Por que se acende uma vela a Deus ou a um
santo? Para comprá-los a fim de alcançar uma graça? Ou para apaziguá-los a fim de
ficarmos livres de um mal que nos atormenta ou de uma desgraça que nos ameaça?
Nem um nem outro. O sentido da vela acesa é muito mais nobre e mais profundo.
Símbolo de consumação
Deus é nosso
Criador e nós, suas criaturas; quer dizer que tudo o que somos e tudo o que
temos nos foi dado de graça por Deus. Por conseguinte, seu poder sobre nós é
absoluto e seus direitos ilimitados. Pode até exigir a nossa própria vida em
sacrifício.
Os povos pagãos
reconheciam esse direito a seus deuses. Por isso ofereciam-lhe sacrifícios
humanos (crianças, geralmente, por causa de sua inocência), para acalmar a sua
ira ou conseguir o que desejavam.
A Bíblia nos diz
também que o Deus verdadeiro exigiu uma vez um sacrifício humano; pediu a
Abraão que lhe sacrificasse seu filho único Isaac. Abraão obedeceu. Mas no
instante em que segurava a faca para matar o filho em cima da fogueira, Deus
enviou seu Anjo que reteve a mão do pai e substituiu o filho por um carneiro
(Gn 22). Deus mostrava, assim, que os sacrifícios humanos não são agradáveis a
seus olhos e que só quis pôr à prova a fidelidade e a obediência de seu servo.
Na história da
humanidade houve um só sacrifício de seu próprio Filho feito homem, nosso
Senhor Jesus Cristo, na cruz, para a salvação e a redenção do gênero humano.
Esse sacrifício continua renovando-se misticamente, de modo incruento, onde
houver um sacerdote e um altar.
Que relação pode
haver entre um sacrifício e uma vela acesa? A vela acesa substitui diante de
Deus a pessoa que a acende: Fica se consumindo, como se fosse um holocausto
oferecido a Deus. O holocausto era, na Antiguidade e na lei mosaica, o
sacrifício mais perfeito, porque por ele a vítima era oferecida a Deus e
queimada por inteiro em reconhecimento a seu poder e direito absolutos sobre
quem a oferecia. A vela acesa ê um holocausto em miniatura. A pessoa compra a
vela que passa a lhe pertencer, a ser sua. Acende-a para ser consumida em seu
lugar.
Uma vela acesa a
Deus simboliza, portanto, a adoração e a entrega total de quem a acende ao Deus
Todo Poderoso, Senhor e Criador de todos os seres. Uma vela acesa a um santo
tem o mesmo simbolismo, só que este sacrifício é oferecido a Deus por
intermédio deste ou daquele santo.
É claro que está
longe de ter o mesmo valor do sacrifício eucarístico, cujo valor é infinito,
visto que por ele é o próprio Homem-Deus que se oferece a seu Pai. Mas nem por
isso deve ser desprezado ou abolido.
Deve-se, sim,
evitar a má interpretação e o exagero, isto é, evitar dar-lhe maior valor do
que ele tem. Vela acesa é, pois, símbolo de
consumação.
Símbolo de Cristo, Luz do mundo
A vela acesa tem
também outro simbolismo. Irradiando luz iluminadora, simboliza Cristo "Luz
do mundo", conforme ele próprio se qualificou. Por isso, nos ofícios
litúrgicos, usam-se freqüentemente velas acesas, sobretudo durante a semana
santa e o tempo pascal. Mas o dia da luz é o sábado santo, de noite, Vigília da
Páscoa {os fiéis, aliás, chamam este dia de Sábado da Luz}. Nele, antes da
divina liturgia, procede-se à bênção solene da luz: o sacerdote benze, atrás do
altar, uma vela acesa e, depois, de frente para os fiéis, convida-os a acender
dessa vela benta, suas velas, dizendo:
“A luz de Cristo
ilumina a todos!... Bendito seja o Pai, o Filho e o Espírito Santo, que ilumina
e santifica nossas almas”.
E com as velas
acesas faz-se uma procissão dentro da igreja ao canto do Salmo 147.
No domingo da
Páscoa, ao iniciar a cerimônia da entrada triunfal de Cristo que precede a
liturgia da ressurreição, o sacerdote, segurando o círio pascal aceso, convida
os presentes a acender dele os seus círios, dizendo: "Vinde, tomai luz da
Luz sem ocaso e glorificai o Cristo que ressuscita dos mortos". E todos
saem da igreja em procissão com velas acesas, para o anúncio da ressurreição de
Cristo, pela leitura do evangelho próprio e o canto, várias vezes repetido, do
hino da ressurreição:
"Cristo ressuscitou dos mortos;
venceu a morte a pela morte,
e aos que estão nos túmulos
Cristo deu a Vida”.
venceu a morte a pela morte,
e aos que estão nos túmulos
Cristo deu a Vida”.
Depois, o
celebrante bate na porta fechada, exigindo sua abertura e entra primeiro,
seguido dos fiéis, sempre com velas acesas, ao canto do Cânon da Ressurreição.
É claro o simbolismo das velas acesas: Cristo ressuscitado, luz sem ocaso.
Esse simbolismo,
encontramo-lo também no sacramento do batismo, chamado também sacramento da
iluminação. Depois de batizar a criança, que passa, assim, das trevas do pecado
para a luz da graça, o sacerdote manda, acender as velas que os presentes
seguram na mão e proclama: "Bendito seja Deus que ilumina e santifica todo
homem que vem a este mundo".
Em qualquer
cerimônia litúrgica, em especial na "Divina Liturgia", acendem-se
velas no altar para simbolizar de um lado a consumação da criatura diante do
Criador, o sacrifício de Cristo em substituição à humanidade; e de outro lado,
porque é Cristo que está se sacrificando, ele que é a "Luz do mundo".
A exemplo de seu
fundador, que usou coisas materiais (pão, vinho, água, óleo) para significar
coisas imateriais e até para transformá-las em seu corpo e sangue, a Igreja usa
também o material para esse fim (velas, incenso, ícones, etc.); nossa natureza,
que é um misto de matéria e de espírito, o requer. Não sendo o "homem nem
anjo nem simples animal" só pode alcançar o espiritual e o sobrenatural
por intermédio do sensível e do natural. Sejamos humildes e aceitemos nossa natureza como ela é.
A Vela no Batismo
Para os cristãos
ortodoxos, a vela usada no Batismo tem um significado muito especial. Como
disse o Patriarca Sofrônio:
"Hoje
saímos das trevas e fomos iluminados pela LUZ do conhecimento de Deus. No
Batismo nós pedimos a Jesus Cristo, que nos envie o Espírito Santo, conforme
sua promessa, para iluminar os olhos de nossas almas, a fim de podermos ver
Cristo "a Verdadeira LUZ que ilumina todo o homem que vem a este
mundo" - Jô 1,9.
A vela do
Batismo deve ser mantida pelos pais e apresentada à criança quando alcançada a
idade do entendimento. Neste momento, os pais deverão explicar que, pelo
Batismo, a criança recebeu a LUZ, que é Cristo:
"Eu Sou a Luz do mundo"
- Jô 1,5 - e pela Crisma o "Dom do Espírito
Santo". Esta Luz ilumina nossos passos para ver por onde devemos trilhar
no decurso de nossa existência. Mostra-nos que somos os filhos de Deus, amados,
cuidados e redimidos por Ele. Faz-nos pensar que Ele caminha conosco Ele, o
verdadeiro caminho, o único meio que nos une (religa-nos) ao Pai e dá-nos a Vida
eterna no paraíso. - Jô 14,1-6, 16-17, 26-28.
Jesus é a real e
única LUZ para os cristãos, revelando-nos a nossa identidade e o nosso destino.
Nos primeiros
tempos da Igreja a vela batismal era sempre mantida pelo batizado. Acendia-se
todos os anos no aniversário de Batismo e nos dias dos Santos Maiores. Na Festa
da Epifania era trazida para a Igreja e usada para a Renovação das Promessas do
Batismo, quando se reafirmava a renúncia ao demônio e a nossa fé em Deus, Pai,
Filho e Espírito Santo. (Epifania era o dia em que se realizava um grande
número de batismos nos primeiros tempos da Igreja, como também na Festa da
Ressurreição). De igual modo, era acesa, esta mesma vela, durante a cerimônia
de casamento ou ordem, simbolizando a presença da Santíssima Trindade: a cera
simboliza o Pai; o pavio, Jesus Cristo e o fogo simboliza o Espírito Santo.
Finalmente no momento da morte, para expressar nossa fé na nova Vida: "Aquele
que me segue não andará nas trevas, mas terá a LUZ da vida", - Jô 8,12 - para iluminar as trevas da morte na espera da
Luz do Cristo Transfigurado, a iluminar-nos com a Luz da Vida Eterna.
Os pais cristãos
ortodoxos devem reviver esta tradição de preservar a vela batismal de cada
criança e acendê-la constantemente na festa de Epifania para relembrar sua
filiação divina, motivando assim os pequenos a fazer o mesmo nos momentos mais
importantes de suas vidas, como nos aniversários de Batismo, ao receber os
demais sacramentos ou numa festa especial, vivendo sempre sob a Luz de Cristo.
Todas as famílias
ortodoxas, na festa de Epifania ou Domingo após, ou ainda na festa da
Ressurreição do Senhor, deveriam reviver esta tradição, renovando os votos do
Batismo que nos revigora na Verdadeira Vida que é Cristo.
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