O ícone que primeiro
apareceu no cristianismo, depois do da imagem de Cristo “não feita por
mãos”, foi o ícone da Toda Santa Mãe de Deus (Bogorodica em Sérvio e
Theotokos em Grego). De acordo com a Santa Tradição, o santo evangelista
S. Lucas escreveu 04 ícones da Toda Santa Mãe de Deus, enquanto ela
ainda estava viva. Tendo visto aqueles ícones, ela abençoou estas
imagens afirmando ajudar todo aquele que lhe pedisse em oração com
sinceridade e com fé em Seu filho divino, diante daqueles ícones. Um dos
quatro ícones tornou-se conhecido como o ícone das três mãos
(Trojerucica em Sérvio e Trichairousa em Grego). O nome deste ícone está
ligado à vida e obra do grande teólogo e poeta cristão S. João de
Damasceno do século VII e VIII.
São João Damasceno nasceu no
ano de 672, na cidade de Damasco, Síria. Naquele tempo, a região vivia
sob o domínio dos Sarracenos. Tais mulçumanos sarracenos afligiam
grandemente os cristãos, matando muitos deles, e levando outros como
prisioneiros, e excluindo todos os que professassem publicamente sua
crença em Cristo. Naqueles dias, os pais de João, protegidos pela divina
providência, sobreviveram intactos e em boa situação e com suas posses e
ainda mais com a sua fé inteira e forte, pois Deus os capacitara a
conseguir o favor dos Sarracenos que não os impediram da fé em Cristo e
de glorificarem o Seu nome. Além disso, os Sarracenos designaram o pai
de João como um Juiz na cidade e administrador das obras públicas do
Estado. Em tal posição proeminente, ele pôde socorrer muitos dos
cristãos: resgatou muitos escravos, libertou muitos prisioneiros, salvou
muitos da morte e ainda conseguiu o batismo de seu filho, João, a
despeito das proibições dos Sarracenos. Os pais de João fizeram grande
esforço para ensinar a seu filho as verdades da fé e espiritualidade
cristãs. Pela providência de Deus, João tornou-se um discípulo do monge
Cosmas (de Maiuma), cuja liberdade da escravidão o pai de João tinha
facilitado no mercado de Damasco e a quem ele confiou a educação de seu
filho. Assim, João e seu irmão de sangue Cosmas (pois o seu pai o havia
adotado) tornaram-se discípulos do velho sábio Cosmas de Maiuma,
altamente versado em filosofia, geometria, música, astronomia e
sobretudo em toda teologia e ascética cristãs – um dos proeminentes
compositores cristãos.
O Jovem João crescia e
aprendia, tornando-se um notável teólogo, como atestam seus sábios e
divinamente inspirados escritos. Ele não se fez arrogante em sua
sabedoria, mas permaneceu humilde. Como uma árvore frutífera produziu
muitos frutos, estendendo seus ramos até o chão. Ele estava então com um
filósofo abençoado que, enquanto ele crescia em sabedoria, o fez mais
humilde, controlando sua imaginação e paixões, e iniciando seu espírito,
como um brilho transbordante de vigor na sabedoria espiritual por entre
o fogo da vontade de Deus.
Ainda naquela época, o
professor julgou que os jovens, graças à mente arguta e esforço
persistente, tinham alcançado um alto grau de sabedoria, multiplicado
por Deus. “Eles não mais necessitam de minha instrução”, dizia o
professor. “Eles são capazes de ensinar outros”. Assim, pediu ao pai de
João para os liberar de suas obrigações para ingressar em um mosteiro a
fim de encontrarem a paz de espírito e se tornarem discípulos de alguns
dos monges mais experientes. O monge Cosmas foi então para o mosteiro de
São Sabas, o santificado, onde viveu o resto de sua vida. Vários anos
se passaram, e o pai de João encontrou o abençoado repouso no Senhor. O
Califa sarraceno, Walid, convocou João e o designou como seu primeiro
ministro, uma posição ainda maior do que a que o seu falecido pai havia
adquirido.
Naquele tempo, Bizâncio foi
dominada pelo Imperador Leo III, o Isaurian (716-741AD). Como um plano
para subdividir os árabes e sarracenos que rodeavam e ameaçavam seu
império, Leo queria tentar uma conversão em massa ao cristianismo. As
nações mulçumanas resistiram a isso, principalmente visto que a
iconografia cristã os fazia acusar o cristianismo de idolatria. Sentindo
nitidamente que a estratégia planejada fracassaria, Leo fortaleceu o
movimento iconoclasta. Ele ordenou, em primeiro lugar, que os ícones
fossem tirados para longe do alcance dos cristãos em todas as igrejas do
império, de modo que o povo não pudesse venerá-los. Vendo que isso não
aboliu a veneração em oração, as reverências, prostrações e a queima de
incenso, o imperador proibiu completamente o uso de ícones tanto nas
igrejas como nos lares. Aqueles que eram encontrados com ícones eram
brutalmente torturados. Muitos cristãos honrados morreram, especialmente
monges e monjas, e muitos ícones valiosos sob todos os aspectos
(espiritual e artístico) foram destruídos para sempre.
Em resposta à heresia
iconoclasta, São João Damasceno compreendeu a missão pela qual ele
talvez seja mais lembrado. Ele defendeu a questão – os ícones – de todo o
modo que pôde e em toda oportunidade que teve. Seu “Tratado sobre as
Imagens Divinas” permanece um considerável livro-texto para estudantes
de teologia, história e arte, assim como para a fé ortodoxa. O fato de
João residir em Damasco, a qual estava fora da fronteira de Bizâncio,
foi uma benção para ele e uma maldição para Leo. A benção de ter uma
liberdade relativa para escrever e disseminar seus pensamentos,
encorajou João a fortalecer a verdadeira fé ortodoxa que conservava os
ícones e desejava seu retorno ao uso na adoração (essa ala foi chamada
de iconodulos – do grego “servidores de imagens”. Dessa forma, estando
fora do seu alcance político, Leo desistiu de tentar silenciá-lo.
Todavia, tendo obtido uma das cartas de João, induziu o seu escriba-mor a
forjar uma carta difamatória, na qual João, supostamente, implora ao
imperador Bizantino reunir seu exército para libertar a Síria do governo
mulçumano. A carta implicaria em que João ajudaria o imperador
estrategicamente a derrotar as forças do Califa e assegurar a sua
entrada triunfante em Damasco. Naturalmente, os agentes de Leo se
certificaram que a falsa carta caísse diretamente nas mãos do Califa.
Enfurecido, o Califa convocou a João e furiosamente o acusou de traição.
Apresentando-lhe a carta, o santo negou tê-la escrito. “Apesar da letra
e assinatura serem muito parecidas com a minha, estas palavras nunca
foram escritas por minha mão”, ele disse ao Califa. Não satisfeito, e
não convencido, o Califa ordenou irado que João fosse punido
publicamente, tendo sua mão amputada. Essa ordem foi imediatamente
cumprida na principal praça de Damasco. A mão foi pendurada no meio da
praça, como uma ameaça aos outros e para envergonhar o tal escritor.
João foi exposto perante as ruas de Damasco, e levado para sua casa,
onde terminou desmaiando por causa do sofrimento e perda de sangue.
Seus amigos foram ao Califa
para persuadi-lo a permitir-lhes que removessem a mão daquele lugar de
vergonha, como um favor pelo trabalho outrora realizado por João. Eles
pensavam em enterrar a mão na esperança que fazendo isso diminuiriam o
sofrimento de seu amigo. A solicitação foi concedida e eles levaram a
mão para o santo em sua casa. Instintivamente, João colocou-a em seu
lugar e se comoveu em lágrimas diante da imagem da Toda Santa Mãe de
Deus que ele tinha em seu quarto monástico. Ele orou diante do ícone
fervorosamente, dizendo: “Oh, minha Senhora, oh, Mãe Santíssima que deu à
luz ao meu Salvador, minha mão direita foi amputada por causa dos
santos ícones… Vem, depressa, ajuda-me e cura-a. A mão direita de meu
Senhor levou a efeito muitos milagres por causa de tuas ferventes
orações. Por isso, eu te peço para interceder diante dele pela cura de
minha mão. Oh, Santa Mãe, uma vez curada, ela escreverá aquilo que
desejares de mim em teu louvor e de teu filho e para o benefício da fé
ortodoxa! A ti, tudo é possível, pois tu és a Mãe de Deus!”.
O santo adormeceu entre
lágrimas em oração. Em seu sono, ele recebeu uma visão de Santísssima
Mãe de Deus, na qual ela lhe disse: “Tua mão está curada. Não fique
triste, mas trabalha zelosamente conforme o que tens prometido”.
Para seu espanto, quanto
acordou, João estava com sua mão plenamente curada. Ele imediatamente
começou a cantar louvores a nossa Santa Mãe e a Seu divino filho. Seus
amigos e vizinhos prontamente relataram o milagre e a palavra chegou ao
Califa. Não acreditando, o Califa convocou João à sua corte e esteve
extasiado por ver que as notícias eram verdadeiras. O Califa por isso se
encheu de remorso por seus atos e de raiva da falsidade do imperador
bizantino. Ele ofereceu a João um posto altíssimo em seu governo, mas o
santo declinou o convite e pediu suplicante que o levassem da Síria a
fim de tornar-se um monge na Palestina. O Califa lhe deu permissão e
João ingressou na irmandade do famoso monastério de São Sabas, o
santificado.
Ele trouxe o ícone com ele,
mas não antes de adicionar-lhe uma lembrança, por escrito, de sua cura
milagrosa. Ele aplicou à superfície do ícone uma mão prateada, como se
estivesse viva. Por isso, o ícone tem sido chamado de Trojerucica em
Sérvio ou Trichairousa em Grego e reproduzido desta forma, com a
inclusão de sua terceira mão, para relembrar-nos de São João Damasceno e
seu grande milagre.
Centro de Estudos São Máximo, o Confessor
Paróquia de São João Crisóstomo, Caruaru – PE
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