segunda-feira, 22 de setembro de 2014

A História do Ícone Milagroso da Toda Santa Mãe de Deus “das três mãos”


ol3hands

              O ícone que primeiro apareceu no cristianismo, depois do da imagem de Cristo “não feita por mãos”, foi o ícone da Toda Santa Mãe de Deus (Bogorodica em Sérvio e Theotokos em Grego). De acordo com a Santa Tradição, o santo evangelista S. Lucas escreveu 04 ícones da Toda Santa Mãe de Deus, enquanto ela ainda estava viva. Tendo visto aqueles ícones, ela abençoou estas imagens afirmando ajudar todo aquele que lhe pedisse em oração com sinceridade e com fé em Seu filho divino, diante daqueles ícones. Um dos quatro ícones tornou-se conhecido como o ícone das três mãos (Trojerucica em Sérvio e Trichairousa em Grego). O nome deste ícone está ligado à vida e obra do grande teólogo e poeta cristão S. João de Damasceno do século VII e VIII.
            São João Damasceno nasceu no ano de 672, na cidade de Damasco, Síria. Naquele tempo, a região vivia sob o domínio dos Sarracenos. Tais mulçumanos sarracenos afligiam grandemente os cristãos, matando muitos deles, e levando outros como prisioneiros, e excluindo todos os que professassem publicamente sua crença em Cristo. Naqueles dias, os pais de João, protegidos pela divina providência, sobreviveram intactos e em boa situação e com suas posses e ainda mais com a sua fé inteira e forte, pois Deus os capacitara a conseguir o favor dos Sarracenos que não os impediram da fé em Cristo e de glorificarem o Seu nome. Além disso, os Sarracenos designaram o pai de João como um Juiz na cidade e administrador das obras públicas do Estado. Em tal posição proeminente, ele pôde socorrer muitos dos cristãos: resgatou muitos escravos, libertou muitos prisioneiros, salvou muitos da morte e ainda conseguiu o batismo de seu filho, João, a despeito das proibições dos Sarracenos. Os pais de João fizeram grande esforço para ensinar a seu filho as verdades da fé e espiritualidade cristãs. Pela providência de Deus, João tornou-se um discípulo do monge Cosmas (de Maiuma), cuja liberdade da escravidão o pai de João tinha facilitado no mercado de Damasco e a quem ele confiou a educação de seu filho. Assim, João e seu irmão de sangue Cosmas (pois o seu pai o havia adotado) tornaram-se discípulos do velho sábio Cosmas de Maiuma, altamente versado em filosofia, geometria, música, astronomia e sobretudo em toda teologia e ascética cristãs – um dos proeminentes compositores cristãos.
            O Jovem João crescia e aprendia, tornando-se um notável teólogo, como atestam seus sábios e divinamente inspirados escritos. Ele não se fez arrogante em sua sabedoria, mas permaneceu humilde. Como uma árvore frutífera produziu muitos frutos, estendendo seus ramos até o chão. Ele estava então com um filósofo abençoado que, enquanto ele crescia em sabedoria, o fez mais humilde, controlando sua imaginação e paixões, e iniciando seu espírito, como um brilho transbordante de vigor na sabedoria espiritual por entre o fogo da vontade de Deus.
            Ainda naquela época, o professor julgou que os jovens, graças à mente arguta e esforço persistente, tinham alcançado um alto grau de sabedoria, multiplicado por Deus. “Eles não mais necessitam de minha instrução”, dizia o professor. “Eles são capazes de ensinar outros”. Assim, pediu ao pai de João para os liberar de suas obrigações para ingressar em um mosteiro a fim de encontrarem a paz de espírito e se tornarem discípulos de alguns dos monges mais experientes. O monge Cosmas foi então para o mosteiro de São Sabas, o santificado, onde viveu o resto de sua vida. Vários anos se passaram, e o pai de João encontrou o abençoado repouso no Senhor. O Califa sarraceno, Walid, convocou João e o designou como seu primeiro ministro, uma posição ainda maior do que a que o seu falecido pai havia adquirido.
            Naquele tempo, Bizâncio foi dominada pelo Imperador Leo III, o Isaurian (716-741AD). Como um plano para subdividir os árabes e sarracenos que rodeavam e ameaçavam seu império, Leo queria tentar uma conversão em massa ao cristianismo. As nações mulçumanas resistiram a isso, principalmente visto que a iconografia cristã os fazia acusar o cristianismo de idolatria. Sentindo nitidamente que a estratégia planejada fracassaria, Leo fortaleceu o movimento iconoclasta. Ele ordenou, em primeiro lugar, que os ícones fossem tirados para longe do alcance dos cristãos em todas as igrejas do império, de modo que o povo não pudesse venerá-los. Vendo que isso não aboliu a veneração em oração, as reverências, prostrações e a queima de incenso, o imperador proibiu completamente o uso de ícones tanto nas igrejas como nos lares. Aqueles que eram encontrados com ícones eram brutalmente torturados. Muitos cristãos honrados morreram, especialmente monges e monjas, e muitos ícones valiosos sob todos os aspectos (espiritual e artístico) foram destruídos para sempre.
            Em resposta à heresia iconoclasta, São João Damasceno compreendeu a missão pela qual ele talvez seja mais lembrado. Ele defendeu a questão – os ícones – de todo o modo que pôde e em toda oportunidade que teve. Seu “Tratado sobre as Imagens Divinas” permanece um considerável livro-texto para estudantes de teologia, história e arte, assim como para a fé ortodoxa. O fato de João residir em Damasco, a qual estava fora da fronteira de Bizâncio, foi uma benção para ele e uma maldição para Leo. A benção de ter uma liberdade relativa para escrever e disseminar seus pensamentos, encorajou João a fortalecer a verdadeira fé ortodoxa que conservava os ícones e desejava seu retorno ao uso na adoração (essa ala foi chamada de iconodulos – do grego “servidores de imagens”. Dessa forma, estando fora do seu alcance político, Leo desistiu de tentar silenciá-lo. Todavia, tendo obtido uma das cartas de João, induziu o seu escriba-mor a forjar uma carta difamatória, na qual João, supostamente, implora ao imperador Bizantino reunir seu exército para libertar a Síria do governo mulçumano. A carta implicaria em que João ajudaria o imperador estrategicamente a derrotar as forças do Califa e assegurar a sua entrada triunfante em Damasco. Naturalmente, os agentes de Leo se certificaram que a falsa carta caísse diretamente nas mãos do Califa. Enfurecido, o Califa convocou a João e furiosamente o acusou de traição. Apresentando-lhe a carta, o santo negou tê-la escrito. “Apesar da letra e assinatura serem muito parecidas com a minha, estas palavras nunca foram escritas por minha mão”, ele disse ao Califa. Não satisfeito, e não convencido, o Califa ordenou irado que João fosse punido publicamente, tendo sua mão amputada. Essa ordem foi imediatamente cumprida na principal praça de Damasco. A mão foi pendurada no meio da praça, como uma ameaça aos outros e para envergonhar o tal escritor. João foi exposto perante as ruas de Damasco, e levado para sua casa, onde terminou desmaiando por causa do sofrimento e perda de sangue.
            Seus amigos foram ao Califa para persuadi-lo a permitir-lhes que removessem a mão daquele lugar de vergonha, como um favor pelo trabalho outrora realizado por João. Eles pensavam em enterrar a mão na esperança que fazendo isso diminuiriam o sofrimento de seu amigo. A solicitação foi concedida e eles levaram a mão para o santo em sua casa. Instintivamente, João colocou-a em seu lugar e se comoveu em lágrimas diante da imagem da Toda Santa Mãe de Deus que ele tinha em seu quarto monástico. Ele orou diante do ícone fervorosamente, dizendo: “Oh, minha Senhora, oh, Mãe Santíssima que deu à luz ao meu Salvador, minha mão direita foi amputada por causa dos santos ícones… Vem, depressa, ajuda-me e cura-a. A mão direita de meu Senhor levou a efeito muitos milagres por causa de tuas ferventes orações. Por isso, eu te peço para interceder diante dele pela cura de minha mão. Oh, Santa Mãe, uma vez curada, ela escreverá aquilo que desejares de mim em teu louvor e de teu filho e para o benefício da fé ortodoxa! A ti, tudo é possível, pois tu és a Mãe de Deus!”.
            O santo adormeceu entre lágrimas em oração. Em seu sono, ele recebeu uma visão de Santísssima Mãe de Deus, na qual ela lhe disse: “Tua mão está curada. Não fique triste, mas trabalha zelosamente conforme o que tens prometido”.
            Para seu espanto, quanto acordou, João estava com sua mão plenamente curada. Ele imediatamente começou a cantar louvores a nossa Santa Mãe e a Seu divino filho. Seus amigos e vizinhos prontamente relataram o milagre e a palavra chegou ao Califa.  Não acreditando, o Califa convocou João à sua corte e esteve extasiado por ver que as notícias eram verdadeiras. O Califa por isso se encheu de remorso por seus atos e de raiva da falsidade do imperador bizantino. Ele ofereceu a João um posto altíssimo em seu governo, mas o santo declinou o convite e pediu suplicante que o levassem da Síria a fim de tornar-se um monge na Palestina. O Califa lhe deu permissão e João ingressou na irmandade do famoso monastério de São Sabas, o santificado.
            Ele trouxe o ícone com ele, mas não antes de adicionar-lhe uma lembrança, por escrito, de sua cura milagrosa. Ele aplicou à superfície do ícone uma mão prateada, como se estivesse viva. Por isso, o ícone tem sido chamado de Trojerucica em Sérvio ou Trichairousa em Grego e reproduzido desta forma, com a inclusão de sua terceira mão, para relembrar-nos de São João Damasceno e seu grande milagre.

Tradução Presb. Jairo
Centro de Estudos São Máximo, o Confessor
 Paróquia de São João Crisóstomo, Caruaru – PE

Nenhum comentário:

Postar um comentário