como todos os
santos Padres o lêem.
O
instinto do simples Cristão Ortodoxo é sólido quando ele recua da “sofisticada”
visão da moda de que o homem é descendente de um macaco ou de qualquer outra
criatura mais baixa, ou mesmo (como você diz) que Adão deve ter tido o corpo
mesmo de um macaco. São Nectário de Pentápolis corretamente expressou sua justa
raiva contra aqueles que tentam “provar que o homem seja um macaco, do qual
eles gabam que são descendentes”. Essa é a visão da santidade Ortodoxa, que
sabe que a criação não é como os modernos homens sábios a descrevem por sua vã
filosofia, mas como Deus a revelou a Moisés “não em enigmas”, e como os santos
Padres a viram em visão. A natureza do homem é diferente da natureza do macaco
e nunca foi misturada com ela. Se Deus, pelo bem da nossa humildade, tivesse
desejado fazer uma tal mistura, os santos Padres, que viram a própria
“composição das coisas visíveis” em Divina visão, o teriam sabido.
Quanto
mais permanecerão Cristãos Ortodoxos em cativeiro a essa vã filosofia
Ocidental? Muito é dito acerca do “cativeiro Ocidental” da teologia Ortodoxa em
séculos recentes; quando nós perceberemos que é um muito mais drástico
“cativeiro Ocidental” no qual todo Cristão Ortodoxo se encontra hoje, um
prisioneiro desamparado do “espírito dos tempos”, da corrente dominante de
filosofia mundana a qual é absorvida no próprio ar que respiramos numa
sociedade apóstata, com ódio a Deus? Um Cristão Ortodoxo que não está
conscientemente lutando contra a vã filosofia desta idade simplesmente a aceita
nele mesmo, e está em paz com ela porque seu próprio entendimento da Ortodoxia
é distorcido, não se conforma com o padrão patrístico.
Os sofisticados,
mundanamente sábios riem daqueles que chamam a evolução de “heresia”. Verdade,
a evolução não é, estritamente falando, uma heresia; nem é o Hinduísmo,
estritamente falando, uma heresia: mas como o Hinduísmo (com o qual está de
fato relacionada, e o qual provavelmente teve uma influência em seu
desenvolvimento) o evolucionismo é uma ideologia que é profundamente estranha
ao ensinamento do Cristianismo Ortodoxo, e envolve alguém em tantas doutrinas e
atitudes erradas que seria de longe melhor se fosse simplesmente uma heresia e
pudesse assim ser facilmente identificado e combatido. O evolucionismo está
intimamente vinculado com toda a mentalidade apóstata do roto “Cristianismo” do
Ocidente; é um veículo de toda a “nova espiritualidade” e “novo Cristianismo”
nos quais o diabo está agora lutando para submergir os últimos Cristãos
verdadeiros. Ele oferece uma explicação da criação alternativa àquela dos
santos Padres; permite a um Cristão Ortodoxo sob sua influência ler as Santas
Escrituras e não as entender, automaticamente “ajustando” o texto para caber em
sua preconcebida filosofia da natureza. Sua aceitação não pode deixar de
envolver a aceitação também de explicações alternativas de outras partes da
Divina revelação, de um automático “ajuste” de outros textos Escriturais e
patrísticos para afinar com a moderna “sabedoria”.
Eu
creio que em seu sentimento pela criação de Deus, como você o descreve em sua
carta, você seja Ortodoxo; mas por que você sente que deve corromper esse
sentimento com a moderna sabedoria, e justificar essa nova ideologia que é tão
estrangeira à Ortodoxia? Você escreveu muito comoventemente “contra falsa
união”; como desejamos que você agora se tornasse exatamente tão grande zelota
“contra falsa sabedoria”, e dissesse aos Cristãos Ortodoxos falantes de grego
que aceitaram essa nova doutrina demasiado incriticamente que nossa única
sabedoria vem dos santos Padres, e tudo o que a contradiz é uma mentira, mesmo
se chama a si de “ciência”.
Eu
rogo seu perdão se qualquer coisa que falei parece áspera; eu tentei apenas
falar a verdade como a vejo nos santos Padres. Se cometi quaisquer erros em
minhas citações dos santos Padres, eu rogo-lhe que os corrija, mas que não
deixe nenhum pequeno erro guardá-lo de ver o que eu tentei dizer. Há muito mais
que eu poderia dizer sobre esse assunto, mas eu vou esperar por sua réplica
antes de fazê-lo. Acima de tudo, eu tenho o desejo sincero de que tanto você
como nós possamos ver o verdadeiro ensinamento patrístico sobre esse assunto, o
qual é tão importante para toda nossa visão de mundo Ortodoxa. Eu peço suas
orações por mim e por nossa Irmandade.
Para mais sobre esse
assunto, leia Genesis and Early Man: The Orthodox Patristic Understanding,
por Pe. Serafim Rose.
Traduzido do site: [http://www.orthodoxinfo.com/phronema/evolution_frseraphim_kalomiros.aspx]