O ESPÍRITO DE
MELANCOLIA
Nossa maior luta é contra o
demônio da melancolia, que obscurece a capacidade da alma de refletir
espiritualmente e mantê-la afastada das boas obras. Quando esse demônio
malicioso toma a nossa alma e enche-a completamente de sombras, ele nos impede
de orar, de ler as Sagradas Escrituras com perseverança, e de sermos generosos
e compassivos com o nosso próximo; ele instila ódio a qualquer tipo de
trabalho, até mesmo da profissão monástica. Minando as resoluções salutares da
alma, enfraquecendo sua persistência e constância, ele a deixa sem sentido e
paralisada, amarrada e limitada por pensamentos de desespero.
Se nosso propósito é lutar
uma luta espiritual, e derrotar com a ajuda de Deus os demônios da malícia,
deveríamos guardar e proteger o nosso coração do demônio da melancolia. Assim
como a traça devora o tecido e o verme devora a madeira, da mesma forma a
melancolia devora a alma humana persuadindo-a a afastar-se de todo o encontro
útil, e a não aceitar nenhum conselho de amigos verdadeiros, mantendo-os apenas
cortesmente afastados. Tendo tomado a alma toda, enche-a de amargura e apatia,
sugerindo que a ela manter-se afastada de outras pessoas, pois elas seriam a causa
de toda a agitação em que se encontra. Não permite que ela entenda que esta
doença não vem de fora, mas está escondida lá dentro manifestando-se apenas
quando as tentações atacam a alma por causa de seus esforços ascéticos.
Um homem só pode ser
prejudicado por outro através das paixões que se encontram dentro dele próprio.
Por esta razão, é que Deus, criador de tudo e Médico da alma dos homens, o
Único que tem conhecimento preciso das feridas da alma, nunca nos disse para
evitarmos a companhia dos homens; Ele nos diz para desenraizarmos as causas do
mal dentro de nós e reconhecermos que a saúde da alma é alcançada não por
separarmo-nos dos nossos companheiros, mas por vivermos uma vida ascética em
companhia de homens santos. Quando abandonamos nossos irmãos por alguma razão
aparentemente boa, não erradicamos os motivos para melancolia, mas apenas os
trocamos por outros, visto que a doença que se esconde lá dentro de nós vai se
mostrar de novo sob outras circunstâncias.
Assim, fica claro que a
nossa luta é contra as paixões internas. Uma vez que tenham sido extirpadas de
nosso coração pela graça e ajuda de Deus, seremos imediatamente capazes de
viver não apenas com outros seres humanos, mas também com as feras selvagens.
Jó confirma isto quando diz: [e as feras do campo estarão em paz contigo – Jó
5:23]. No entanto, primeiro temos que lutar com o demônio da melancolia que põe
a alma em desespero. Temos que arrancá-lo do nosso coração. Foi este demônio
que não permitiu a Caim se arrepender por ter matado o seu irmão, nem a Judas
por ter traído o Mestre. A única forma de depressão que poderíamos cultivar
seria a tristeza que acompanha o arrependimento pelo pecado e que vem junto com
a esperança em Deus (Ver: 2 Cor.7:10 )]. A tristeza “em Deus” alimenta a alma com
a esperança criada pelo arrependimento, e misturada com alegria. É por esta
razão que nos torna obedientes e sedentos por toda boa obra: acessíveis,
humildes, gentis, tolerantes e pacientes, suportando todos os sofrimentos ou
tribulações que Deus nos envia. Possuir estas qualidades mostra que o homem
aprecia os frutos do Espírito Santo: amor, alegria, paz, longanimidade,
bondade, fé, auto-controle [ref. Gal. 5:22]. Porém, do outro tipo de desânimo
conheceremos os frutos do espírito do mal: apatia, impaciência, raiva, ódio,
disputa, desespero, indolência para rezar. Devemos afastar este segundo tipo da
mesma forma como afastaríamos a falta de castidade, a avareza, a raiva e o
resto das paixões. Ele pode ser curado pela oração, a esperança em Deus, a
meditação sobre as Santas Escrituras, e pela vida junto aos homens de Deus.
São João Cassiano (†435, “On the Eight Vices” p. 87 – 88)
São João Cassiano (†435, “On the Eight Vices” p. 87 – 88)
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