sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Por que ascendemos velas?


      Por que se acende uma vela a Deus ou a um santo? Para comprá-los a fim de alcançar uma graça? Ou para apaziguá-los a fim de ficarmos livres de um mal que nos atormenta ou de uma desgraça que nos ameaça? Nem um nem outro. O sentido da vela acesa é muito mais nobre e mais profundo.
  Símbolo de consumação
Deus é nosso Criador e nós, suas criaturas; quer dizer que tudo o que somos e tudo o que temos nos foi dado de graça por Deus. Por conseguinte, seu poder sobre nós é absoluto e seus direitos ilimitados. Pode até exigir a nossa própria vida em sacrifício.
Os povos pagãos reconheciam esse direito a seus deuses. Por isso ofereciam-lhe sacrifícios humanos (crianças, geralmente, por causa de sua inocência), para acalmar a sua ira ou conseguir o que desejavam.
A Bíblia nos diz também que o Deus verdadeiro exigiu uma vez um sacrifício humano; pediu a Abraão que lhe sacrificasse seu filho único Isaac. Abraão obedeceu. Mas no instante em que segurava a faca para matar o filho em cima da fogueira, Deus enviou seu Anjo que reteve a mão do pai e substituiu o filho por um carneiro (Gn 22). Deus mostrava, assim, que os sacrifícios humanos não são agradáveis a seus olhos e que só quis pôr à prova a fidelidade e a obediência de seu servo.
Na história da humanidade houve um só sacrifício de seu próprio Filho feito homem, nosso Senhor Jesus Cristo, na cruz, para a salvação e a redenção do gênero humano. Esse sacrifício continua renovando-se misticamente, de modo incruento, onde houver um sacerdote e um altar.
Que relação pode haver entre um sacrifício e uma vela acesa? A vela acesa substitui diante de Deus a pessoa que a acende: Fica se consumindo, como se fosse um holocausto oferecido a Deus. O holocausto era, na Antiguidade e na lei mosaica, o sacrifício mais perfeito, porque por ele a vítima era oferecida a Deus e queimada por inteiro em reconhecimento a seu poder e direito absolutos sobre quem a oferecia. A vela acesa ê um holocausto em miniatura. A pessoa compra a vela que passa a lhe pertencer, a ser sua. Acende-a para ser consumida em seu lugar.
Uma vela acesa a Deus simboliza, portanto, a adoração e a entrega total de quem a acende ao Deus Todo Poderoso, Senhor e Criador de todos os seres. Uma vela acesa a um santo tem o mesmo simbolismo, só que este sacrifício é oferecido a Deus por intermédio deste ou daquele santo.
É claro que está longe de ter o mesmo valor do sacrifício eucarístico, cujo valor é infinito, visto que por ele é o próprio Homem-Deus que se oferece a seu Pai. Mas nem por isso deve ser desprezado ou abolido.
Deve-se, sim, evitar a má interpretação e o exagero, isto é, evitar dar-lhe maior valor do que ele tem. Vela acesa é, pois, símbolo de consumação.
Símbolo de Cristo, Luz do mundo
A vela acesa tem também outro simbolismo. Irradiando luz iluminadora, simboliza Cristo "Luz do mundo", conforme ele próprio se qualificou. Por isso, nos ofícios litúrgicos, usam-se freqüentemente velas acesas, sobretudo durante a semana santa e o tempo pascal. Mas o dia da luz é o sábado santo, de noite, Vigília da Páscoa {os fiéis, aliás, chamam este dia de Sábado da Luz}. Nele, antes da divina liturgia, procede-se à bênção solene da luz: o sacerdote benze, atrás do altar, uma vela acesa e, depois, de frente para os fiéis, convida-os a acender dessa vela benta, suas velas, dizendo:

“A luz de Cristo ilumina a todos!... Bendito seja o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que ilumina e santifica nossas almas”.

E com as velas acesas faz-se uma procissão dentro da igreja ao canto do Salmo 147.
No domingo da Páscoa, ao iniciar a cerimônia da entrada triunfal de Cristo que precede a liturgia da ressurreição, o sacerdote, segurando o círio pascal aceso, convida os presentes a acender dele os seus círios, dizendo: "Vinde, tomai luz da Luz sem ocaso e glorificai o Cristo que ressuscita dos mortos". E todos saem da igreja em procissão com velas acesas, para o anúncio da ressurreição de Cristo, pela leitura do evangelho próprio e o canto, várias vezes repetido, do hino da ressurreição:

"Cristo ressuscitou dos mortos;
venceu a morte a pela morte,
e aos que estão nos túmulos
Cristo deu a Vida”.

Depois, o celebrante bate na porta fechada, exigindo sua abertura e entra primeiro, seguido dos fiéis, sempre com velas acesas, ao canto do Cânon da Ressurreição. É claro o simbolismo das velas acesas: Cristo ressuscitado, luz sem ocaso.
Esse simbolismo, encontramo-lo também no sacramento do batismo, chamado também sacramento da iluminação. Depois de batizar a criança, que passa, assim, das trevas do pecado para a luz da graça, o sacerdote manda, acender as velas que os presentes seguram na mão e proclama: "Bendito seja Deus que ilumina e santifica todo homem que vem a este mundo".
Em qualquer cerimônia litúrgica, em especial na "Divina Liturgia", acendem-se velas no altar para simbolizar de um lado a consumação da criatura diante do Criador, o sacrifício de Cristo em substituição à humanidade; e de outro lado, porque é Cristo que está se sacrificando, ele que é a "Luz do mundo".
A exemplo de seu fundador, que usou coisas materiais (pão, vinho, água, óleo) para significar coisas imateriais e até para transformá-las em seu corpo e sangue, a Igreja usa também o material para esse fim (velas, incenso, ícones, etc.); nossa natureza, que é um misto de matéria e de espírito, o requer. Não sendo o "homem nem anjo nem simples animal" só pode alcançar o espiritual e o sobrenatural por intermédio do sensível e do natural. Sejamos humildes e aceitemos nossa natureza como ela é.
A Vela no Batismo
Para os cristãos ortodoxos, a vela usada no Batismo tem um significado muito especial. Como disse o Patriarca Sofrônio:
"Hoje saímos das trevas e fomos iluminados pela LUZ do conhecimento de Deus. No Batismo nós pedimos a Jesus Cristo, que nos envie o Espírito Santo, conforme sua promessa, para iluminar os olhos de nossas almas, a fim de podermos ver Cristo "a Verdadeira LUZ que ilumina todo o homem que vem a este mundo" - Jô 1,9.
A vela do Batismo deve ser mantida pelos pais e apresentada à criança quando alcançada a idade do entendimento. Neste momento, os pais deverão explicar que, pelo Batismo, a criança recebeu a LUZ, que é Cristo: "Eu Sou a Luz do mundo" - Jô 1,5 - e pela Crisma o "Dom do Espírito Santo". Esta Luz ilumina nossos passos para ver por onde devemos trilhar no decurso de nossa existência. Mostra-nos que somos os filhos de Deus, amados, cuidados e redimidos por Ele. Faz-nos pensar que Ele caminha conosco Ele, o verdadeiro caminho, o único meio que nos une (religa-nos) ao Pai e dá-nos a Vida eterna no paraíso. - Jô 14,1-6, 16-17, 26-28.
Jesus é a real e única LUZ para os cristãos, revelando-nos a nossa identidade e o nosso destino.
Nos primeiros tempos da Igreja a vela batismal era sempre mantida pelo batizado. Acendia-se todos os anos no aniversário de Batismo e nos dias dos Santos Maiores. Na Festa da Epifania era trazida para a Igreja e usada para a Renovação das Promessas do Batismo, quando se reafirmava a renúncia ao demônio e a nossa fé em Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. (Epifania era o dia em que se realizava um grande número de batismos nos primeiros tempos da Igreja, como também na Festa da Ressurreição). De igual modo, era acesa, esta mesma vela, durante a cerimônia de casamento ou ordem, simbolizando a presença da Santíssima Trindade: a cera simboliza o Pai; o pavio, Jesus Cristo e o fogo simboliza o Espírito Santo. Finalmente no momento da morte, para expressar nossa fé na nova Vida: "Aquele que me segue não andará nas trevas, mas terá a LUZ da vida", - Jô 8,12 - para iluminar as trevas da morte na espera da Luz do Cristo Transfigurado, a iluminar-nos com a Luz da Vida Eterna.
Os pais cristãos ortodoxos devem reviver esta tradição de preservar a vela batismal de cada criança e acendê-la constantemente na festa de Epifania para relembrar sua filiação divina, motivando assim os pequenos a fazer o mesmo nos momentos mais importantes de suas vidas, como nos aniversários de Batismo, ao receber os demais sacramentos ou numa festa especial, vivendo sempre sob a Luz de Cristo.
Todas as famílias ortodoxas, na festa de Epifania ou Domingo após, ou ainda na festa da Ressurreição do Senhor, deveriam reviver esta tradição, renovando os votos do Batismo que nos revigora na Verdadeira Vida que é Cristo.

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